Sexta-feira, 9 de fevereiro de 2024 - 07h37
Bagé, 09.02.2024
A Luz dos Afogados
(Mello Moraes Filho)
[...] Num barco tisnado vulto
Vai de pé na correnteza;
Ampara com a mão a vela
Que tem na outra mão acesa. [...]
A canoa ia de manso,
O pedestal da figura,
Que sobre o peito curvava
A fronte rugosa, escura. [...]
A Mirim
localiza-se no Extremo Sul do Brasil entre os Paralelos 33°37’08” S e 32°08’48”
S, e Meridianos 52°35’05” O e 53°39’50” O. Suas margens Meridionais Ocidentais
fazem fronteira com o Uruguai, desde a Foz do Jaguarão até a Boca do Arroio San
Miguel.
É o segundo maior manancial lacustre do Brasil e a nossa maior Lagoa com 175 km de comprimento, uma largura média em torno dos 21,5 km e máxima de 41 km. A Lagoa Mirim interliga-se, através do Canal de São Gonçalo, com o maior corpo lagunar do país – a Laguna dos Patos. As profundidades médias de suas águas Setentrionais variam de 1 a 2 m, chegando a 4 m na parte central e oscilando entre 5 e 6 m na região Meridional, atingindo, ainda que muito pontualmente, 12 m.
A Lagoa Mirim possui uma superfície da ordem de 3.750 km2 sendo um terço deste total de águas uruguaias constituindo-se, portanto, em um corpo hídrico fronteiriço em que prevalece o regime de águas compartilhadas. Os níveis mais baixos são observados no trimestre março-abril-maio, agravados consideravelmente pela irrigação intensiva. O período menos chuvoso é o de outubro a dezembro, e o de menores afluências entre dezembro e fevereiro.
Na Margem Ocidental da Lagoa concentra-se o maior número de afluentes e os de maior caudal. A Bacia da Lagoa Mirim subdivide-se em oito Bacias, totalizando uma superfície de 58.500 km² que, somadas à superfície da Lagoa Mirim (3.750 km²), resultam em 62.250 km².
a) No Brasil (19.642 km²):
1. Bacia do Canal São Gonçalo (9.147 km²), tendo como principal afluente o Rio Piratini;
2. Bacia do Arroio Grande (4.080 km²), formada pelos Arroios Grande e Chasqueiro;
3. Bacia do Litoral (6.415 km²), onde estão localizados o Banhado do Taim e a Lagoa Mangueira, dentre outras de menor expressão.
b) No Uruguai (30.670 km²):
4. Bacia do Tacuarí (5.143 km²);
5. Bacia do Cebollatí (17.328 km²);
6. Bacia do Sarandí (1.266 km²);
7. Bacia do San Miguel (6.933 km²), integrada pelo San Miguel e por outros Rios menores.
c) Fronteira Brasil/Uruguai (8.188 km²):
8. Bacia do Rio Jaguarão, na divisa entre o Brasil e o Uruguai (8.188 km²);
O exutório ([1]) natural da Lagoa Mirim, o Canal São Gonçalo, que a liga à Lagoa dos Patos (próximo à Praia do Laranjal, Pelotas, RS), encontra-se, atualmente, controlado através de uma eclusa, cuja finalidade é impedir as intrusões de fluxos salinos de jusante. A Rede Hidrográfica da Mirim é composta pelos seguintes cursos d’água:
Brasil:
² Margem Ocidental da Lagoa Mirim
(Fozes do Sul para o Norte):
‒ Rio Jaguarão (32°39’11,0” S/53°10’54,1” O);
‒ Arroio Juncal (32°38’26,4” S/53°05’15,6” O);
‒ Arroio Arrombados (32°32’24,8” S/52°59’57,9” O);
‒ Arroio Bretanhas (32°29’21,6” S/52°58’08,6” O);
‒ Arroio Grande (32°20’43,3” S/52°47’21,6” O);
‒ Arroio Canhada Grande (32°18’59,6” S/52°48’29,7” O);
‒ Arroio Chasqueiro (32°16’05,3” S/52°47’14,4” O) e
‒ Arroio Palmas (32°10’15,3” S/52°43’32,1” O).
² Margem Esquerda do Canal S. Gonçalo
(Fozes de Montante para Jusante):
‒ Arroio Contrabandista (32°01’03,0” S/52°25’15,3” O);
‒ Rio Piratini (32°00’57,1” S/52°25’14,5” O);
‒ Arroio do Pavão (31°58’02,0” S/52°25’10,3” O);
‒ Arroio Fragata (31°47’54,6” S/52°22’16,4” O) e
‒ Arroio Pelotas (31°46’23,4” S/52°16’51,0” O).
² Margem Oriental da Lagoa Mirim
(Fozes do Sul para o Norte):
‒ Arroio dos Afogados (33°07’47,0” S/53°22’29,7” O);
‒ Arroio Capão da Canoa (33°06’33,2” S/53°16’33,6” O);
‒ Arroio Del Rey (32°52’09,7” S/52°55’45,0” O);
‒ Sangradouro do Taim (32°33’35,2” S/52°35’24,7” O);
‒ Arroio Gamela (32°15’09,5” S/52°40’26,0” O) e
‒ Arroio Sangradouro (32°08’48,7” S/52°37’21,5” O).
Uruguai:
² Margem Ocidental da Lagoa Mirim
(Fozes do Sul para o Norte):
‒ Río San Miguel (33°36’29,3” S/53°31’56,7” O);
‒ Río San Luís (33°31’40,0” S/53°32’44,3” O);
‒ Arroyo de Pelotas (33°27’31,0” S/53°35’29,5” O);
‒ Río Cebollatí (33°09’12,2” S/53°37’47,7” O);
‒ Arroyo Sarandí Grande (33°02’02,6” S/53°34’04,5” O);
‒ Arroyo Zapata (33°56’55,4” S/53°29’51,1” O) e
‒ Río Tacuarí (32°46’17,0” S/53°18’36,4” O).
Gênese e Morfologia das Lagoas Costeiras do RS
A Mirim sofreu uma série de eventos paleogeográficos. Antes de assumir sua forma atual, ela foi sendo moldada lenta e progressivamente pelas “barreiras depositadas ao longo da faixa costeira, originadas de sedimentos trazidos por correntes de litoral e acumuladas pela dinâmica praial” (VIEIRA & RANGEL). Relata-nos Schwarzbold, na sua “Gênese e Morfologia das Lagoas Costeiras do Rio Grande do Sul”:
Há 230 mil anos o degelo elevou o nível do Mar a 20 m acima do atual, fazendo com que as águas entrassem continente adentro. Essa extensa área submersa foi retrabalhada em condições praiais e marinhas rasas, tendo contribuição do material sólido erodido continental, configurando um perfil de fundo e iniciando a formação de uma Barra na direção Sul [a partir de Pelotas]. O Período Glacial seguinte criou as condições para a ocorrência de sequências de deposição de emersão. Posteriormente, o Interglacial Yarmouth ([2]) originou nova submersão continental, mas em menor intensidade do que a anterior, sendo que a reinundação da região ocorreu através da Barra ao Sul. A ação erosiva sobre a barreira originou uma segunda deposição de águas rasas, originando uma segunda barreira e obstruindo a Barra ao Sul e isolando a Laguna Mirim do oceano. Há 150 mil anos, o fundo da Laguna foi aplainado pelo assoreamento dos sedimentos marinhos. Há 80 mil anos, na última transgressão marinha pleistocênica ([3]), a elevação do nível do Mar foi menos intensa [cerca de 8 metros acima do nível atual], não permitindo a ultrapassagem das barreiras formadas anteriormente. Neste evento, a Laguna Mirim permaneceu isolada do Mar, sem a ocorrência de ingressão marinha.
O Glacial Wiscosin, que ocorreu de 60 mil até 16 mil anos, provocou um rebaixamento no nível do Mar para 100 metros. Neste evento houve o rompimento e a erosão parcial da restinga, servindo de vertedor à Laguna Mirim, onde hoje se encontra o Banhado do Taim e as Lagoas Nicola e Jacaré. Já no Holoceno ([4]), quando as oscilações de nível do Mar são restritas, a Transgressão Flandriana ([5]) atingiu seu máximo há 6 mil anos, com o nível do Mar elevando-se a 5 m acima do atual e havendo intrusão na laguna Mirim através do Taim.
Ocorreram amplas deposições na margem litorânea, apesar de baixas, construindo feixes de restinga sobrepostos aos depósitos pleistocênicos, em linhas paralelas à costa, na direção Sul.
Este processo foi repetido durante as 3 próximas transgressões holocênicas. O crescimento dos feixes de restinga, para o Sul, desviou o vertedor da Laguna Mirim, no Taim, originando um longo canal de escoamento semilagunar. A continuação desse processo culminou com o fechamento da ligação da Laguna com o Mar, pelo Taim, originando a L. Mirim, que permanece isolada até a atualidade.
A Lagoa Mirim, auxiliada pelos fortes processos erosivos impostos pela Lagoa dos Patos aos terraços pleistocênicos, acabou por estabelecer um canal de interligação, atualmente denominado de São Gonçalo, e que constitui, hoje, o estuário da Lagoa Mirim para a Laguna dos Patos. (SCHWARZBOLD)
Eurípedes F. Vieira e Suzana Rangel, no seu estudo denominado “Planície Costeira do Rio Grande do Sul”, endossam a tese de Albano Schwarzbold de que a Mirim, entre 60 mil e 16 mil anos atrás, em decorrência do rebaixamento no nível do Mar, teve sua restinga erodida progressivamente até que sofreu um rompimento parcial que deu origem a um canal que a interligava ao Oceano Atlântico onde hoje se encontra o Banhado do Taim e as Lagoas Nicola e Jacaré:
A antiga Laguna Mirim tinha, portanto, uma embocadura com o Oceano Atlântico, entre o Norte da Lagoa Mangueira e o Taim, formando um ambiente estuarino. Estudos paleoambientais atestam a presença de ambiente mixohalino ([6]), em condições lagunares de deposição, caracterizando uma Barra de maré de baixa energia entre os segmentos de Ilhas de barreiras já formadas. (VIEIRA & RANGEL)
Bibliografia:
SCHWARZBOLD, Albano. Gênese e Morfologia das Lagoas Costeiras do Rio Grande do Sul – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Revista Amazoniana – Volume 9, 1984.
VIEIRA & RANGEL, Eurípedes F. e Suzana. Planície Costeira do Rio Grande do Sul: Geografia Física, Vegetação e Dinâmica Sócio-demográfica – Brasil – Porto Alegre, RS – Sagra, 1988.
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
Ex-Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós (IHGTAP)E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
[1] Exutório: ponto de menor altitude de uma Bacia Hidrográfica para onde converge todo o seu escoamento superficial. (Hiram Reis)
[2] Interglacial Yarmouth: a Penúltima interglaciação ocorrida a 435 mil anos. (Hiram Reis)
[3] Pleistocênica: divide-se em Pleistocena Inferior (1.806 mil <P.Inf< 781 mil anos), Média (781 mil <P.Md< 126 mil anos) e Superior (126 mil <P.Sup< 11,5 mil anos). Foi nesse período que aconteceram as variações climáticas mais radicais. (Hiram Reis)
[4] Holoceno: o Holoceno inicia-se logo após a última era glacial principal – Idade do Gelo, há cerca de 11.500 anos e se estende até hoje. (Hiram Reis)
[5] Transgressão Flandriana: nesse período, ocorrido entre 4.000 a 5.000 anos AP. [antes do presente], o Mar, num rápido avanço, em decorrência das mudanças climáticas ocorridas durante o Glacial Würm [ou Wiscosin] e o princípio do degelo das calotas polares, trabalhou a parte superficial dos sedimentos continentais antes depositados, resultando na formação de uma camada de areias litorâneas transgressivas. (Instituto Meridionalis)
[6] Mixohalino: águas ricas em sais de cloreto de sódio. (Hiram Reis)
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