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Bagé, 23.02.2024
Revista do Instituto Histórico e
Geográfico
Brasileiro, Volume 240
Rio de Janeiro, RJ – Jul/Set, 1958, n°
240
Joaquim Caetano da Silva
Contatos com D. Pedro II
(Dom Carlos Tasso de Saxe-Coburgo e
Bragança)
Muito se tem escrito
recentemente sobre o autor do “L’Oyapoc
et l’Amazone”. Com a crescente importância econômica do Amapá, a imprensa
tem relembrado o Dr. Joaquim Caetano da Silva, exaltando seu valor e o
inestimável serviço prestado ao nosso país. Com muito acerto, foi apresentado à
Câmara Baixa do Congresso um projeto, no qual, o esclarecido e ilustre Deputado
gaúcho Flores da Cunha, solicitou verba para a construção de um imponente
monumento no Amapá, que pudesse simbolizar, parcialmente, a gratidão do Brasil
a um dos seus mais ilustres e esquecidos filhos. Se ao Barão do Rio Branco
couberam os merecidos louros da vitória do Brasil na questão com a Guiana
Francesa, que nos deu o Amapá, ao Dr. Joaquim Caetano da Silva coube,
inegavelmente, o mérito de proporcionar através de sua obra, uma base
irrefutável à brilhante tese do grande Chanceler. “L’Oyapoc et l’Amazone”, na época, possibilitou ao Governo Imperial
agir com mais firmeza diante da crescente avidez da França, e em nossos dias
simboliza e testemunha o patriotismo desinteressado dos nossos maiores.
Poucos foram os que, na época, alcançaram e compreenderam o
serviço prestado pelo gaúcho de Jaguarão ao Brasil. Teve eco dentro do venerando
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, mas, nas esferas oficiais, poucos
até deviam ter lido o seu trabalho. D. Pedro II o orientou e o estimulou
sempre, dando-lhe, também seu auxílio nas horas mais críticas. O Imperador,
após a leitura de sua brilhante memória sobre os limites do Brasil com a Guiana
Francesa, em 1851, o nomeia Encarregado de Negócios, a 14.11.1851, nos Países
Baixos [em 17.02.1854 foi nomeado Cônsul Geral da Holanda], a fim de poder
pesquisar nos Arquivos Holandeses, esclarecendo este controvertido caso dos
limites do Brasil com a Guiana Francesa.
Da Europa, o Dr. Joaquim Caetano da Silva prestava contas e
mantinha ao corrente o Imperador.
Em 02.08.1857, por exemplo, dirigia a D. Pedro II, eufórica
missiva, na qual participava ao seu soberano as valiosas descobertas
realizadas, que viriam esclarecer, definitivamente a controvertida questão.
Diz o ilustre gaúcho:
Senhor
Senhor,
quando eu asseverava ao Governo Imperial que provaria terminantemente o direito
do Brasil ao Oyapoc do Cabo d’Orange, acrescentava ‒ sem embargo que quaisquer
aparências em contrário ‒ precisamente tinha em mira, não só os mapas alegados
por França [e outros mais graves que ela esqueceu] não só o texto de Berredo,
mas também, e muito especialmente a formidável declaração oficial portuguesa,
que bem conhecia desde Lisboa, por um ofício dos Plenipotenciários Portugueses
em Utrecht, de 04.02.1713, de que logo passei cópia ao Governo Imperial, em
01.04.1852.
Também
eu, Senhor, com grande mágoa de minha alma, muito tempo conceituei
irrespondível aquele papel.
Ultimamente, porém,
desde o princípio de janeiro de 1856, neste, e em todos os mais pontos da
tenebrosa questão do Oyapoc, foi Deus servido aluminar-me resplandecente, que,
sem o mínimo receio de ilusão, protesto, Senhor, a Vossa Majestade Imperial,
que este renhido pleito, movido há 160 anos, no reinado de Dom Pedro Segundo de
Portugal, ficará sentenciado por nós – ao menos quanto ao direito – no reinado
gloriosíssimo de Dom Pedro Segundo do Brasil. Com os mais profundos
acatamentos beijo a augusta mão de V.M.I.
De V.M.I.
Feitura addictíssima.
Joaquim Caetano da Silva
Novamente no dia 06.02.1859, dirigia de Paris a seguinte
interessantíssima carta a D. Pedro II, na qual temos a exata impressão da
certeza do triunfo da causa do Brasil que animava seu signatário:
Senhor
Hoje
mesmo tive a certeza que está nomeado pelo Governo Francês para ir tratar
diplomaticamente, no Rio de Janeiro, a questão do Oyapoc, e provavelmente
partirá pelo vapor de março, o Major de Engenheiros Alfred de Saint Guantin,
autor da Memória que o Príncipe Napoleão mandou inserir na “Revue Coloniale” de
agosto e setembro de 1858 e logo publicar avulsa. E venho deprecar ([1])
a V.M.I., Augusto Defensor Perpétuo do Brasil, que, pelo amor do Brasil, não
admita sobre a pendência do Oyapoc negociação alguma, enquanto não aparecer o
trabalho terminante que estou redigindo. Falta-me talento o talento
preciosíssimo de escrever depressa, mas em assunto de tanta magnitude o
essencial é escrever com acerto. O Governo Francês vai vendo que do meu trabalho
resultará infalivelmente o triunfo do Brasil;
e por isso se empenha em promover um desfecho antes da minha demonstração e
longe de mim.
Se
V.M.I. resolve que não pode escusar a projetada negociação, em tal caso
deprecarei a V.M.I. se digne escolher-me para seu negociador.
Com o mais profundo
acatamento beijo a augusta mão de V.M.I.
De V.M.I.
Feitura addictíssima.
Joaquim Caetano da Silva
Os termos firmes e convictos, nos quais se dirige ao Monarca
dão-nos um quadro fiel do “trabalho terminante”
que estava prestes a ser concluído.
O “triunfo do Brasil”
viria somente muitos anos mais tarde, todavia acreditamos que já estas cartas
do nosso notável e estudioso patrício, tenham alcançado seu alvo, permitindo
outras atitudes do Governo imperial. E, quando Joaquim Caetano da Silva acabou
seu trabalho sobre limites, pronunciando 26 conferências na Sociedade de
Geografia de Paris, é mais uma vez D. Pedro II que o ajuda na publicação das
mesmas, financiando o livro “L’Oyapoc et
l’Amazone”.
Pois no ano seguinte ([2]), o Dr.
Joaquim Caetano da Silva encontra-se em seriíssimas dificuldades, diante de “uma categórica repulsa
do meu instante pedido”, mediante
despacho do Ministério ([3]).
Recusou-lhe este os meios para custear a publicação de sua obra.
Recorre então, novamente, ao seu Augusto Protetor. O apelo é
comovente, deixando bem claras as dificuldades, nas quais devia-se encontrar.
A carta dessesperada vem de Paris [Rue Du Chemin de Versailles, 39] com data
de 23.10.1860.
Senhor
Recebi
ontem, por despacho ministerial, de 21 de setembro, uma categórica repulsa do meu instante pedido de 06 de março, 06 de julho e 06 de agosto do corrente ano ([4]).
Em tamanho desespero viro-me, de novo, para a augusta pessoa de Vossa
Majestade Imperial, depositando em seu coração paternal esta confidência
tremendíssima; que, nos termos em que me acho, nem poderei tirar da tipografia
os dois volumes franceses do meu trabalho do Oyapoc... Já vê Vossa Majestade
Imperial a profundidade do abismo. Pelo amor do Brasil, pelo amor da Família
Imperial, pelo amor de Deus, não me deixe Vossa Majestade Imperial cair nele.
Salve-me
Vossa Majestade Imperial, outra vez, e para sempre, ouvindo compassivo a esta
súplica lacrimosa: valer-me a Casa Imperial com mil Libras Esterlinas, para eu
ir repondo por quotas trimensais de cem Libras desde julho de 1861. Ah, Senhor!
Se por este mesmo paquete se resignasse Vossa Majestade Imperial acudir-me com
metade! Calado de dor, beijo a augusta mão de Vossa Majestade Imperial.
De V.M.I.
Feitura addictíssima.
Joaquim Caetano da Silva
Em
02.01.1861, pede de Paris transferência para Bruxelas, aspiração que o
Imperador não satisfez. Finalmente, a 23 de julho do mesmo ano e também de
Paris, escreve a D. Pedro II, pedindo desculpas por não ter enviado a S.M., a
Imperatriz e às Princesas, os volumes encadernados de sua obra. Cedo, o
imperador compreendeu o que significava para o Brasil a memorável obra “L’Oyapoc et l’Amazone”, pois, após uma
reunião do Ministério, lança no seu diário particular, com data de 22.02.1862,
a seguinte nota:
Lembrei que seria
injusto e impolítico ([5])
deixar sem emprego ao Dr. Joaquim Caetano da Silva, depois da obra imponente
sobre a questão Oyapoc, obra que, aliás, nenhum dos Ministros parece ter lido
por inteiro.
Vemos que,
na ocasião, ninguém dos Ministros se preocupava ou dava o justo valor ao
grande esforço do Dr. Joaquim Caetano da Silva. No mesmo diário encontramos
mais uma nota do dia 08 de março do mesmo ano, na qual D Pedro II se refere
novamente ao Dr. Joaquim Caetano da Silva com as seguintes palavras:
Depois
falei com o Euzébio a respeito da cerimônia do dia 25 deste mês, e com o
Joaquim Caetano da Silva, a quem disse que, como indivíduo e soberano, tinha
feito tudo o que posso para o bem dele e apreço de sua obra muito importante
sobre o Oyapoc; mas ele lembrou-me de alguma graça que enquanto não obtivesse
remuneração que lhe desse para viver e o considerasse perante o público, e eu
respondi que proporia essa graça em despacho, como o fiz, constando os
Ministros em que eu lhe desse a Comenda da Rosa, ou o Grau Superior ao que já
tivesse na Ordem.
Sua Majestade considerava a obra
“muito importante”, porém, perante a
opinião pública, Joaquim Caetano da Silva queria receber “alguma graça” que fosse como recompensa ao seu esforço. De fato foi
promovido de Oficial para Dignitário da I Ordem da Rosa. Seus contatos D. Pedro
II demonstram quanto ambos pensavam patrioticamente. Seus esforços foram
vitoriosos e, hoje, o Brasil todo deve-lhe gratidão e sua memória deve ser
venerada.
Faço minhas
as palavras de Sílvio Romero:
Joaquim Caetano da
Silva é a glória mais doce, mais pura, mais desinteressada do Brasil.
(BRAGANÇA)
Bibliografia
REVISTA IHGB,
1958. Joaquim Caetano da Silva, Contatos
com D. Pedro II – Dom Carlos Tasso de Saxe-Coburgo e Bragança ‒ Brasil ‒ Rio
de Janeiro, RJ ‒ Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Volume
240, Julho – Setembro, 1958 (páginas 84 a 91).
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de
Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor
e Colunista;
Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do
Sul (1989)
Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre
(CMPA);
Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura
do Exército (DECEx);
Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério
Militar – RS (IDMM – RS);
Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando
Militar do Sul (CMS)
Ex-Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia
Brasileira (SAMBRAS);
Membro da Academia de História Militar Terrestre do
Brasil – RS (AHIMTB – RS);
Membro do Instituto de História e Tradições do Rio
Grande do Sul (IHTRGS – RS);
Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia
(ACLER – RO)
Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio
Grande do Sul (AMLERS)
Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da
Escola Superior de Guerra (ADESG).
Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós
(IHGTAP)E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
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