Quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024 - 07h35
Bagé, 28.02.2024
A sua vida foi dedicada à família e ao
Exército Brasileiro, em ambas o seu caráter foi esculpido e a ambas serviu como
um fiel discípulo, não medindo esforços para dar o melhor de si, mesmo que tal
significasse intensos sa-crifícios.
Muito jovem, com apenas dezoito anos, foi
para a Escola de Sargentos das Armas [EsSA], em 1957, em Três Corações, MG,
onde concluiu o Curso de Cavalaria, retornando à sua querida terra natal, Dom
Pedrito, em janeiro de 1958. Lá retornou às fileiras do 14° Regimento de
Cavalaria, Unidade, onde servira por duas semanas, como soldado, antes de ser
chamado para a Escola citada.
Em abril de 1962, casou-se com a Sr.ª
IVONE, com a qual teve dois filhos ERLON e ÉLGIO, e uma filha, ADRIANA. Essa
família tornou-se uma referência e um belo exemplo de união e amor para aqueles
que tiveram a possibilidade de conhecê-la e de desfrutar do seu convívio.
O ST BENHUR serviu em várias Unidades do
Exército, além da já citada, também na 3ª CRO [Comissão Regional de Obras], em
Porto Alegre, RS, no 29º BIB (Batalhão de Infantaria Blindado), em Santa Maria,
RS, na 2ª Cia de Infantaria, em Francisco Beltrão, PR, dentre outras, tendo
feito muitos amigos e nenhum desafeto.
Manteve contato estreito com seus
companheiros de turma da Escola de Sargentos das Armas, participando dos
encontros anuais, acompanhado, por desejo e por amor, de sua namorada, dona
IVONE, a quem carinhosamente chamava de NEGRA e recebia em troca o retorno
semelhante, NEGRO, quantas mensagens de carinho e do mais belo sentimento
expresso em apenas duas sílabas.
O homenageado trabalhou, já na Reserva
Remunerada, no Grêmio Expedicionário Geraldo Santana, por quase dez anos, onde
exerceu as funções de membro do Conselho Deliberativo e de integrante da
Diretoria Executiva, como Primeiro Secretário e também como Segundo
Vice-Presidente. Mercê de sua conhecida competência e abso-luta dedicação e
meticulosidade, conquistou a confiança do quadro social e o respeito dos
superiores e dos subordinados, sendo um magnífico modelo a ser seguido.
Anos mais tarde, após desligar-se dos
afazeres do Geraldo Santana, aceitou o convite do comandante do Colégio Militar
de Porto Alegre, indo integrar, em meados de 1994, suas fileiras na Seção
Técnica de Ensino, inicialmente como prestador de tarefa por tempo certo [PTTC]
e após exercendo trabalho voluntário, somando os dois períodos chega-se a quase
vinte e dois anos.
Sua capacidade de trabalho parecia
contrastar com seu caminhar sem pressa, mas não para os que tinham intimidade
com ele, pois através de seu próprio depoimento, sabíamos que o ST BENHUR
desfrutava cada passo que dava, contemplava a natureza, respirava o ar com
prazer, olhava tudo que o rodeava com indescritível capacidade analítica.
Às vezes deixava escapar algum comentário
que me fazia pensar em como ele tornara-se uma pessoa tão perspicaz e
apreciadora das minúcias, que passariam despercebidas, até para os mais
atentos.
Isso me remetia à frase que um
ex-comandante do CMPA, meu particular amigo, o Cel PIAGGIO, gostava de
mencionar, de autoria de Albert Einstein:
“Deus está nos detalhes”.
Emérito contador de causos, sempre ricos em pormenores e que
algumas vezes, deliberadamente, não ficavam muito claros para os ouvintes,
fazendo com que houvesse indagações por parte desses atentos apreciadores.
Então as interrogações se desfaziam com uma explicação simples, mas normalmente
enfeitada por alguma firula bem colocada.
Ele gostava de contar suas peripécias da infância e da
juventude, bem como das histórias da caserna, nelas ele quase sempre estava
presente, mas muitas das vezes não era o personagem principal. Repetir as
histórias não era do seu agrado, mas, a pedidos, não recusava, porém elas nunca
eram idênticas, algum novo detalhe a transformava em inédita, sem modificar o
enredo. Sobre a sua família ele mantinha certa reserva, contando apenas algumas
passagens, sem jamais entrar em alguma particularidade que pertencesse ao rol
da intimidade dos seus entes mais queridos.
As provas bimestrais, ou trimestrais [AEs] que tinham
gravuras não muito nítidas sempre foram um desafio para a Seção Técnica de
Ensino [STE], do CMPA. O ST BENHUR era o encarregado da reprodução das mesmas,
fazendo a cada bimestre ou trimestre letivo, dezenas de milhares de cópias, e a
ele cabia a última possibilidade de melhorar a clareza da imagem. Quando isso
acontecia, já se sabia que vinha uma bronca, mas ao mesmo tempo uma boa
solução, pois ninguém como ele sabia utilizar os recursos das nossas
copiadoras. A STE, realmente, estava em excelentes mãos.
Ele tratava nossas professoras e professores de uma forma
muito particular, com seu inigualável carisma fronteiriço, quem chegava triste
saía alegre, os que estavam zangados ficavam calmos e os que estavam bem,
despediam-se melhor ainda. Nunca vi ninguém com essa magia no sorriso, no olhar
e nas palavras. Alguns podem pensar que eu não seja totalmente isento, pois a
amizade que nutríamos e compartilhávamos um pelo outro era ímpar, mas se
enganam porque no Colégio dos Presidentes, não querendo me referir às outras
Organizações Militares nas quais eu servi, convivi com centenas e centenas de
profissionais, dentre esses muitos queridos amigos e amigas, mas, em momento
algum encontrei alguém com os dotes interpessoais do BENHUR, no tocante a
transformar o humor das pessoas.
É impossível deixar de relatar uma de suas tiradas mais
pitorescas, a história das chinas. Até pouco tempo atrás, cada casal chinês só
podia ter um filho, era conhecida como Lei do Filho Único e vigorou por mais de
trinta anos. Em setembro de 2015 foi substituída por nova legislação que libera
os casais para terem duas crianças. Enquanto nós conversávamos sobre a, então,
novidade, o BENHUR saiu com uma pérola literária: “Na verdade não foi a China a primeira a fazer leis de restrição ao
aumento populacional. Para clarear os fatos, essas restrições começaram em Dom
Pedrito, é bem verdade, mas com íntima relação com a terra de Mao”. Um de
nós perguntou: Como assim, em Dom Pedrito, mas intimamente ligado à China? Era
a pergunta esperada e instigada a qual ele prontamente respondeu: Lá nas “chinas”, era proibido engravidar, se tal
ocorresse, a percanta que estivesse embuchada tinha que abandonar o restante do
chinaredo, sair da casa onde trabalhava, fazer as suas malas e ir a destino,
essa era a lei. Ou seja, não podia ter nenhum filho, uma lei mais exigente do
que a antiga lei chinesa.
Muitos risos, outra história bem posta, no momento oportuno.
Era um craque nas palavras, deveria ter escrito um livro, melhor, pelo menos
um. Sabia no momento certo dizer a palavra adequada.
Nossas mesas ficavam lado a lado, éramos tão amigos que os
dezenove anos de diferença se dissipavam nas nossas confidências, na comunhão
de nossos pensamentos e na maneira de ver a vida. Nós sempre estivemos como as
nossas mesas na sala em que trabalhávamos, na Seção Técnica de Ensino, uma bem
próxima da outra, ombro a ombro, lado a lado. Quantas saudades eu sinto, quanta
falta ele faz!
Levei cinco meses para conseguir iniciar este texto em teu
tributo, meu querido e dileto companheiro, a pedido de outro amigo em comum,
autor desta obra, pelo qual nutríamos e continuamos a ter esse mesmo
sentimento, embora hoje em planos diferentes, eu aqui e tu aí, desfrutando da
companhia dos anjos. O Coronel HIRAM, muito mais que simplesmente um amigo,
peço perdão pelo advérbio mal colocado, pois esse substantivo bendito: AMIGO,
sempre deveria ser escrito assim, com letras maiúsculas, é um ícone do nosso
Exército, um homem que dedica a sua vida a escrever a História e reescrever a
Geografia de nossas águas, rios, igarapés, lagoas, lagos e lagunas, através de
seus livros, relatos vivos e atuais do nosso Brasil ribeirinho, de sul a norte
deste continente Terra Brasilis.
Senti-me honrado e orgulhoso ao receber o convite, para mim,
a partir de então, uma missão, difícil pela perda recente, ao mesmo tempo
desafiadora e comovente. Por isso, mais um motivo eu tenho para agradecer ao
desbravador e canoeiro HIRAM REIS E SILVA, homem que faz as mulheres e os
homens do Exército Brasileiro terem mais motivo para terem júbilo dessa
Instituição que tem trezentos e sessenta e oito anos conquistando vitórias, sem
jamais ter conhecido o dissabor amargo da derrota. Isso só tornou-se uma
realidade devido a uma conjunção de fatores que não podem ser analisados de per
si: preparação profissional, que se sobrepõe ao equipamento e ao armamento, por
vezes obsoletos; determinação e vontade de cumprir as missões, muito além do
apenas concluir, pois o principal é buscar fazer o melhor, superar-se, não
medir esforços.
Seu falecimento aconteceu durante as férias escolares, parece
até que ele escolheu esse período para que muitos não estivessem presentes,
assim sempre levariam consigo a imagem de eterna alegria que ele sempre
irradiou.
A saúde não era motivo de sua preocupação, quem tinha que
correr atrás de médicos, receitas e exames sempre era a dona IVONE,
prioritariamente. Para ele qualquer chá ou remedinho caseiro lhe bastava. Nos
últimos tempos, só evitava a dupla chuva e frio, que deixa muitos gaúchos
acamados no inverno. Não tinha queixas da vida, pelo contrário, suas palavras
eram de agradecimentos pelas muitas alegrias recebidas do Criador. Assíduo
frequentador da missa dominical das onze horas, na Igreja Santa Terezinha, da
José Bonifácio, naturalmente acompanhado de dona IVONE, meu querido amigo,
mesmo sendo admirador e amigos de vários padres, não lhes poupava de algumas
piadas picantes, mas, em contrapartida relatava belas histórias de fraternidade
e belos aconselhamentos por parte dos homens de batina.
O nosso querido homenageado tinha muito orgulho de sua
família e tributava a sua parceira de uma vida inteira o mérito pela excelente
educação de seus filhos, os três com famílias constituídas, com suas vidas
pessoais e profis-sionais exitosas. Cultivava o convívio com os parceiros, para
os amigos seria capaz dos maiores sacrifícios e pela família daria a própria
vida sem pestanejar. Homem de caráter firme e determinado, ele sabia como poucos
identificar onde, quando e porque os problemas poderiam acontecer, mas só se
dirigia aos superiores para assessorar quando chamado, ou quando urgia uma
mudança imediata de rota.
Sua cuia era companheira de muitas mateadas, mas o sabor mais
especial nunca fora o da erva-mate, tampouco o roncar da bomba pelo término da
água seria o som mais marcante. O amargo tornava-se doce quanto maior fosse a
roda de amigos, ou quando estava ao lado de sua eterna namorada, pois ela
bastava para preencher todos os espaços do seu enorme coração.
A troca de telefonemas diários entre o BENHUR e a dona IVONE,
inúmeras vezes ao dia, verdadeiro rito, remetia a um casal apaixonado e nos
primeiros meses de namoro. Muitas das vezes seu estado de humor, por incrível
que possa parecer, tornava-se ainda melhor, digo isso enfatizando o seu estado
de espírito, alegre e jovial.
Quando do lançamento do primeiro livro do Cel HIRAM,
aficionados pelos assuntos amazônicos estiveram presentes na 56ª Feira do Livro
de Porto Alegre, na noite de 11 de novembro, prestigiando o lançamento da obra
“Desafiando o Rio-Mar”, onde o
escritor narrou as aventuras, explorações científicas, depoimentos e impressões
pessoais que coletou em suas navegações e andanças no interior de uma das
regiões mais cobiçadas e ameaçadas do mundo, quando percorreu em um caiaque
mais de 1.600 Km pelo Rio Solimões, desde Tabatinga até Manaus.
Naturalmente, ele e a dona IVONE se fizeram presentes,
estavam posicionados na longa fila, imediatamente em minha frente. Lá dialogamos
bastante e o assunto principal só poderia ser um, o Cel HIRAM. Fazia um bom
tempo que não conversávamos tão longamente, ele e eu, à época nós trabalhávamos
em seções diferentes do CMPA. Nossa prosa foi animada e interessante, adocicada
pelas pitadas da sua inseparável companheira. Ele percebia no autor de
Desafiando o Rio-Mar qualidades que estavam evidentes, mas só para quem
conseguia fazer uma leitura tão própria e inteligente das pessoas quanto ele.
Eu, apesar de ver no Cel HIRAM um exemplo de virtudes, dentre
elas o empreendedorismo e a praticidade, aliadas à coragem moral e à
persistência, inicialmente, não conseguia crer no sucesso de sua empreitada
heroica, via como idílico e idealista o seu projeto, mas quase utópico. O BENHUR
não duvidava de uma só linha do projeto do coronel. Cabe dizer que os céticos
como eu eram uma grande maioria, mesmo assim, todos nós torcermos muito pelo
sucesso sufocamos nossas opiniões e vibramos efusivamente com cada conquista.
Hoje, vergados pelos fatos, percebemos que somente um único homem seria capaz
de realizar um projeto de tal envergadura, com dezenas de feitos
verdadeiramente patrióticos, grandiosos e notáveis.
Muitos profissionais, do Colégio do Casarão da Várzea e
amigos do BENHUR, sentem ainda uma dor bem forte, um mal estar cujo significado
é ausência, tristeza. Cremos que o tempo e a fé curarão esses males, bem como
sabemos que as saudades serão perenes. Ao mesmo tempo é tão bom pensar nele,
faz um agrado na alma e as lembranças têm o seu sorriso como companhia. Quando
a saudade e as boas recordações se unirem será um deleite, não teremos mais as
lágrimas de tristeza, mas sim o brilho de alegria no olhar.
Foram setenta e sete anos de uma vida intensa de um homem
comum, de um cidadão que exerceu a plenitude de sua existência em prol dos seus
entes mais próximos e da Instituição que amou desde guri e onde labutou durante
cinquenta e nove anos, que soube como poucos conquistar amizades e manter esses
amigos para sempre, que sabia sorrir mesmo quando triste.
Foram cinquenta e três anos de casamento, de filhos e filha,
de noras e genro, de netas e neto, de casa, de passeios, de tristezas e de
alegrias, de sacrifícios pessoais, para junto com sua eterna e doce IVONE,
manter a união familiar e propiciar educação e conforto aos amados herdeiros.
Foi uma existência modelar na acepção mais ampla que possamos
conferir a esse adjetivo. Trajetória familiar irretocável, militar
disciplinado, disciplinador e generoso, cidadão de conduta ilibada, homem
preocupado com o bem-estar do seu semelhante e atuante dentro da comunidade. Se
perfeição houvesse seria o amigo perfeito, aquele que jamais nega o estribo,
independentemente da situação que se apresentasse.
O Patrão Velho da Estância do Céu, temos convicção,
destinou-lhe um bom lugar, de onde possa ver a sua amada família e de vez em
quando, de canto de olho, dar uma espiada no Colégio dos Presidentes e conferir
se tudo está no seu devido lugar. (Coronel João Batista Carneiro Borges),
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de
Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor
e Colunista;
Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do
Sul (1989)
Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre
(CMPA);
Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura
do Exército (DECEx);
Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério
Militar – RS (IDMM – RS);
Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando
Militar do Sul (CMS)
Ex-Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira
(SAMBRAS);
Membro da Academia de História Militar Terrestre do
Brasil – RS (AHIMTB – RS);
Membro do Instituto de História e Tradições do Rio
Grande do Sul (IHTRGS – RS);
Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia
(ACLER – RO)
Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio
Grande do Sul (AMLERS)
Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da
Escola Superior de Guerra (ADESG).
Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós
(IHGTAP)E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
Bagé, 20.12.2024 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 3.184, Rio, RJSexta-feira, 25.10.1963 Sindicâncias do Sequestro dão e
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – VI
Silva, Bagé, 11.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 224, Rio de Janeiro, RJ Quarta-feira, 25.09.1963 Lei das Selvas T
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV
Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III
Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira O jornalista H