Quarta-feira, 6 de março de 2024 - 08h10
Bagé,
06.03.2024
O Novo Argonauta ‒ Rouco Trovão
(José Agostinho de Macedo)
Soa o rouco trovão, lança a tormenta
Sobre um Mar outro Mar, sorvem-lhe as ondas
O convulso Baixel, de novo aos ares
As encruzadas ondas o vomitam:
Em hórrida peleja os Elementos
Em cada vaga a sepultura mostram.
Embora o vento predominante
na região seja o NE, os mais fortes tem sua origem no quadrante Sul e Oeste,
sendo os ventos SO e Oeste mais frequentes no período entre os meses de abril a
agosto. No intervalo, de seis a dez dias, que ocorre entre as frentes frias, os
fortes ventos oriundos do quadrante Sul pressionam o mar contra a costa
encobrindo, não raras vezes, toda a extensão da praia.
O vento SSE, que dura,
geralmente, três dias provocou diversos naufrágios ao longo dos tempos
recebendo o apelido de “Carpinteiro da
Costa”, pois lançava, na praia, os destroços de madeira das embarcações que
soçobraram. O vento NE predomina no intervalo entre as frentes frias forçando o
mar a recuar e expondo as longas e largas praias.
Naufrágios
Desde o início do século
XVI, verificaram-se diversos naufrágios ao longo da costa entre a Barra da
Laguna dos Patos e o Arroio Chuí. O naufrágio mais emblemático, porém, foi o do
navio inglês Prince of Wales ([1]), nos idos de 1861, que
provocou um conflito importante nas então estremecidas relações diplomáticas
com a Inglaterra.
Na noite de 11 para
12.07.1887, naufragaram, vítimas de um terrível ciclone extratropical que se
abateu sobre o litoral gaúcho, o vapor inglês “Cavour”, a barca norueguesa “Telenak”
e as embarcações brasileiras “Évora”,
“D. Guilhermina” e “Rio Apa”. Por volta das 21h00, sobreveio
um temporal, acompanhado por um fortíssimo “Carpinteiro
da Costa” que se estendeu até as 02h00, a borrasca foi brevemente
interrompida retornando com maior intensidade pelas 04h00. As embarcações não
resistiram à ação das ondas de até 6,5 m e foram ao fundo.
O Vapor inglês “Cavour”, procedente do Rio de Janeiro,
encalhou e afundou ao largo da praia de São José do Norte. A Barca norueguesa “Telenak” que partira de Montevidéu com
destino à cidade de Pensacola, Flórida, USA, soçobrou na costa de Santa Vitória
do Palmar. A Escuna brasileira “Évora”,
que havia saído de Rio Grande com destino a Macau, hoje território da República
Popular da China, encalhou e naufragou a pouco mais de 16 km ao Sul da Barra. O
Patacho ([2]) nacional “Dona Guilhermina”, de Rio Grande,
procedente do Rio de Janeiro, carregava açúcar para Porto Alegre e afundou na
Praia do Albardão (Sul da praia do Cassino).
O vapor “Rio Apa”, da Companhia Nacional de
Navegação a Vapor, vindo do Rio de Janeiro com destino a Montevidéu, no
Uruguai, naufragou ao largo da Barra de Rio Grande, onde deveria fazer uma
escala. Pereceram todos os quarente tripulantes e os sessenta e sete
passageiros. No dia 16.07.1887, o jornal “Eccho
do Sul” reportou:
ECCHO DO SUL – URGENTE
Escrevem-nos
da Barra, a última hora: infelizmente já não há mais dúvidas sobre o naufrágio
do “Rio Apa” […] A praia está cheia
de destroços e de volumes desde aqui até muitas milhas para o Norte. O “Rio Apa” foi provavelmente surpreendido
pelo furacão no momento em que cruzava a vista do farol; tomado pelo vértice
quando virava de bordo ou fazia alguma manobra, adernou precipitando-se no
abismo das águas. Não deve estar longe o casco. (ECCHO DO SUL)
Esta terrível tragédia
acelerou a construção, em Rio Grande, dos molhes da Barra que evitam o
assoreamento do canal de acesso ao porto. A obra foi finalizada somente em
1915, quase três décadas após o desastre.
Um naufrágio, mais recente,
porém, permanece vivo na memória de todos – o do navio “Altair”. O seu vulto monumental destroçado pela fúria dos elementos
ergue-se decadente, há 40 anos, na beira da Praia de Cassino fazendo parte das
atrações turísticas da região e do dia-a-dia dos habitantes locais. O naufrágio
foi assim reportado pelo “Jornal Agora”
de Rio Grande:
Navio “Altair”
– Jornal Agora, 08.07.1976
Tripulantes do
barco encalhado estão na cidade – Os 21 tripulantes do navio “Altair”, da empresa Linhas Brasileiras
de Navegação [Libra], que encalhou 18 km ao Sul da Barra de Rio Grande
aproximadamente às 16h00 de domingo, em meio a uma forte tempestade, foram
recolhidos por pescadores e conduzidos à costa, chegando à cidade por volta das
12h40min de ontem, segundo o chefe do setor de navegação da agência da empresa,
João Alvariza.
Quatorze dos
21 tripulantes estão hospedados no Hotel Paris e sete foram conduzidos para o
Hotel Europa. Segundo Alvariza, nenhum deles apresentou problemas de saúde,
excetuando-se as consequências da fadiga e das más condições de alimentação
que enfrentaram desde que a tempestade começou, no sábado. O navio adernou e
tornou-se impossível fazer fogo no “Altair”
para cozinhar os alimentos.
O chefe de
navegação da Libra disse que isto obrigou a tripulação a consumir apenas
alimentos como bolachas e conservas de que dispunham. A carga de trigo que o
navio transportava poderá sofrer as consequências de uma rachadura surgida no
convés e as possibilidades de recuperá-lo sem novos danos são mínimas. Alvariza
disse que, com um calado de 6,40 m, o Altair encalhou a cerca de duas milhas da
costa e a rebentação poderá aproximá-lo ainda mais da margem.
Na manhã de
ontem, uma equipe de 12 homens da Marinha de Guerra, tendo à frente o
Comandante da corveta “Baiana”, rumou
para o local do encalhe por terra, portando balsas infláveis para retirar a
tripulação. Pescadores das redondezas, entretanto, já tinham conduzido a
tripulação à costa e a equipe da Marinha a trouxe à cidade em dois caminhões e
uma caminhoneta.
Até às 18h00
de domingo, o rebocador “Plutão”
tentou uma aproximação com o navio, mas a rebentação impediu que isto
acontecesse. Agora o “Altair” está
sendo observado apenas da terra por três homens da Libra.
João
Alvariza disse que somente hoje, talvez, se possa avaliar com mais precisão as
condições em que o barco se encontra. A Capitania dos Portos do Estado vai
ouvir também o Comandante do “Altair”
para obter mais detalhes sobre o acidente. O barco tem capacidade de 3.040
toneladas.
Navio “Altair”
– Jornal Agora, 10.07.1976
Dezesseis
dos 21 tripulantes do navio Altair encalhado desde domingo 18 km ao Sul da
Barra, partirão ao meio-dia de hoje, por ônibus, para o Rio de Janeiro,
enquanto os cinco oficiais do barco permanecerão na cidade para prestar
depoimento na Capitania dos Portos. [...]
Navio Altair – Jornal Agora, 11.07.1976
É quase
certo que “Altair” não será salvo –
Dificilmente o navio “Altair”,
encalhado desde domingo ao Sul do Cassino, poderá ser tirado inteiro do cômoro
de areia em que foi jogado, por circunstâncias ainda não esclarecidas, durante
uma tempestade. Ontem pela manhã, o Comandante Eugênio Paiva, Diretor da
empresa proprietária do “Altair”, fez
uma vistoria no navio, acompanhado de um perito do Instituto de Resseguros do
Brasil, e constatou a existência de uma rachadura no caso, o que impediria uma
operação de reboque, esta operação faria com que o navio, fatalmente, fosse
partido ao meio.
Dois porões
do “Altair” foram invadidos pela
água, e a carga de 3.040 toneladas de trigo está totalmente perdida. O convés
também apresenta uma rachadura e os vagalhões da tempestade de domingo
danificaram grande parte do instrumental de bordo. O Comandante Paiva, ao fim
da vistoria, transmitiu um relatório para a direção central da Libra, no Rio de
Janeiro, e espera uma resposta sobre que providências serão tomadas. Sabe-se,
entretanto, que o próprio Comandante Paiva encontrou poucas possibilidades que
indiquem algum interesse da empresa em retirar o navio. Originalmente encalhado
a cerca de duas milhas da costa o navio, ao longo dos anos, foi sendo empurrado
e se integrou a paisagem da linha da praia.
Em
06.06.1976, o navio “Altair” deixava
a navegação e passava a fazer parte das histórias dos incontáveis personagens
que por ele passaram. Para quem se desloca do Cassino, inicialmente o navio é
visto como um pequeno ponto no horizonte que vai aumentando com a passagem dos
quilômetros até a possibilidade de um contato físico com a sua carcaça corroída
pelo Mar. No Sul da Barra do Rio Grande, está uma evidência visual do cemitério
de navios que se espalha entre o Norte e o Sul da Barra do Rio Grande. (AGORA)
Bibliografia
AGORA, o Jornal do Sul – Navio Altair e Navio Punta Piedras – Brasil – Rio Grande do Sul, RS
– Organizações Risul Editora Gráfica Ltda, 1976.
ECCHO DO SUL. Ano XXXIV – Números 160 a 170 – Brasil – Rio Grande, RS – Edições
de 19.07.1887 a 30.07.1887 – Bibliotheca Rio-grandense, 1887.
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de
Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor
e Colunista;
Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do
Sul (1989)
Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre
(CMPA);
Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura
do Exército (DECEx);
Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério
Militar – RS (IDMM – RS);
Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando
Militar do Sul (CMS)
Ex-Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia
Brasileira (SAMBRAS);
Membro da Academia de História Militar Terrestre do
Brasil – RS (AHIMTB – RS);
Membro do Instituto de História e Tradições do Rio
Grande do Sul (IHTRGS – RS);
Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia
(ACLER – RO)
Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio
Grande do Sul (AMLERS)
Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da
Escola Superior de Guerra (ADESG).
Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós
(IHGTAP)E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
Bagé, 20.12.2024 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 3.184, Rio, RJSexta-feira, 25.10.1963 Sindicâncias do Sequestro dão e
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – VI
Silva, Bagé, 11.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 224, Rio de Janeiro, RJ Quarta-feira, 25.09.1963 Lei das Selvas T
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV
Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III
Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira O jornalista H