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Hiram Reis e Silva

Terceira Margem – Parte DCCXIV - A Mangueira e a Costa Gaúcha – Parte IV


Terceira Margem – Parte DCCXIV - A Mangueira e a Costa Gaúcha – Parte IV - Gente de Opinião

Bagé, 13.03.2024

 

 

Jornal do Commércio, n° 215

Rio de Janeiro, RJ – Quarta-feira, 03.08.1887

Câmara dos Deputados
Sessã0 em 2 de Agosto de 1887
Presidência do Sr. Gomes de Castro

 

O Sr. Castrioto [Ministro da Marinha] historia que o “Rio Apa” apresentou-se à Barra do Rio Grande do Sul cerca das 14h00 do dia 11.06.1887 e foi visto pela Atalaia ([1]), que mandou uma catraia ao seu encontro; o vapor chegou à 1ª boia, mas caiu uma cerração e vento forte, de modo que a catraia não viu mais o vapor. Redobrando o temporal e não se podendo mais aguentar, a catraia recolheu-se à Barra e dizem os entendidos daqueles mares que, em tais condições, era impossível expedir qualquer socorro, que a seu turro não fosse sacrificado; só no dia 15 é que foi possível enviar embarcações para o Norte e para o Sul em procura do “Rio Apa”, que não foi encontrado; posteriormente é que apareceram alguns cadáveres.

 

Responde a apartes, que tem ouvido a opinião de Oficiais Generais da Armada e todos são unanimes em dizer que diante de semelhante temporal, eram inúteis quaisquer socorros. Quanto a providenciar-se para garantir o que fosse ter às praias, diz que a Costa do Rio Grande é de 500 milhas e seria necessário um exército para vigiar, porque é impossível previr os lugares onde os destroços chegassem.

Expõe as providencias tomadas pela presidência da Província do Rio Grande é pelo Governo Geral, logo que tiveram conhecimento do sinistro.

 

O Sr. Alves de Araújo estranha o procedimento da tripulação da catraia, não apitando quando sobreveio a cerração.

 

O Sr. Castrioto [Ministro da Marinha] passa a ler os telegramas que tem presentes a respeito do fato, isto é, os mais importantes.

 

Não lhe parece que o patrão da Barra tenha culpa no desastre, por isso que a catraia só recolheu quando já não polia aguentar-se debaixo do temporal, que foi crescendo sucessivamente. Afirma, pois, que era impossível fazer-se mais do que foi tentado para encontrar e salvar o vapor ou os seus náufragos. (JDC, N° 215)

 

Jornal do Commércio, n° 219

Rio de Janeiro, RJ – Domingo, 07.08.1887

“Rio Apa”

 

Do “Eccho do Sul” de 29 e 30 do passado transcrevemos o seguinte:

 

Do Pontal da Barra, 29: Recebeu-se aqui notícia de terem dado à Costa, para os lados do Estreito, mais alguns cadáveres cujas vestes indicam ser de militares e tripulantes.

 

Diz-se, não sei com que fundamento, que na Costa de Mostardas apareceu um grande escaler completamente despedaçado e com visíveis sinais de ter andado com náufragos. Apareceu com alguns pacos ou roupas atadas às bancadas. A lancha “Rebouças” saiu ao mar.

 

Às 17h00 – Do Pontal:

 

A lancha “Rebouças” encontrou boiando a alguma distância da Costa um cadáver que se reconheceu ser de marinheiro. Vestia camisa de chita, camiseta de baeta, ceroula de flanela ordinária e calça de zuarte. Parecia ser de pessoa estrangeira por causa da barba e do bigode louros. Recolhido à lancha foi conduzido para aqui. O comandante da praticagem mandou enterrá-lo junto à estacada da Comissão de Engenharia.

 

Escrevem-nos de S. José do Norte em data de ontem:

 

Às 08h00 chegaram dois Corre-costas que andavam ao serviço das autoridades na praia, desde três léguas aquém do Pontal ao Estreito.

 

Trazem notícias do aparecimento de seis corpos, dos quais quatro vestidos de militares e entre esses um com os galões do posto de Capitão, trazendo alguns deles sobre as fardas cintos do cortiça [salva-vidas] e outros sob blusas que não exibem distintivo algum de posto militar.

 

Dizem que todos esses corpos achavam-se quase que em perfeito estado, como se a morte os tivesse surpreendido recentemente. Exibiam os ventres contraídos, os dentes cerrados e evidentes indícios de haverem sucumbido de fome e de frio.

 

Um dos cadáveres tinha as mãos feridas por arma de gume.

 

Foram encontrados em diferentes pontos da Costa, a grandes distâncias.

 

Souberam que na praia do Capão do Meio apareceram roupas de mulher, notando-se dois ricos vestidos de seda com enfeites de veludo escarlate já desbotados pela ação da água do mar.

 

Essas roupas tinham sido recolhidas por uns vizinhos, mas foram roubadas.

 

Em viagem para cá constou-lhes que légua e meia para o Norte do Capão do Meio dera-se um grande conflito entre vários indivíduos que se entregam ao roubo. Constou-lhes também que a autoridade do lugar, acompanhada de alguns moradores, se dirigira para ali. Presume-se que houve mortes.

 

Na praia do Estreito continuam a aparecer destroços do “Apa” e fragmentos de malas, papéis, etc.

As autoridades desta Vila, do Estreito e de Mostardas tem dado as providências necessárias para o sepultamento dos cadáveres, bem como para a arrecadação dos papéis e valores que forem encontrados nas roupas dos mortos.

 

Do Norte:

 

Confirma-se o aparecimento da jangada na Costa de Mostardas. Dizem-me que é evidente que transpor­tava náufragos. Duas léguas ao Sul do Estreito apa­receu mais um cadáver de mulher, trajando um roupão de casimira cinzenta com alamares de cordão preto. Devia ter dada à praia com joias, que foram roubadas, pois dizem que os dedos apresentam si­nais de anéis arrancados à força.

 

A Praça que trouxe a notícia, viu a infeliz, e diz que é alta, cabelo castanho e magra. Apareceu com o rosto deformado, os lábios roídos, as mãos crispadas e os dentes cerrados. Sabe-se que de Mostardas, e por influência da autoridade, saiu um grupo de Corre-costas para a Praia Grande, onde consta terem dado muitos corpos e estar a praia coberta de corvos.

 

Lê-se no Diário do Rio Grande, de 30:

 

Seguiu ontem para a Costa do Oceano o ilustrado facultativo Sr. Dr. Manoel A. Affonso dos Reis. S. S. vai com o fim de proceder à autópsia nos cadáveres que tem dado à praia, para o que levou os instrumentos necessários.

 

Importante serviço vai o Sr. Dr. Affonso Reis prestar à causa da verdade Do exame a que proceder verificar-se-á se os pobres náufragos do “Rio Apa” pereceram por asfixia por submersão, ou se por efeito da falta de socorros.

 

Seguiu ontem à tarde para a Costa, ao Norte da Barra, uma Força de linha composta de 13 Praças, um inferior e um corneta, comandados pelo Sr. Alferes Salles. Essa Força foi requisitada pelo agente da Companhia Nacional o Sr. Salvador Moutinho.

 

Pessoa chegada da Costa comunica que entre o Estreito e o Capão do Meio deram à praia mais oito cadáveres, todos em perfeito estado, todos salva-vidas, pálidos e com o estômago extremamente contraído. Dos oito cadáveres, seis deram à praia quase todos juntos.

 

Informam-nos que todos os corpos foram despoja­dos do que tinham de algum valor.

 

Na praia foi encontrado o retrato de uma moça, um pouco corpulenta, tipo alemão. A fotografia tem no reverso os seguintes dizeres: “Waldemar Renard, photograhische, Anstal Kiel, Sophienblatt 18”.

 

Foram também encontradas, entre outros papéis, circulares da New-York Life Insurance Company, e uma carta acompanhada de uma fatura de Carvalho Silva & C., do Rio de Janeiro, dirigidas a Marcinio Leitão & C., de Jaguarão. (JDC, N° 219)

 

Bibliografia

 

JDC, N° 215. Câmara dos Deputados – Sessã0 em 02.08.1887 – Presidência do Sr. Gomes de Castro – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Jornal do Comércio, n° 215, 03.08.1887.

 

JDC, N° 219. “Rio Apa” – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Jornal do Comércio, n° 219, 07.08.1887.


(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

 

Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)

Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);

Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);

Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)

Ex-Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);

Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)

Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);

Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)

Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).

Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).

Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós (IHGTAP)E-mail: hiramrsilva@gmail.com.



[1]   Atalaia: guarita ou lugar alto donde se vigia.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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