Sexta-feira, 22 de março de 2024 - 07h05
Bagé,
22.03.2024
Relatos
Hodiernos – Naufrágios
Newton
Vilela JUNIOR (2015)
A Terra de Ninguém
[...]
Segundo relatos do historiador Homero Vasques Rodrigues, morador do
Hermenegildo [Santa Vitória do Palmar], como a região dos Campos Neutrais era
acometida por fortes ventos e era de difícil navegação, as embarcações que se
dirigiam ao Prata eram obrigadas a navegar muito próximo à costa, atrás dos bancos
de areia.
Aproveitando-se
desse fato, as populações que viviam atrás dos banhados, utilizavam, como
estratégia de pirataria, a colocação de tochas sinalizadoras ao longo da costa,
nas chamadas dunas primárias, de cerca de treze metros de altura. E as
sinalizavam por meses seguidos, fazendo-se de referência às embarcações de que
ali tinha início o continente.
Em
determinadas ocasiões, eles deslocavam essas tochas para cerca de 2.000 metros
do local original, adentrando as dunas e fazendo com que as embarcações, ao
retornarem, perdessem a orientação e encalhassem próximo à praia onde ocorriam
sangrentos atos de pirataria.
Apesar de
serem fatos não documentados, que vieram ao conhecimento através da voz
corrente popular, contados de gerações a gerações, Lauro Barcellos, oceanógrafo
da Praia do Cassino, nos conta que certamente alguns naufrágios foram
ocasionados por esses piratas e foram muito comuns até o final do século XIX.
Segundo ele, são ainda muito comuns nos dias de hoje. Se uma embarcação naufragar
neste litoral hoje, provavelmente em meio dia ele esteja totalmente saqueado.
O mais
famoso naufrágio foi o do Galeão Inglês “Príncipe
de Gales”, em 1861, que gerou o rompimento das relações Brasil X
Inglaterra, já que D. Pedro II não aceitava a exigência do Governo Inglês por
uma retratação pública e o pagamento de indenização. Segundo citado
historiador, à medida que o trânsito de navios nesta costa em direção ao
pacífico aumentou, impulsionado pelo crescimento dos mercados uruguaio,
argentino e até chileno, começaram a se instalar os faróis. Hoje, na extensão
da praia do Cassino, existem quatro faróis que orientam a navegação na região.
Os faróis passaram a delimitar e garantir a navegabilidade a partir de 1910.
Relatos
ainda apontam saques ocorridos naquela costa até o final do século passado.
Barcos que naufragavam eram saqueados e tinham suas cargas levadas pelos
piratas. Segundo o oceanógrafo Lauro Barcellos, as embarcações sempre que
chegavam ao Sul encontravam um mar muito desafiador. Ventos fortes, somados às
tempestades, que ocorrem com frequência nesta parte do Brasil, propiciavam um
ambiente ideal para que muitas das embarcações naufragassem em suas águas.
Ainda,
segundo ele, puderam ser contadas em torno de 287 embarcações enterradas neste
litoral. O naufrágio visível mais famoso é o do navio Altair, que encalhou na
costa no ano de 1978 e que hoje já se mostra quase que totalmente corroído.
(JUNIOR)
Relatos
Pretéritos – Barra do Rio Grande
Auguste
de Saint-Hilaire (1820)
RIO GRANDE, 19 de agosto (1820). – Hoje acompanhei o Conde à Barra.
Embarcamos numa galera pertencente ao Rei, e cuja tripulação trajava roupas
brancas.
Do Rio
Grande à Barra contam-se, aproximadamente, duas léguas. O canal de navegação
segue quase sempre a direção Norte-Sul e é indicado por balizas, que têm o
inconveniente de serem muito frágeis e que podem facilmente ser arrastadas pela
correnteza. Chegados à Barra, desembarcamos na ponta Sul, onde o terreno é
completamente arenoso.
Na margem,
há uma casa bastante grande, coberta de colmo, na qual se estabeleceu uma
guarda de ordenanças, encarregada de visitar as embarcações que saem, para
impedir a fuga de algum desertor. Junto dessa casa estão peças de artilharia
sem reparos, destinadas a defender a entrada da Barra.
Embarcamos
na ponta Sul, atravessamos a Barra, que tem pouca largura, para chegar à ponta
Norte, onde estão colocadas, igualmente, algumas peças de artilharia. De Laguna
até o Rio Grande, a própria natureza se incumbiu da defesa da costa, e aqui, onde
a Barra apresenta difícil transcurso, poderia ela ainda ser defendida por fogo
cruzado, partido das duas margens.
Junto às
baterias há uma casa coberta de telhas, destinada a alojar um destacamento de
soldados. Além, avista-se uma torre quadrada que serve de sinalização aos
navegadores e que se divisa à distância de seis léguas do Mar; nos arredores,
algumas choupanas construídas desordenadamente.
Nada se
iguala à tristeza desses lugares. De um lado, o bramir do Oceano; e do outro, o
Rio. O terreno, extremamente plano e quase ao nível do Mar, é todo areal
esbranquiçado, onde crescem plantas esparsas, principalmente o “senecio” ([1]).
[...] O refluxo das águas do Rio, produzido pelo Mar, e a falta de profundidade
são as causas das dificuldades que a Barra apresenta à navegação e dos
naufrágios frequentes que ali ocorrem. Para preveni-los, foram tomadas,
entretanto, várias precauções.
A torre, da
qual já falei, indica aos navegantes a embocadura do Rio. Um homem encarregado
de sondar constantemente a Barra, por meio de sinais, informa às embarcações se
a quantidade de água, que varia sem cessar, lhes permite a entrada; estas
também fazem sinais indicativos sobre o calado de suas embarcações; enfim,
quando saem ou entram, o prático da Barra, num pequeno barco denominado catraia
([2]),
vai mostrando, por meio de uma bandeira, que ele inclina de um lado ou de
outro, o caminho a seguir. O prático recebe dez mil-réis de cada embarcação que
sai ou entra.
A Barra do
Rio Grande apresenta uma notável singularidade: é que não fica sempre no mesmo
lugar. Nesses últimos vinte anos, passava-se por um canal mais ao Norte que a
Barra atual, mas as areias o foram obstruindo, pouco a pouco, e no decorrer do
último ano, dá passagem apenas a pirogas. A nova Barra começara a ser aberta há
cerca de cinco anos, tornando-se navegável à época em que a outra ficou
impraticável. (HILAIRE)
Robert
C. Barthold Avé-Lallemant (1858)
No dia
seguinte (22.02.1858) o Mar estava inteiramente cor de cinza; achávamo-nos à
altura da costa do Rio Grande. Ao meio-dia avistamos tristes e alvas dunas,
cuja cadeia parecia infindável. Em pouco surgiram dentre o Mar de areia e a
areia do Mar dois faróis, um redondo, vermelho, e outro quadrado, azul. O “Imperatriz” começou a trocar sinais com
o farol.
O nosso
comandante queria 13 palmos de profundidade na Barra, mas o farol acenou que
não. A entrada media apenas 12 palmos de profundidade e ancoramos contra
violentíssima ressaca. Então, numa situação nada invejável, aguardamos os
acontecimentos.
Mas a
princípio nada sucedeu. Apareceu uma hora depois, por trás das ondas revoltas,
um grande barco à vela, que lançou ferro e parecia não preocupar-se conosco.
Quase já nos tínhamos familiarizado com o pensamento de irmos para Montevidéu,
em lugar de Rio Grande, quando velejou em nossa direção uma catraia capaz de
navegar no Mar e se pôs ao nosso lado. [...]
A Barra do
Rio Grande é, sem dúvida, uma das mais desagradáveis e mais perigosas que
existem e poucos portos se encontrarão em que, em proporção com os navios
entrados, tenha havido tantos naufrágios como aqui. Fora, no Mar, estendem-se
os baixios, e em frente da Barra um banco de areia; ao norte ou ao sul desta se
acham as passagens, variáveis, aliás, de local e de profundidade; por vezes
ambas as passagens estão más, sendo necessárias exploração e observação diárias
para permitir a entrada do navio ou adverti-lo de que não pode entrar. Não nos
podia, pois, admirar, mas, apenas assustar um pouco que a nossa catraia,
velejando entre altas ondas, topasse em alguma coisa, pois havíamos escolhido a
passagem mais curta e mais rasa. Em vez disso, ela prosseguiu em águas
navegáveis e aproximou-se da terra.
Veem-se
infelizmente restos e destroços de navios naufragados que se elevam sobre os
baixios. Todavia, pode-se dizer que se é fácil ocorrer um naufrágio na Barra do
Rio Grande, por outro lado se consegue sem dificuldade salvar as vidas humanas.
O solo é
arenoso; quase todos os navios o roçam na entrada e na saída, sem por isso
encalharem ou serem danificados. Mas, mesmo quando encalham, a sua perda não é
obra de um minuto ou de poucas horas. Tanto que em casos ocorridos com navios
de colonos, todos os emigrantes foram salvos.
O estado
crítico da Barra do Rio Grande é, porém, uma preocupação para a Província e uma
questão vital para a Cidade do Rio Grande. Mas se a entrada fosse ainda pior,
poderia realizar-se ainda o plano de uma boa estrada de rodagem, uma estrada de
ferro, um canal de Porto Alegre para Laguna, plano sobre o qual ainda voltarei
mais tarde. Com isso muito perderia a Cidade do Rio Grande. (AVÉ-LALLEMANT)
Bibliografia
AVÉ-LALLEMANT, Robert Christian Barthold. Viagem pelo Sul do Brasil no ano de 1858
‒ Primeira Parte ‒ Brasil ‒ Rio de
Janeiro, RJ ‒ Ministério da Educação e Cultura ‒ Instituto Nacional do Livro ‒
Estabelecimentos Gráficos Iguassu, 1953.
HILAIRE, Auguste de Saint-. Viagem ao Rio Grande do Sul – Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ ‒
Companhia Editora Nacional, 1939.
JUNIOR, Newton Vilela. Horizontes de Areia: Um Pedal até Chuí Pela Maior Praia do Mundo –
Brasil – São Paulo, SP – Editora Cia do Ebook, 2015.
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de
Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor
e Colunista;
Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do
Sul (1989)
Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre
(CMPA);
Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura
do Exército (DECEx);
Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério
Militar – RS (IDMM – RS);
Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando
Militar do Sul (CMS)
Ex-Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia
Brasileira (SAMBRAS);
Membro da Academia de História Militar Terrestre do
Brasil – RS (AHIMTB – RS);
Membro do Instituto de História e Tradições do Rio
Grande do Sul (IHTRGS – RS);
Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia
(ACLER – RO)
Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio
Grande do Sul (AMLERS)
Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da
Escola Superior de Guerra (ADESG).
Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós
(IHGTAP)E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
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