Quinta-feira, 18 de abril de 2024 - 08h00
Bagé,
17.04.2024
Arbitragem Internacional
A Coalição, n° 20
São Luís, MA – Quarta-feira, 11.03.1863
O Cruzeiro do Sul foi portador de notícias da
Europa relativas à Questão entre o nosso Governo e o Sr. Christie, Ministro de
S. M. Britânica.
De real contentamento foi para nós a impressão
causada no velho mundo por negócio tão grave quanto importante, pois na balança
da opinião pública europeia teve o nosso direito mais peso que os excessos e
insolências de um Ministro, que se dizia representante de uma nação civilizada
e amiga.
Na própria Inglaterra a manifestação do
espírito nacional nos foi favorável; e quanto não bastassem as palavras do “Daily News”, do “Standart” e do “Morning
Herald”, e as interpelações dirigidas contra o governo na Casa dos Comuns,
ali está o grande “meeting” de Liverpool e a incumbência dada aos
representantes daquele Distrito para significar que o povo não apoia os atos
cometido em nome do seu governo. Sirva-nos isso de satisfação, bem como já nos
serviu a tal respeito a expressão da imprensa dos nossos vizinhos da América.
O governo inglês resolveu por espírito de “conciliação”, segundo declarou no
parlamento o Sr. Layard, subsecretário do estado dos negócios estrangeiros,
aceitar o arbitramento proposto pelo nosso governo em relação à questão dos
oficiais da Fragata Forte e receber o dinheiro que se lhe mandou dar, sob
protesto, a título das pretendidas indenizações do “Prince of Wales”.
Dizem alguns correspondentes que o governo
aprovara o procedimento do Sr. Christie; mas, os telegramas da “Gazetta de Portugal” e “Jornal do Commércio” de Lisboa declaram
o seguinte:
Londres, 10, à noite. A Inglaterra censura o procedimento
do Ministro Britânico no Rio de Janeiro para com o governo do Brasil.
Londres, 10, à tarde. O governo britânico desaprova o
procedimento do seu Ministro contra o Brasil.
Como quer que seja, resta-nos saber qual a
solução que terá a questão da satisfação e indenizações reclamadas de nossa
parte por intermédio do nosso Ministro em Londres.
Se é certo, como diz o Sr. Layard, que o
governo da rainha está disposto a terminar tudo do modo o mais amigável,
podemos esperar que o governo inglês, melhor avisado que o seu Ministro
Christie, dê atenção às reclamações feitas e fundadas nos interesses dos
súditos britânicos relacionados conosco e aqui residentes o nos ofereça ensejo
de louvarmos sua prudência.
Eis em que termos se exprime a “Correspondência de Portugal” de 13 do
mês próximo passado:
Foi grande a sensação que produziu aqui a notícia do
desagradável conflito acontecido no Rio de Janeiro e do injusto agravo feito
pelos ingleses à bandeira nacional brasileira. Com a memória ainda fresca da
afronta do “Charles et George”
pesa-nos mais vivamente a ofensa da parte do governo inglês a um povo nosso
irmão e amigo pelos agentes de uma nação poderosa, que não precisa de esteiar a
sua grandeza na opressão dos seus aliados.
Toda a imprensa portuguesa tem sido unânime em seus votos
em desagravo da nação brasileira. A atitude do Imperador do Brasil, do governo brasileiro e principalmente do seu povo tem direito a toda
nossa simpatia. E não foi menos agradável aos portugueses o saberem que os seus
compatriotas, que residem no Brasil, fizeram causa comum com a generosa
população, que os hospeda.
Na qualidade de um dos mais obscuros
representantes da imprensa brasileira; agradecemos as palavras e o procedimento
da imprensa dos nossos irmãos de além-mar.
E desta ocasião nos servimos para acompanhá-los
nas suas justas queixas formuladas em presença do atentado exercido em Loanda
pelo comandante do navio de guerra inglês “Torch”
contra o patacho português “Paquete de
Mossamedes”.
O patacho fazia-se de vela para sair do porto,
quando de bordo do navio inglês partiram três escaleres tripulados e fizeram
fundear o patacho, abordando-o. Tão incrível atentado teve sem dúvida origem “in good sprit” em que se achava o
comandante do “Torch”.
O fato deu-se depois das cinco horas da tarde e
o Sr. Smith, comandante do navio inglês assim o explica:
No meu regresso para bordo do “Torch”, ontem pelas 5½ horas da tarde, em companhia
do comandante Bathish, estando à distância de 500 jardas do “Torch”, pareceu-me que o Mossamedes
levava o rumo na direção da proa do meu navio.
Considerando que as circunstâncias do caso exigiam, uma
explicação, ordenei ao meu tenente para que com os escaleres fizesse fundear o
patacho, o que assim se fez.
O motivo do atentado é irrisório. Porque um navio que
estava a sair pareceu ao comandante de um vaso de guerra inglês que levava rumo
à proa deste, fez-se-o fundear e deu-se-lhe uma abordada com três escaleres.
O ofício que lhe dirigiu a tal respeito o Sr. governador da Angola é
notável pela dignidade com que foi concebido e pela energia e firmeza da
linguagem. O Sr. Ministro da Marinha deu explicações à Câmara Portuguesa acerca
desta ocorrência, declarando que já havia considerado este negócio e começado a
proceder no empenho de obter do governo da Inglaterra a devida reparação.
Parece que o “I am english” terá em breve muito maior força e extensão que o “civis romanus sum” ([1])
dos antigos conquistadores do mundo, visto que a frase da personalidade
nacional vai passando aos objetos materiais pertencentes à S. M. britânica.
É, porém, para sentir que súditos, empregados e
representantes de uma nação tão poderosa quanto civilizada tenham o vício
nacional que os distingue, porque unido ele às constantes lembranças do “I am english”, resulta daí o que
constantemente a imprensa nos denuncia.
Verdade é que as insolências só se praticam
para com os mais fracos.
O “good
sprit” dos ingleses é com os fortes prudente e razoável. (A COALIÇÃO, N°
20)
Bibliografia
A COALIÇÃO, N° 20. Arbitramento – Brasil – São Luís, MA – A Coalição, n° 20,
11.03.1863.
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de
Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor
e Colunista;
Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do
Sul (1989);
Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre
(CMPA);
Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura
do Exército (DECEx);
Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério
Militar – RS (IDMM – RS);
Ex-Vice-Presidente da Federação de Canoagem de Mato
Grosso do Sul;
Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando
Militar do Sul (CMS);
Ex-Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia
Brasileira (SAMBRAS);
Membro da Academia de História Militar Terrestre do
Brasil – RS (AHIMTB – RS);
Membro do Instituto de História e Tradições do Rio
Grande do Sul (IHTRGS – RS);
Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia
(ACLER – RO);
Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio
Grande do Sul (AMLERS);
Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola
Superior de Guerra (ADESG);
Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN);
Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós
(IHGTAP)E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
[1] “Civis Romanus sum”: “Eu sou um cidadão romano”, expressão
latina que enfatizava os privilégios dos cidadãos romanos. A frase foi citada
pelo Lorde Palmerston, em 25.06.1850, que reiterava que todo cidadão britânico,
em qualquer recanto do planeta, deveria ser protegido pelo Império Britânico
como eram os cidadãos romanos eram na época do Império Romano.
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