Segunda-feira, 15 de abril de 2024 - 16h09
Bagé,
15.04.2024
Direito Internacional Privado e Aplicação de
Seus Princípios com Referência às
Leis Particulares do Brasil.
Dr. José Antônio Pimenta Bueno
Memorandum
De 7 a 9 de Junho de 1861
naufragou na baixa, bravia e deserta Costa do Albardão, pertencente à Província
de S. Pedro do Sul, e vizinha à fronteira do Estado Oriental, uma barca que
depois se conheceu ser inglesa, e denominar-se “Prince of Wales”.
Essa barca tinha por carga
carvão de pedra, barricas de cerveja, caixas de pregos, de vidros e tintas; o
resto do carregamento era pouco importante; todo ele não passava de 3.500
libras esterlinas.
Quem conhece quanto aquela
costa é terrível com qualquer temporal, quão extenso é o seu baixio de dezenas
de milhas, forte a correnteza das águas, e espantosa a mobilidade de suas finas
areias, não vê meio, senão por milagre, de salvação de vida dos náufragos, nem
de carregamento, a não serem os volumes tais que possam boiar no cimo das
ondas.
Pode-se pois afirmar que o
carvão de pedra, pregos, vidros e tintas foram ao fundo, embora algumas caixas
rotas ou barricas quebradas viessem à praia.
Todavia, algumas barricas,
caixas, volumes levianos ou boiantes de fios de algodão deram na praia, assim
como os corpos dos míseros náufragos.
A pequena população nômade das
vizinhanças daquele lugar furtou ou roubou a pouca valiosa parte desses
salvados, não se importou com os cadáveres, e muito menos de avisar por espaço
de dois dias, as autoridades mais próximas, que habitavam em seus sítios
distantes mais de vinte milhas. Convinha-lhes mesmo ocultar.
Assim, só no dia 11, isto é,
dois dias depois, foi que as autoridades mais vizinhas souberam, que no dia 12
constou na cidade do Rio Grande, e que no dia 14 puderam o juiz do comércio,
empregados da alfândega daquela cidade, e cônsul inglês o Sr. Vereker, chegar
ao lugar do naufrágio para providenciar a respeito.
Este cônsul, cuja razão
começava a sofrer, como depois melhor veremos, ficou muito impressionado com o
sinistro, e seu espírito enfermo gerou variadas suspeitas. Além do que foi
furtado ele fantasiou que o carregamento era todo de avultados valores, que
vinham a bordo passageiros de importância, que deviam trazer ricos relógios e
roupas valiosas, e enfim que os náufragos foram assassinados na praia!
Arrecadou-se o pouco que por
ali ainda restava, deram-se buscas nos sítios vizinhos, fizeram-se todas as
diligências possíveis; e como ele mesmo, de acordo com as autoridades, visse
que era inútil demorar-se mais naquele inóspito lugar, recolheu-se à cidade do
Rio-Grande.
Desde então sua imaginação, de
mais a mais turbada, não cessou de urdir recriminações, e desejar impossíveis,
que levaram o Sr. Christie e o governo inglês a ponto de praticar injustas e
rudes violências contra o Brasil.
Para maior clareza convém
classificar as arguições, recriminações ou reclamações, como se queira
denominar.
1° Negligência culposa,
ou conivência das autoridades vizinhas, em não dar parte às autoridades da
cidade do Rio Grande e em não ir desde logo tomar conta, arrecadar e guardar os
salvados;
2° Suspeitas de
assassinato dos náufragos;
3° Furto e
roubo de valores fabulosos.
4° Morosidade e evasivas na punição do furto e
roubo dos salvados.
Eis os desvarios, como veremos,
do cônsul, e em seguida do Sr. Christie, e do Ministério Inglês, quando dos
próprios escritos e atos daquele cônsul deveriam ter inferido que seu estado
mental sofria.
1ª Arguição – Do que temos exposto já se vê que
estando as pequenas autoridades locais muito distantes do lugar do sinistro, e
querendo os homens semisselvagens que por ali giram furtar os objetos alijados
pelo mar, por certo não iriam avisá-las. Ora, elas não tem a faculdade de
adivinhar, como pois sustentar essa negligência, tanto mais quando o empregado
menos remoto se achava ausente?
Não podendo elas comparecer
senão dois ou três dias depois, e já não achando senão poucas coisas, como
arrecadar e guardar o que tinha sido furtado e conduzido naturalmente para
paragens longínquas e desconhecidas, como provam as buscas e as diligências
infrutíferas?
Quanto à conivência, nem uma, absolutamente nem uma prova se obteve; e muito
menos oferece o cônsul, ou Ministro inglês, quando essa imputação não devia ser
formulada sem ela. Como voltaremos depois a esta rude increpação ([1]),
observaremos por agora só o seguinte. É notável a sem-cerimônia com que alguns
Ministros e Cônsules ingleses querem que se dediquem considerações e finezas
extraordinárias a qualquer dos seus guardas-marinhas, e a pouca delicadeza com
que tratam os juízes e funcionários brasileiros: é de necessidade acabar com
tal abuso.
2ª Suspeita de Assassinatos – Os exames, ou corpos de delito, a que
procederam peritos honrados e inteligentes sobre os cadáveres que se puderam
transportar para a cidade do Rio Grande, demonstraram a toda a luz que não
tinha havido assassinato, que haviam sido asfixiados por submersão. O próprio
cônsul nada tendo a objetar quanto a esses, levou suas suspeitas para os outros
cadáveres, ou cobertos pelas areias movediças, ou conduzidos pelo mar por
efeito da crescente da maré.
Pedindo-se-lhe a manifestação
de qualquer prova que a respeito tivesse, ou do porque isso asseverava, nenhuma
ministrou, disse mesmo que não assevera isso, e só dizia porque alguns, que
nunca nomeou, assim pensavam: veja-se seu ofício de 22.04.1862. Uma razão ou
imaginação enferma concebeu essa suspeita ou delírio, e transmitiu a Lorde
Palmerston, que no Parlamento disse que não tinha nenhuma prova, mas cria, “talvez para que com ele todos cressem, e daí
vissem sua moderação para com o Brasil quanto era magnânima!” Tal sugestão
não tem pois fundamento, e em todo o caso sem prova não podia ter procedência alguma;
sem ela a moralidade exige que não se faça tão horrenda imputação.
3ª Depredação de Valores
Fabulosos! – É uma das muitas provas da alucinação em que laborava o
cônsul. De si para si, e certamente em boa-fé, atento seu estado enfermo,
entendeu que a barca estava cheia de riquezas e de gente principal. Esta não
vinha a bordo, e a riqueza era carvão, cerveja e louça; mas que importa se ele
assim pensava! Não precisava ver o manifesto, bastava suspeitar para ter por
estabelecido e evidente. Não admira isso, pois que ele entendia que os
semisselvagens do Albardão tinham obrigação de saber o inglês, e ver de alguns
papeis, que “deveriam ter dado à praia,
embora não dessem”, que a barca era britânica! Na falta de papeis bastava o
pedaço da proa em que se lia “Prin” e
havia obrigação de saber ler!
É a mesma enfermidade que o
levou a pedir ao Sr. Christie que lhe salvasse a vida, pois que havia uma
conspiração para matá-lo. O próprio Sr. Christie reconheceu o estado enfermo do
Sr. Vereker, como manifestou ao Governo Imperial em nota de 21.08.1862, embora
na anterior de 14 dissesse que ele não asseveraria isso sem fundamento.
Nessa ocasião, reconhecido o
estado mórbido do cônsul, era tempo e dever do Sr. Christie de informar o seu
governo e de dar uma nova face à questão; mas ela já estava azeda e irritante,
e o orgulho britânico desde então não se dobra perante as nações fracas.
4ª
Morosidade, Evasivas, Subterfúgios na Punição dos Culpados – Este é o maior pretexto das violências do
governo inglês. Já passou, dizia ele, mais de um ano, poucos estão presos, e as
autoridades locais ainda não estão punidas, devendo julgar-se que algumas são
coniventes!
O governo
brasileiro, pelo que toca a fatos, argumentava e demonstrava exuberantemente
para quem conhece as localidades e circunstâncias do País o seguinte:
1° Que a mor parte dos
depredadores fugiram pela próxima fronteira do Estado Oriental, e nele se
internaram em lugares incertos; fazia ver que oficialmente já tinha pedido sua
extradição ao Governo daquele Estado, que um que regressou ao Império foi logo
preso, e que quanto aos outros não tinha recurso senão de esperar pelas
diligências das autoridades orientais. O Governo inglês nada podia objetar, mas
julgava que era uma morosidade intolerável! O que fazer?
2° Que mesmo em relação
aos presos havia sido muito difícil obter alguma prova, porque a população
daquela costa é errante, quase toda ela teve parte no furto, uns fugiram,
outros; se ocultaram, e não se achavam testemunhas, única prova possível;
enfim, que as poucas testemunhas que tinham vindo presas para depor, e que não
queriam comprometer-se, juraram que nada viram nem sabiam. Esta é a própria
verdade; e o governo inglês diz que é subterfugio! O que fazer?
Pelo que respeita à lei, o
Governo Brasileiro tinha os seguintes obstáculos a opor:
1° Que no
Brasil, como em todo o país civilizado, ninguém pode ser punido sem prova, sem
ser convicto; que na Inglaterra, quando um súdito britânico rouba alguma coisa
a algum estrangeiro, mas não se pode obter a prova, esse indiciado não é
punido, e entretanto o Governo inglês não indeniza o roubo, ninguém reclama
isso, e quando reclamasse não seria atendido; que portanto o seu cônsul, ou
fornecesse prova, ou apontasse o meio de obtê-la, ou aliás esperasse da perseverança
das diligências para ver o que se conseguia.
2° A
legislação brasileira, cod do proc. art. 233, diz: “Não será acusado o delinquente estando ausente fora do Império ou
[mesmo dentro] em lugar não sabido, nos crimes que não admitem fiança”. E
assim é preciso que sejam previamente capturados os depredadores para
prosseguir-se ulteriormente. O Governo Inglês entendia que eram evasivas! O que
fazer! Precisávamos de uma grande armada para despertar-lhe a inteligência, e
infelizmente não temos.
3° O governo brasileiro
por suas leis, cod. do proc. arts. 72 a 74 e 101, e cod crim. art. 257, não tem
ação oficial sobre o crime de furto. Essa ação pertence à parte ofendida,
consequentemente por esse lado o cônsul, que é parte competente, tinha o
direito e dever de apresentar a sua queixa, nomeando os culpados, de prosseguir
no andamento do processo por si, ou por procurador seu, de fornecer a prova,
recorrer das decisões para os tribunais superiores, e afinal reclamar se não
obtivesse justiça. O que fez ele, porém? Recriminações, e só elas. O Governo,
talvez com excesso de jurisdição, mandou proceder oficialmente, fez despesas
avultadas, e impôs grandes fadigas sobre os magistrados. Pois bem, em vez de
gratidão obteve rudes increpações e violências! A delicadeza e a justiça foram
proscritas pelo Sr. Christie.
O cônsul e o seu ministro
queriam que um oficial inglês fosse assistir os inquéritos; o Governo lhes
disse com razão: “vosso cônsul é
competente para isso por nossas leis, vosso oficial não, salvo se ele quiser
assistir como simples espectador, pois que para o mais não é pessoa legitima”;
o Sr. Christie arguia que se tratara esse oficial com menos consideração! Será
excentricidade ou humor belicoso?
Enfim, onze depredadores foram
pronunciados, duas autoridades amovíveis foram demitidas, não porque se pudesse
obter provas contra elas, sim porque isso estava nas atribuições do Governo, e
este queria o auxílio de novos empregados no lugar; outras pequenas suspeitas
do cônsul foram refutadas, e nada contentou o Ministro ou o Governo Inglês.
Ele não só queria que se
violassem as leis do País, que se condenasse sem provas, mas que se fizessem
impossíveis à medida dos desejos de seu Cônsul enfermo!
Sua expressão era não se tem
feito todas as diligências precisas.
Era esta recriminação vaga, ou
outra menos delicada e mais inqualificável, “são subterfúgios ou evasivas”, como se o Governo Brasileiro
quisesse proteger a ladrões, quando ele nem imita o Governo que abusa da sua
força para extorquir das nações pequenas somas não devidas a título de
indenizações para súditos que não têm direito a elas.
Para quem conhece a morosidade
com que se procede em alguns tribunais ou Cortes de Justiça na Inglaterra,
causa pasmo o como um Ministro dela desdenha da legislação de outros povos e
das dilações ou delongas forçadas de seus processos.
Somos amigos, e respeitamos os
inteligentes e honrados magistrados da Grã-Bretanha, mas quanto a algumas de
suas antiquadas instituições e leis vetustas, causa senão derisão ([2]),
ao menos admiração, que ainda não tenham sido riscadas de seus estatutos.
Ultimatum – O Governo Inglês, em nota de 27.10.1861,
limitava-se a pedir a punição dos que fossem convictos do crime, e certamente
nada mais justo, porque eles e não o governo deviam responder por seus atos. O
Governo Imperial continuou em seus esforços para conseguir esse fim. Em nota,
porém, de 17.03.1862, a pretensão do Conde Russell já não parava aí, mudou de
natureza; ela exigia:
1° Punição das pessoas
envolvidas no atentado, e das autoridades locais, cuja negligência em relação a
esse atentado for provada.
2° Uma
indenização adequada aos proprietários do navio cujo carregamento, com
assentimento das autoridades, foi roubado e destruído.
Por maior que seja a
excentricidade do “Foreign Office”,
ou do redator de tal nota, que nem ao menos pelo lado de inteligência honra a
seu autor, admira o como se conciliou a matéria da primeira com a segunda
exigência.
Na primeira se reconhece a
dúvida de que houvesse negligência das autoridades, e bem assim se manifesta
ver a necessidade de prova anterior disso. Na segunda apalpa-se a contradição,
pois que afirma-se o assentimento ou cumplicidade delas como já provada, e daí
se deduz a obrigação de indenização por parte do governo! Como se mesmo nesse
caso se pudesse daí só derivá-la!
O Governo devia punir os
culpados, e além de puni-los indenizar! Que jurisprudência! Que direito! Será
de um Ministério Inteligente, ou semibárbaro!
Em suma, depois de uma
discussão irritante e bem pouco cavalheira por parte do Ministro inglês, não
obstante as prisões já efetuadas, e diligências que continuavam, apresentou
este o seu “ultimatum” de 5 de
dezembro, exigindo uma indenização fabulosa e formulada por um modo singular, e
uma satisfação ainda mais célebre!
A arrogância quis indenização
até do casco, dos fretes, e de tudo que visivelmente foi para o fundo do mar!
Indenização pirática, mais que vergonhosa!
Repelido esse injusto “ultimatum”, seguiram-se represálias
odiosas, não só pela sua natureza pouco compatível com a civilização atual,
como desnecessárias, pois que havia outros meios preferíveis, e sobretudo
bárbaras pelas circunstâncias selvagens de que foram acompanhadas! O porto da
capital do Império serviu de centro de operações hostis!
É desnecessário referi-las
detalhadamente, porque são notórias, e porque causaram pejo aos homens
inteligentes e justos da Inglaterra. O Brasil é grato a esses espíritos nobres,
e em geral ao povo inglês. Exposto como os fatos se passaram até esse ponto,
além do qual não progrediremos, cumpre examinar de mais alto o que foi, e o que
pretende ser o governo inglês a respeito de naufrágios?
Outrora ele era um dos que por
seus costumes feudais ou bárbaros mais exercia e aproveitava admiravelmente o
seu direito de naufrágio ou de confisco, em virtude do qual assenhoreava-se dos
efeitos naufragados, ou lançados pelo mar sobre suas praias ou costas.
Era nada menos do que uma das
rendas marítimas da sua coroa, aí ainda está escrito estatuto 17 de Edw. 2°
cap. 11 e outros para prova. E se lhe disputassem clamaria que ela era a
senhora e guarda de suas águas territoriais, que pela perda do navio o
proprietário perdia o direito do que ele continha, tornando-se os efeitos “res nullius”, e por isso propriedades do
primeiro ocupante, ou antes do senhor territorial. Só por concessões especiais,
e bem compensadas, modificava ele o seu odioso direito “wrack”.
Basta ver as suas célebres
distinções de “jetsam, flotsam, e ligan”
para admirar-se o que foi, e o que quer ser esse governo.
Nem foi ele dos primeiros a
abandonar abusos tão bárbaros que causam pejo. A França, sempre inteligente,
generosa e cavalheira, precedeu-o nas boas ideias.
O Brasil, educado nos
princípios fecundos e nobres da civilização moderna, nunca quis aproveitar-se
das desgraças alheias, nunca pretendeu ter esse imoral confisco; abraçou, sim,
e sempre, o pensamento luminoso de minorar tais desgraças.
Muitos naufrágios se tem
realizado sobre suas costas, todos os governos lhe tem feito justiça, e por
vezes louvado seus esforços filantrópicos, ou conferido distinções a seus
empregados; estava reservado ao atual ministério inglês a linguagem e as
violências de que usou!
Em nome, porém, de que direito
pretende o Conde Russell que quando naufragar algum barco inglês nas costas do
Brasil as autoridades brasileiras abandonem todas as suas obrigações, e só
cuidem de servir de caixeiros dos súditos britânicos!
Será em virtude de Tratados ou
Convenções consulares que estabeleçam e definam essa obrigação rigorosa?
Certamente não, porque não temos nenhum Tratado nem Convenção; não é pois daí
que ele pode deduzir suas pretensões arrogantes e cominatórias ([3]).
Será então dos bons ofícios, dos princípios de mutua benevolência, mais ou
menos amplos e variáveis, adoptados ([4])
pela civilização? Mas então cumpria ser cortês, pedir e não ameaçar. Será enfim
em observância das leis do Império, que prevalecem na falta de convenções?
Vejamos.
A disposição que temos a este
respeito é a do decreto n° 855 de 08.11.1851, que em seu art. 12 diz:
Quando um navio estrangeiro naufragar nas praias do Brasil,
e em lugar onde haja agente consular da respectiva nação, poderá este praticar
tudo quanto julgar conveniente para a salvação do mesmo navio, das suas
pertenças e carregamento, salva a intervenção das autoridades territoriais,
etc.
Temos além disso o art. 331 e
seg. do regulamento das alfandegas de 19.09.1860.
Foi mesmo para evitar
reclamações, que conferiu-se essas amplas atribuições aos cônsules, e que foram
elas reproduzidas nas Convenções Consulares que temos celebrado com diversas
potencias. É demais essencial que os agentes consulares auxiliem as autoridades
com suas informações, e todos os esclarecimentos possíveis; eles são os que tem
maior obrigação de cuidar dos interesses dos seus nacionais, basta que as
autoridades locais lhes prestem a proteção e meios que requisitarem e que
ressalvem a ordem.
O que fez, porém, o cônsul
inglês em benefício de seus nacionais?
À exceção de variadas
suspeitas, lamentações e recriminações odiosas, nada, absolutamente nada: pelo
contrário deixou de cumprir seus deveres segundo as leis brasileiras, que por
seu emprego tinha mais obrigação de estudar do que os nômades do Albardão, o inglês.
Desde que houve furtos, desde
que suspeitou haver omissão ou conivência das autoridades, ele era parte
competente para dar sua queixa contra os depredadores, e tinha obrigação de
fazê-lo, como já antes indicamos, pois que a ação de furto é privada, e também
de procurar coligir não meras suspeitas, sim os esclarecimentos e provas de
tais crimes, e produzi-las, pois que não bastam conjeturas para impor penas.
O Sr. Vereker nada fez, nem
podia fazer, porque seu estado mórbido não lhe permitia; estamos mesmo
persuadidos que se não fosse sua enfermidade as coisas não chegariam ao extremo
a que chegaram.
Sirva o fato para orientar
melhor o Ministério Britânico, para não dar fé só a seus cônsules ou enfermos,
ou a outros apaixonados, e não atropelar as relações internacionais sem mais
exame, sem prévio reconhecimento positivo da verdade, como exige o caráter
refletido e sisudo dos homens de estado.
Esse costume britânico é
revoltante, e anima os agentes consulares, que começam a servir, que por isso
ainda pouco valem, que querem aparecer e fazer-se recomendados por seu zelo, a
levantar questões e altivar-se por modo insólito e inconveniente aos interesses
comerciais não só do País, como da Inglaterra.
Não é, pois, em nome, ou nos
termos das leis brasileiras, que o Ministério Inglês procedem.
A conclusão patente é que
dirigiu-se só e unicamente por informações errôneas e pelo abuso da força, e
assim fez por que o Brasil não tem igual. Se tivesse não procederia desse modo,
e se procedesse seria reprimido.
É evidente que não existe nação
alguma em cujo território não haja homens ignorantes e desmoralizados; é
evidente que não existe nação alguma que possa prevenir sempre todos os
delitos; como pois responsabilizar o Governo por suas depredações, por sua fuga,
ou por dificuldades, demoras forçadas ou impossibilidade de obter provas do
crime? Porque foi responsabilizado o Governo do Brasil?
Quererá o Conde Russell quando
naufragar algum navio francês nas costas de suas colônias, na Austrália, por
exemplo, e for o carregamento depredado por alguns homens desmoralizados,
indenizar os súditos franceses por morosidade ou impossibilidade de obter
provas?
O princípio é reciproco, e
apregoado por ele à face do mundo. Se o Brazil tem pouca força para o fazer
valer contra a Inglaterra, outras nações já adultas têm-na. Ora, será isso
servir bem à Grã-Bretanha?
Foi um abuso clamoroso!
Na falta de forças de um Estado
nascente, resta só o apelo para as ideias nobres da civilização, para o juízo
dos povos esclarecidos.
Essas ideias são potencias, tem
valiosa apreciação no mundo inteiro, caracterizam os fatos, os homens e os
governos com força irresistível.
Findando aqui o nosso “memorandum”, oferecemos de novo como
Brasileiro nossa gratidão ao povo inglês, e nisso sem dúvida somos acompanhados
pela generalidade de nossos compatriotas e de todas as nossas relações, que de
cada vez mais se estreitavam com os honrados ingleses.
Não é a primeira vez que o
gabinete britânico tem procedido contra as aspirações do seu nobre País! O povo
inglês não mandaria Napoleão I, que pedia um asilo, para os rochedos de Santa
Helena! (PIMENTA BUENO)
Bibliografia
PIMENTA BUENO, José Antônio. Direito Internacional Privado e Aplicação de Seus Princípios com
Referência às Leis Particulares do Brasil – Brasil – Rio de Janeiro, RJ –
Typographia Imp. e Const. de J. Villeneuve E C., 1863.
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de
Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor
e Colunista;
Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do
Sul (1989);
Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre
(CMPA);
Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura
do Exército (DECEx);
Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério
Militar – RS (IDMM – RS);
Ex-Vice-Presidente da Federação de Canoagem de Mato
Grosso do Sul;
Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando
Militar do Sul (CMS);
Ex-Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira
(SAMBRAS);
Membro da Academia de História Militar Terrestre do
Brasil – RS (AHIMTB – RS);
Membro do Instituto de História e Tradições do Rio
Grande do Sul (IHTRGS – RS);
Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia
(ACLER – RO);
Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio
Grande do Sul (AMLERS);
Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola
Superior de Guerra (ADESG);
Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN);
Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós
(IHGTAP)E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
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