Segunda-feira, 22 de abril de 2024 - 07h58
Bagé,
22.04.2024
(Fernando Pessoa)
II. HORIZONTE
[...] Linha severa da longínqua costa –
Quando a nau se aproxima ergue-se a encosta
Em árvores onde o Longe nada tinha;
Mais perto, abre-se a terra em sons e cores:
E, no desembarcar, há aves, flores,
Onde era só, de longe a abstrata linha.
O sonho é ver as formas invisíveis
Da distância imprecisa, e, com sensíveis
Movimentos da esperança e da vontade,
Buscar na linha fria do horizonte
A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte –
Os beijos merecidos da Verdade.
No dia 05.01.2016,
às vésperas de meu natalício, recebi uma estranha mensagem de meu querido amigo
e Ir
No dia seguinte
(06.01.2016), meu mano Tenente-Coronel João Batista Carneiro Borges, ao
cumprimentar-me pelo aniversário, informou-me do falecimento do Sub-Tenente
Élgio Benhur Ribas – só então percebi o real motivo da angústia do Ir
Fui convidado, nesse
ínterim, pelo Comandante Norberto Weiberg e pelo Coronel PM Sérgio Pastl para
realizarmos a Circunavegação da Lagoa Mangueira e concordei imediatamente,
desde que adiássemos a partida de Porto Alegre para terça-feira (13.01.2016),
tendo em vista que na segunda-feira (12.01.2016), seria celebrado um culto na
Igreja Santa Terezinha em memória do saudoso amigo Benhur. Vou prestar minha
humilde, mas, sincera, homenagem ao dileto amigo Benhur, realizando a
Circunavegação da Lagoa Mangueira em apenas quatro dias.
Um esforço considerável tendo em vista de que, desde minha “Missão Pantaneira”, realizada de 30.06.2015 a 05.07.2015, eu me dediquei exclusivamente às pesquisas históricas e à execução da 2ª Fase Expedição Centenária Roosevelt-Rondon (MT e RO), realizada de 20.10.2015 a 15.11.2015. Meu treinamento físico, neste intervalo, não contemplou nenhuma atividade náutica, restringindo-se a uma média de 23 horas de marcha (129 km), de segunda a sábado, quase 03h50 por dia sem altos horários.
Rumo à Lagoa Mangueira (12.01.2016)
Os Cmt Norberto e Pastl passaram em minha residência, no Bairro Ipanema – Porto Alegre, RS, e fomos direto à Vila Itapoã buscar o veleiro “Corais”, o pequeno veleiro “Day Sailer”, de propriedade do Comandante Norberto. Em Itapoã, atrelamos o reboque ao Chevrolet Meriva e retornamos à minha morada para carregar meu caiaque “Argo II”, modelo Cabo Horn, da Opium FiberGlass, e minhas tralhas.
Partimos, finalmente, para a Lagoa Mangueira pela BR-116 e depois, nas proximidades de Pelotas, pela BR-471 até o Km 634, onde contatamos o Sr. Marcelo Souza, gerente da Granja Santa Helena, que nos indicou a rota até a Lagoa e se mostrou bastante cético quanto à possibilidade de conseguirmos realizar a circunavegação da Mangueira em apenas quatro dias.
Colocamos o Veleiro n’água e enquanto eu e o Comandante Norberto montávamos acampamento, no Ponto que eu denominara “Bomba 08” (33°19’14,3”S / 53°00’27,1”O) nos meus mapas, o Coronel Pastl foi deixar o automóvel, por questão de segurança, na casa do Sr. Paulo Renato Fabra, que ficava há 02 km de distância, conforme fora acordado com o Sr. Marcelo Souza. Dormimos cedo, a expectativa era grande, o vento Sul soprava a uns 14 km/h.
Bomba n° 08 – Rumo Norte (13.01.2016)
Acordamos por volta das 05h30 (horário de verão), desmontei a barraca, embalei minhas tralhas e parti célere às 06h05, meia hora antes do Sol nascer, costeando a margem Ocidental, aproado para o Norte, embalado pelo “Carpinteiro da Costa” – vento SSE.
Ondas de quase um metro golpeavam suavemente a alheta de Boreste do altaneiro “Argo II” sem, contudo, comprometer o seu deslocamento, mantive uma velocidade de 4 nós (7,2 km/h) e meu espírito vagava livre e solto deslizando nas cristalinas águas azul-esverdeadas da Mangueira sob um belo céu de um anil intenso e sem nuvens – eu me sentia em casa.
Fiz minha primeira parada, às 09h40, para esticar as pernas. Quando fui retirar a saia de neoprene, que uso para vedar o “cockpit” do caiaque, ela rasgou – minha velha companheira de tantas travessias estava ressecada e fragilizada pela exposição continuada ao Sol e às intempéries. O cadáver de uma enorme capivara estirado na margem chamou-me a atenção; embora a carcaça apresentasse avançado estado de decomposição, não se notava nela qualquer sinal de predadores.
Continuei minha viajem e, meia hora depois, (10h20) avistei, à retaguarda, a equipe de apoio a bordo do “Corais”. O vento mudara para SE, soprando a uns 16 km/h, dando continuidade à sua lenta rotação para o Norte (no sentido levogiro). A margem Ocidental é muito uniforme, extensos juncais, plantações de arroz e soja, bosques de pinus e eucaliptos além dos ciclópicos “levantes” – canais destinados à irrigação do arroz com água proveniente da Lagoa Mangueira.
Por volta das 11h30, os nautas sinalizaram para pararmos na “Bomba 14” (33°05’57,2”S/52°49’42,5”O) para almoçar. A origem do vento agora era ESE com uma velocidade em torno dos 18 km/h. A aproximação da margem foi difícil tive de surfar ondas de quase dois metros antes de aportar o “Argo II”.
O caiaque com seus 5,12 m de comprimento, longas e pronunciadas quilhas de proa e popa, é uma embarcação excelente para longas jornadas, mas não é uma boa opção para “pegar ondas”. Ao me aproximar da rebentação, coloquei o caiaque em um ângulo de 45° em relação à crista das ondas, e procurando evitar uma possível enterrada de proa, joguei o corpo para trás e inclinei o corpo no sentido das ondas, usando a pá esquerda do remo como estabilizador para tentar manter o equilíbrio frente àquela enorme massa d’água que me empurrava com violência de Boreste.
Repeti a operação mais quatro vezes até aportar, felizmente sem incidentes, à margem, onde fiz um reconhecimento da área encontrando um simpático patroleiro (operador de motoniveladora), que me informou que estava trabalhando em um empreendimento do Complexo Eólico dos Campos Neutrais. Na parte alta da margem, logo ao Norte da “Bomba 14”, tinham sido construídos, pelo Complexo, confortáveis apartamentos climatizados.
Antes de partir, acordei com a equipe de apoio que deveríamos acampar na “Bomba 20”, em um estreito canal relativamente protegido dos ventos e parti fustigado por um vento de Este de uns 20 km/h. A saia rasgada na direita permitia que, volta e meia, a água entrasse no “cockpit” do caiaque, comprometendo sua estabilidade. Tive de fazer uma parada intermediaria para drenar a água do caiaque antes de aportar, por volta das 17h30, no local combinado, depois de remar 45 km. Recebemos a agradável visita dos senhores Delmar (rizicultor) e Gilson (pescador e “bombeiro” – encarregado de ligar a Bomba de Irrigação). Uma simpática cadelinha passou toda a tarde conosco, desfrutando dos pequenos petiscos que lhe atirávamos, e só foi embora depois que nos recolhemos.
Resolvi dormir no compacto compartimento de carga do veleiro para ganhar tempo na partida do dia seguinte: não foi, definitivamente, uma boa escolha. [...]
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989);
Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
Ex-Vice-Presidente da Federação de Canoagem de Mato Grosso do Sul;
Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS);
Ex-Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO);
Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS);
Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG);
Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN);
Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós (IHGTAP)E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
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