Sexta-feira, 23 de junho de 2023 - 07h55
Bagé, 23.06.2023
Valquírias
Americanas
Antônia (Jovita) Alves Feitosa –
Parte III
IV
Se, como Joanna d’Arc, Jovita
tivesse em outros tempos encontrado uma rainha Yolande d’Anjou, por certo não
teria deposto os galões de Sargento, que com tanto patriotismo e renome foram
conferidos pelo ilustrado Presidente da Província do Piauí o Exm° Sr. Dr.
Francklin Dória, cujo coração eminentemente brasileiro, maravilhado por
tamanho heroísmo, aceitou-a por um rasgo de imaginação patriótica.
‒ Hoje,
porém, nenhuma vontade está acima da lei.
Nem seria um fato novo que se abria nos fastos, quer da
nossa história, quer da humanidade sofredora.
Há exemplos de uma coragem admirável entre as mulheres de
todos os tempos; principalmente quando uma paixão, ou uma ideia as ilumina,
porque então sentem-se inflamadas, e levantam-se apaixonadas naquele entusiasmo
sublime dos tempos heroicos.
No Brasil, além dos nomes célebres das mulheres heroínas dos
tempos coloniais, ([1])
existe ainda bem rica na memória do povo essa figura majestosa da “mineira” ([2])
que na revolução de 42 sagrava com seu ósculo de mãe a fronte de seus filhos
rebeldes, e com eles caminhava aos campos da Batalha!
Olímpia de Gouge fundando o
direito das mulheres bem o disse: “Elles
[les femmes] ont bien le droit de monter à lá tribune, puisqu'elles ont cellui
de monter a l’echafaud” ([3]).
Parodiando suas palavras nós
diremos: “As mulheres têm o direito de se
iniciarem nos destinos da Pátria, visto como tem o dever de contribuir com seus
filhos para a guerra”.
Assim nós vemos entre os bustos
venerandos de toda essa Assembleia Francesa, nos tempos sanguinolentos da
grande Epopeia Social, que reformou o mundo pelo exemplo e pela palavra,
surgirem vultos de mulheres, notáveis pela grande influência que exerceram pelo
seu devotamento, e pela sua fé gloriosa.
“Carlota Corday”, pela inspiração patriótica sobe à guilhotina ‒
foi-lhe a morte sublime nesse martirológico sagrado de uma nova religião!
“Madame Roland”, cuja coragem concorreu para erguer o altar do
futuro, é recebida pelos Jacobinos como um dos seus membros ilustres.
“Theroigne de Mirecourt” a Joanna d’Arc impura da praça pública ‒
como a crismou Lamartine, vindo a Paris atraída pela Revolução Francesa, aí
mostrou prodígios de valor ‒ foi a primeira que subiu à torre no assalto da
Bastilha!
Não era pois de admirar que Jovita com o desinteresse com
que se atirava às lutas de uma Campanha, produzisse atos de valor na qualidade
de Sargento. Houve também na Bastilha uma mulher que seguiu para a guerra como
Capitão de artilharia.
No momento em que escrevemos estas páginas biográficas
folgamos de registrar mais um cometimento digno de glória para a nossa galeria
histórica. D. Marianna Amália do Rego Barreto, moça de 18 anos de idade, de
educação fina e cuidadosa acaba de oferecer-se para o 5° Corpo do Batalhão de
Voluntários da Pátria.
O Sangue de D. Clara, e de outras Pernambucanas ilustres,
que tanto se distinguiram nessa luta titânica que nossos avós sustentaram
heroicamente com os Holandeses, até expeli-los do território, não pôde por mais
tempo sopitar-lhe ([4])
o desejo de ir incorporar-se aos defensores da Pátria. O Presidente aceitando o
seu oferecimento feito sem reserva nem condições, destinou-a para o hospital de
sangue e permitiu-lhe o uso das insígnias de 1° Cadete em atenção à sua
hierarquia. Filha dessa Veneza Brasileira tão notável entre as estrelas do
diadema Imperial merece toda a nossa admiração!
V
Jovita Alves
Feitosa podia muito bem glorificar os feitos de nossas armas nos muros de
Humaitá! A palavra liberdade domina-lhe tanto o espírito quanto lhe horroriza a
palavra cativeiro, e ela ama sua Pátria assim como a Princesa de Lamballe ([5])
amava na Rainha Maria Antonieta uma amiga devotada.
Não foram as ovações das massas
populares que atraíram Jovita, mas sim o sofrimento de sua Pátria, os
infortúnios de seus irmãos! É certo, que, Jovita voltará para, o seio de sua
família, já que não pôde realizar os seus sonhos desejados. Pouco lhe faltava
também para completar a sua glória! Tamanhas foram as ovações que lhe fizeram.
Nas diversas Províncias em que passou o Tocantins recebeu Jovita as maiores
provas de entusiasmo e gratidão nacional. A tal respeito diz o Diário de
Pernambuco:
Diário de Pernambuco n° 201
Recife, PE – Sábado,
02.09.1865
A este Batalhão vem incorporada a heroína brasileira,
segundo a consagração popular, Jovita Alves Feitosa, de 18 anos, natural
Inhamuns, Província do Ceará, e há um ano residente em Jaicós, Província do
Piauí, onde deixa dois irmãos menores, e, o pai, que com dificuldade; aquiesceu
aos, desejos patrióticos, de sua heroína filha. Dominada de grande patriotismo,
que se lhe desenvolveu com as infâmias dos paraguaios, às do seu sexo, foi
Jovita à capital do Piauí, e alistou-se no 2° Corpo de Voluntários, declarando
logo que não queria ser enfermeira e combatente.
O Presidente da Província depois de se convencer de que a sua resolução,
não era filha de uma loucura nem pretexto para encobrir um ilícito amor, a mandou
alistar com a graduação de 2° Sargento, em cujo posto com facilidade se
exercitou, e dizem ser o Sargento do Corpo que está mais prático nos manejos
das armas. Traja calça e saiote, fardeta ([6])
e boné do corpo e tem o cabelo cortado à escovinha.
Os Maranhenses fizeram a esta
patriota, que mais tarde será uma heroína, as maiores ovações.
Na sua chegada ali, ia ser
hospedada em casa do Dr. Juiz de Direito da 2ª Vara Antônio Francisco de
Salles, onde se hospedou o comandante, porém, o Ajudante de Ordens da
presidência, Tenente Campos, que primeiro foi a bordo, a levou para o seio de
sua Exmª família, onde recebeu a heroica menina distinto agasalho e foi
cumprimentada por inúmeras pessoas.
O empresário do “S. Luiz”, Vicente Pontes de Oliveira,
mal fundeou o vapor, anunciou para o mesmo dia um espetáculo em honra dela; e
tamanho foi o entusiasmo que em pouco menos de três horas foram vendidos todos
os camarotes e cadeiras, sendo a concorrência ao espetáculo espantosa.
A ele assistiu Jovita em trajes
militares e de um camarote adornado com a Bandeira Nacional.
A distinta artista D. Manoela,
vestida de guerreira e empunhando o Estandarte Nacional, recitou a patriótica
poesia do Sr. Francisco Muniz Barreto, e, em seguida, cantou ela, acompanhada
pela orquestra, com todos os artistas da companhia, fardados de Voluntários, o
hino da composição do maestro Francisco Libânio Colás e letras do poeta Juvenal
Galeno.
Por essa ocasião o povo pediu o
comparecimento em cena da heroína, o que ela satisfez. Vivas, bravos, e flores
partiram de todos os ângulos do Teatro.
D. Manoela,
abraçando-a, e dando-lhe um ósculo, tira-lhe o boné, coloca-lhe na cabeça uma
coroa de louros, e lança-lhe ao pescoço um cordão e um crucifixo de ouro; e,
findo que foi o espetáculo, é ela conduzida à casa pelo povo ao som de vivas e
música.
O negociante português Boaventura Coimbra de Sampaio
mandou-lhe preparar e ofertar um completo fardamento de pano fino. O Maranhão
soube distinguir a tão patriótica jovem, e o Sr. Dr. Salles deu-lhe um jantar,
a que assistiu toda a oficialidade do seu corpo e inúmeras pessoas.
Ao passar pela Paraíba, recebeu
ela ainda uma nova prova do apreço que merece a seus concidadãos. Uma comissão
foi a bordo do vapor, e aí fez-lhe oferta de um custoso anel de brilhantes,
como recordação de seus patrícios paraibanos, que sabem como todos os
brasileiros honrar as virtudes cívicas.
Sua passagem em Pernambuco foi
triunfante. O Presidente da Província recebeu-o no Teatro em seu camarote,
dando-lhe um lugar distinto. E nem podia esse povo ser indiferente ‒ São
Pernambucanos! Nessa ocasião deslumbrou os espectadores uma linda poesia,
apropriada ao assunto, e que não podemos furtar-nos ao prazer de
transcreve-la. São os sentimentos do povo Pernambucano nos lábios do Poeta:
À Heroína Brasileira
Jovita Alves Feitosa
(Francisco Muniz Barreto)
Na
onda do movimento
Do
País em convulsão,
Fero,
pujante, sedento,
Terrível
como o vulcão,
Destaca-se
à luz do dia
Um
tipo de valentia,
Enchendo
de simpatia
O mais revel coração.
Não me admira o denodo
Da multidão varonil
Do povo que ergue-se
todo
Bradando louco,
febril:
“Cuidado! Gente
insensata!
Cuidado! Corte ingrata
Da República do Prata!
Tem muita gente o Brasil!”
Bato palmas à nobreza
De quem conhece o
dever;
Aplaudo a ardente
braveza
Do homem que o sabe
ser;
E teço também um canto
A quem sobe, tanto, tanto,
Mas não me leva ao
espanto
O natural proceder!
O que me espanta é a
força
De um feminil coração,
É ver em um peito de
corça
Brio, valor de leão!
E sob a forma delgada
De uma mulher delicada
Ver uma alma
alimentada
Do fogo de uma explosão!
Isto, sim, isto é
sublime!
Vale arcos triunfais!
É grande arrostar o
vime
Nortadas ([7])
e vendavais!
É coisa que maravilha
Partir risonha à
guerrilha
Ingênua, modesta filha
Qual
desenvolto rapaz!
Percorro
os sagrados templos
Do mundo dos Panteões,
E vejo de tais exemplos
Raros nas outras
Nações;
Só no livro desta
terra
Em tempos assim de
Guerra
Eu leio que a história
encerra
Esses portentos de ações!
VI
Entretanto, pobre mulher! Não
deixarão de aparecer seus preconceitos! Muitos, ignorando qual o verdadeiro lugar
que nestes acontecimentos te deviam dar, não quiseram acreditar que um
ajuntamento de causas naturais, combinadas pela mão da Providência, produzisse
tamanho civismo! Procuraram inverter as altas aspirações que te impeliram para
o centro dos perigos. Quiseram negar-te essa alma generosa, depurada num
sentimento grandioso!
Mas, debalde! A alma que te
ilumina é como a luz que brota espontânea das regiões ocultas do infinito para
infundir-se deslumbrante pelo espaço além. O que te faltava pois? És moça, tens
a alma dos 18 anos, o vigor do sangue, e a imaginação ardente da mulher do
Norte, que concebe e realiza por paixão.
Serias uma louca? Também Joanna
d’Arc, foi considerada como uma louca pelo Sr. de Beaudricourt quando seu tio
Durand a apresentou comunicando a sua resolução. Qual pois o móvel que te
guiou? Seria o amor ultrajado?
Tiroagne de Mirecourt também
cometeu atos de uma bravura histórica, movida pela paixão, e pelo vício de que
ela se envergonhava.
Como quer que seja, se algum
motivo estranho te inoculou tamanha coragem, ainda assim és digna de toda a
admiração da posteridade. Suspendamos, porém, o nosso, juízo, neste ponto, e
perdoemos aos levianos.
É que eles se maravilharam com
a grandeza da ação, e, covardes, atordoaram-se por assim dizer com este
heroísmo de uma moça de 18 anos, e com a severidade com que ela afrontou sempre
tamanhas dificuldades.
Felizmente acabaram-se as
clausuras, e os tempos do “Maometismo”.
Já as mulheres não são vítimas do furor estúpido dos homens. O Cristianismo com
o seu verbo sublime espancou esses nevoeiros pesados da antiguidade. (COARACY,
1865) (Continua...)
Bibliografia
COARACY, José Alves
Visconti. Traços Biográficos da Heroína
Brasileira Jovita Alves Feitosa – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Tipografia Imparcial
de Brito & Irmão, 1865.
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de
Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor
e Colunista;
Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do
Sul (1989)
Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre
(CMPA);
Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura
do Exército (DECEx);
Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério
Militar – RS (IDMM – RS);
Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando
Militar do Sul (CMS)
Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia
Brasileira (SAMBRAS);
Membro da Academia de História Militar Terrestre do
Brasil – RS (AHIMTB – RS);
Membro do Instituto de História e Tradições do Rio
Grande do Sul (IHTRGS – RS);
Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia
(ACLER – RO)
Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio
Grande do Sul (AMLERS)
Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da
Escola Superior de Guerra (ADESG).
Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
[1] Tempos coloniais: Guerra dos Holandeses (COARACY, 1865).
[2] Mineira ???:
(Hiram Reis)
[3] Elas devem ter o direito ascender à tribuna, já que podem ser
conduzidas ao cadafalso. (Hiram Reis)
[4] Sopitar-lhe: conter-lhe. (Hiram Reis)
[5] Lamballe: Maria Luísa Teresa de Saboia-Carignano, Princesa de
Lamballe, amiga e confidente da Rainha Maria Antonieta da França. (Hiram Reis)
[6] Fardeta: jaqueta militar. (Hiram Reis)
[7] Nortadas:
vento Norte frio e forte. (Hiram Reis)
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
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Silva, Bagé, 11.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 224, Rio de Janeiro, RJ Quarta-feira, 25.09.1963 Lei das Selvas T
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Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
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