Segunda-feira, 23 de outubro de 2023 - 11h59
Bagé, 23.10.2023
O Dr. Hermann Von Ihering fez uma abordagem interessante, em 1907, no Volume VII da Revista do Museu Paulista. Von Ihering conclui sua explanação afirmando existirem, em outros estados brasileiros, diversas localidades com a denominação de “Patos” e que “não podemos atribuir estes nomes também naqueles Estados a uma tribo desconhecida dos Patos, sendo ao contrário evidente que a explicação, que deriva de uma origem comum a todas estas denominações, é a mais aceitável”.
Revista do Museu Paulista, Volume VII
São Paulo, SP – 1907
Os Índios Patos e o nome da Lagoa dos Patos
Pelo Dr. Hermann Von Ihering
Tendo vivido por muitos anos à margem da Lagoa dos Patos e publicado sobre ela dois estudos, liguei interesse especial ao nome desta Lagoa e por fim adotei a opinião de que este nome não lhe provinha das aves aquáticas denominadas “Patos”, mas de uma tribo de índios, aliás, pouco conhecida, dos Patos. Esta opinião foi combatida por Alfredo F. Rodrigues no seu artigo “O nome de Lagoa dos Patos”, declarando ele imaginária a dita tribo dos Patos. Pretendendo em seguida tratar por extenso do assunto, reproduzo aqui a maior parte do referido artigo do Sr. Alfredo F. Rodrigues.
Com referência à ideia de que a Lagoa dos Patos tomou o nome de uma tribo de índios, que habitara em suas margens, ele diz o seguinte:
O erro data de Manuel Ayres de Casal, ou pelo menos foi ele que o vulgarizou, pela notoriedade que alcançou a sua “Chorographia Brazileira”. Diz ele que: a Lagoa dos Patos tomou o nome de uma nação hoje desconhecida.
Referindo-se ao Canal entre a Ilha de Santa Catarina e o continente, diz também:
Rio dos Patos lhe chamavam os primeiros descobridores, porque servia de limite entre os índios deste nome que se estendiam até S. Pedro e os Carijós para o Norte até Cananéia.
Contra esta afirmativa foi o primeiro a protestar José Feliciano Fernandes Pinheiro, o Visconde de S. Leopoldo, nos “Annaes da Província de São Pedro”, citando a opinião do Padre Simão de Vasconcellos:
A origem deste apelido esquadrinhou, e nos transmitiu o Padre Simão de Vasconcellos, que precedeu de uma Armada espanhola, que em viagem para o Rio da Prata, em 1554 ([1]), obrigada por temporais, arribara à deserta Ilha, denominada ao depois de Santa Catarina, e deixara ali alguns patos, que procriando maravilhosamente, se foram espalhando em “copiosíssimos” bandos por todo aquele litoral e foi a causa de onde a lagoa, e toda aquela terra se chamaram dos Patos, e até hoje lhes dura este nome.
Eram estes Carijós dos Patos fáceis no trato, pacíficos, se não irritados, e com alguma indústria; de sorte que, depois de 1554, entretinham os moradores do Porto de Santos comércio com eles, levando-lhes nas embarcações resgates de ferramentas, anzóis, facas, e outros gêneros, que permutavam por algodão, o qual plantavam e colhiam, redes, e índios que ou cativavam na guerra ou por castigo degradavam, etc.
De tal maneira acessíveis, animaram os Missionários para empresas sagradas, e os Portugueses zelosos para fundação de povoações, com que dilataram nossos domínios.
Em nota acrescenta ainda:
Nestes pontos de pura tradição, inclino-me a seguir antes o Padre Vasconcellos que, provincial e cronista da Companhia de Jesus no Brasil, escrevendo na Bahia, pelos anos de 1663, viveu mais próximo aos fatos e teve mais proporções de averiguá-los do que o Padre Casal na “Chorographia Brasileira” que, aliás, merecendo grande conceito no que escreveu das Províncias do Norte, que examinou “ocularmente”, não passando do Rio de Janeiro para o Sul, escreveu por meras informações; por isso não é muito que claudicasse a ponto de adicionar Províncias ao Império do Brasil que não lhe pertenciam, e entre outras cousas mais, dando existência a uma Nação dos Patos de que não se encontram os mínimos vestígios.
Vide a enumeração que faz das Nações Índias o mesmo Padre Vasconcellos nas Notícias antecedentes das coisas do Brasil, n° 151 e 152.
A mesma versão se encontra no Santuário Mariano, Crônica escrita pelos Jesuítas, cujo primeiro volume se publicou em 1707, aparecendo o último em 1723:
Ilha de Santa Catarina – Patos – Cobrem estas aves as praias e terras da beira-Mar, por distância de 50 léguas e mais. São os mesmos da Europa. Ali os soltaram uns espanhóis que faziam viagem para o Rio da Prata em 1554.
Enganaram-se na data, porém, tanto o Visconde de S. Leopoldo como os dois cronistas Jesuítas, pois que aí já existiam patos muitos anos antes, sendo conhecidos por este nome diversos lugares na costa desde S. Catarina até o Rio da Prata. De fato, João Dias de Solis, chegando, em princípios de 1516, à Ilha de S. Catarina, deu-lhe o nome de Ilha dos Patos; e na Embocadura do Rio da Prata, denominou Rio dos Patos a um Arroio entre 35° e 34°20’.
Não existe o roteiro da viagem de Solis, por isso não se pode precisar o motivo por que ele escolheu o nome “Patos” para esses dois lugares. Pode-se, porém, afirmar que não o tirou de uma tribo de índios, pois que nenhum dos historiadores do século XVI, que se referem à sua viagem [Gonzalo Fernández de Oviedo y Valdés – 1535, Antonio de Guevara – 1552 e Antonio de Herrera y Tordesillas – 1601] faz menção de tais índios, citando pelo contrário os Charruas e outros. Devia, portanto, provir o nome da grande quantidade de “patos” aí encontrados. Isto não é uma simples conjectura sem base, porém um fato confirmado por documentos que datam de poucos anos depois. No Roteiro da Viagem de Diogo Garcia, realizada em 1526 e 1527, lê-se o seguinte:
E andando en el camino allegamos a un Río que se llama el Río de los Patos questá a 27 grados, que ay una buena geracíon que hacen muy buena obra a los cristianos, e llaman-se los Carrioces, que allí nos deram muchas vituallas que se llama millo e harina de mandioca, e muchas calabazas e muchos patos e otros muchos bastimentos porque eran buenos indios.
Na Carta
Dijeron que cuatro meses poco más o menos antes allegásemos a este puerto de los Patos, que así se llamaba de elles estaban [...] En esta isla había muchas palmas en este puerto nos traían los indios infinito bastimento así de faisanes, de gallinas, babas, patos, perdices, venados, que de esto todo y de otras muchas maneras de caza había en abundancia y mucha miel.
Em nenhum destes dois documentos, que assinalam a existência de patos
Esta nação chama-se Guarani, são lavradores que, duas vezes por ano, semeiam milho. Cultivam também mandioca [caçabi], criam galinhas e patos à maneira de Espanha e em suas habitações têm muitos papagaios.
Há ainda uma objeção a refutar e esta oposta pelo Dr. Hermann von Ihering que, encarando a questão sob um ponto de vista diferente, negou a existência na Lagoa e em Santa Catarina do Pato do mato [Cairina moschata], concluindo daí que não podia ter ele dado origem ao nome que, no seu entender, provem dos índios Patos. O argumento do ilustre naturalista que, à primeira vista, parece resolver a questão, não resiste a exame. Os primeiros exploradores da costa, não sendo entendidos em História Natural, podiam tomar pelo Pato Europeu qualquer outro palmípede, que se lhe assemelhasse um pouco. Do exposto, podem-se tirar três conclusões:
1° Em toda a costa de Santa Catarina ao Rio da Prata, havia grande abundância de patos, que foram vistos por Solis, Diogo Garcia, Sebastião Gaboto e Cabeça de Vaca;
2° Nenhum dos cronistas e roteiros do século XVI faz menção de índios Patos, apesar de relacionarem as tribos da Costa;
3° Simão de Vasconcellos explicou bem a origem dos nomes Lagoa dos Patos, Rio dos Patos, Laguna dos Patos; porém enganou-se, afirmando que os patos começaram a procriar aí em 1554.
Deve ficar, portanto, como certo, que o nome da Lagoa dos Patos provém das aves desse nome e não de uma tribo de índios assim chamada. (IHERING) (Continua...)
Bibliografia
IHERING, Hermann Von. Os Índios Patos e o nome da Lagoa dos Patos – Brasil – São Paulo, SP – Revista do Museu Paulista, Volume VII, 1907.
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
[1] Alguns navios espanhóis, que em 1554 demandavam o Prata, tiveram de entrar no Rio Grande acossados pelo temporal: ali deixaram uns poucos de patos, que se multiplicarão a ponto de com a sua multidão cobrirem as águas que se ficarão chamando Lagoa dos Patos. (SOUTHEY)
[2] Adelantado (adiantado): funcionário do Reino de Castela que tinha a máxima autoridade judicial e governativa sobre um Distrito. (Hiram Reis)
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
Bagé, 20.12.2024 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 3.184, Rio, RJSexta-feira, 25.10.1963 Sindicâncias do Sequestro dão e
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – VI
Silva, Bagé, 11.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 224, Rio de Janeiro, RJ Quarta-feira, 25.09.1963 Lei das Selvas T
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV
Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III
Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira O jornalista H