Segunda-feira, 6 de novembro de 2023 - 06h10
Bagé, 06.11.2023
Partida para a
Ponta Rasa (17.04.2011)
Acordamos cedo
arrumamos o barraco e resolvemos não incomodar nossos anfitriões que ainda
dormiam e partimos por volta da seis horas. Os ventos do quadrante Oeste
formavam ondas de um metro que atingiam perigosamente o barco de través,
forçando-me a bordejar (ziguezaguear). O esforço de remar contra as ondas era
compensado com a possibilidade de surfá-las no retorno. Eu inclinava o Corpo
contra as ondas e, eventualmente, apoiava o remo a bombordo para evitar o
tombamento.
Naufrágios na
Ponta dos Lençóis
O Romeu foi derrubado por duas vezes
e ajudei-o a esvaziar o caiaque cheio d’água. Resolvi navegar em uma área
protegida por um banco de areia enquanto o Romeu insistia em arriscar a
navegação em área aberta. Meu companheiro, colhido pelas águas, teve seu caiaque
virado novamente e parei para ajudá-lo.
O Romeu estava visivelmente abatido,
fui a pé mais à frente reconhecer nosso trajeto e procurar uma alternativa mais
segura. A uns quatrocentos metros à frente, poderíamos nos deslocar protegidos
pelo banco de areia até o extremo Sul da Ponta dos Lençóis.
Arrastei o caiaque pelas águas rasas
até onde poderíamos reiniciar a navegação e fui ajudar o Romeu com o seu. Isto
feito, reiniciamos nossa jornada até a Ponta dos Lençóis onde passamos por um
grupo de pescadores e enormes bandos de biguás.
Ponta dos Lençóis
(31°48’09,6” S / 51°50’29,2”
O)
Paramos perto
da Ponta dos Lençóis e mostrei ao Romeu nosso destino, a Ponta Rasa, a uns
dezessete quilômetros a Oeste. A pouca profundidade garantia uma travessia
segura, mas meu companheiro não estava em condições psicológicas de enfrentar
uma travessia de mais de duas horas sem a possibilidade de uma parada
intermediária.
Concordei em
margear, o que aumentaria o percurso em mais de 10 km. Ultrapassada a Ponta, o
vento mudou, vindo de NE, facilitando a navegação.
Depois de remar
40 minutos, parei e comuniquei ao Romeu que estávamos progredindo muito
lentamente (
Feito isso, eu conseguia progredir com muito pouco esforço, surfando e
usando o corpo e as pás do remo como uma vela para impulsionar o caiaque
enquanto meu companheiro, ressabiado, procurou o abrigo seguro das margens,
retardando a progressão.
Aguardei
o Romeu em um acampamento de pescadores e, depois de declinar do churrasco e
café que gentilmente nos ofereceram, continuamos a viagem.
O anunciado
ciclone se desviara para o Oceano aumentando, porém, a intensidade dos ventos
para rajadas de até
Volta e meia eu
olhava para trás para ver se o Romeu estava me acompanhando e verifiquei que
ele havia atracado
Acampamento
do Irailson
O Romeu
apareceu algum tempo depois, sem o caiaque, dizendo que não estava em condições
de me acompanhar e sugeriu que eu continuasse sozinho. Recomendei que ele
buscasse o caiaque e que aguardássemos o tempo melhorar para depois tomarmos
uma decisão. Ele chegou arrastando o caiaque e, depois de tomar um café quente
oferecido pelo amigo Gilmar Santana Costa, decidimos, de comum acordo, partir
na madrugada seguinte para Rio Grande.
No acampamento,
conhecemos o inquieto, alegre e inteligente Thainan Vaz Costa e seu pai Delvair
Silveira Costa (Neneco). Como o meu telefone, mais uma vez, não funcionasse, o
Thainan se prontificou a avisar os familiares e amigos que estávamos bem apesar
do “ciclone extratropical, três
naufrágios e quase dois afogamentos”. Declinei da oferta e, brincando,
qualifiquei-o de “terrorista”, tendo
em vista que seu aviso provocaria muito mais preocupação do que tranquilidade.
Depois da tempestade, as águas se aquietaram, a chuva se foi e o Sol apareceu
radiante.
O Gilmar nos
brindou com um saboroso almoço, o Romeu aproveitou para deitar e descansar um pouco
e eu fui com o Neneco, na sua moto, até um orelhão, na BR-101, que,
infelizmente, estava inoperante por falta de energia provocada pelo temporal.
Ao retornar, ele encontrou um amigo que solicitamente permitiu que eu usasse
seu celular (VIVO) para notificar à equipe de apoio terrestre nosso paradeiro e
programação futura.
Regressamos ao
acampamento e encontramos o Irailson que voltara para auxiliar o Gilmar a
colocar as luzes nos calões e lançar uma rede de uns 400 m para as tainhas.
Resolvemos acompanhá-los e fomos brindados com um pôr do Sol e uma lua cheia
magníficos.
Hospitalidade
Gaúcha
Retornando ao
acampamento, o Irailson fez questão que dormíssemos em dois bolantes de sua
propriedade. As casinhas de madeira eram muito confortáveis e impecavelmente
limpas, com fogão, cama e luz elétrica, foi um excelente pernoite.
A
perspectiva de concluir a missão no dia seguinte nos animava, estávamos bem
alimentados e tínhamos dormido em camas secas e quentes. Mais uma vez a
hospitalidade gaúcha se fazia presente e em nós crescia a esperança e a fé na
humanidade de nossa gente.
(Maurício Tomazini)
[...]
Vem, te aprochega gaudério ([1])
Não
tenhas medo de conversar
Não
estás sozinho nesta jornada
Diga
peão, que aqui te espero
Como
um soltar de invernada
Sem muito jeito, porém
sincero.
[...]
Num gesto de amizade existe
Um
coração a pulsar calado
Cruzo
campos sem cansar
Nesta
vida sem ser matreiro ([2])
Sempre
uma mão amiga a pairar
Num rancho pobre de algum
campeiro.
Partida para Rio
Grande (18.04.2011)
O Gilmar preparou um café antes de
sairmos e foi com o Neneco assistir a nossa partida. Às 05h00, deixamos para
trás os queridos e hospitaleiros amigos que esperamos, se o Patrão Velho de
Todas as Querências permitir, reencontrar futuramente. A calmaria das margens
foi substituída por ondas de proa de quarenta centímetros quando nos afastamos
da costa. Insisti, por diversas vezes, com o Romeu que aproasse com a Lua, mas
o camarada socialista parece ter uma tendência direitista arraigada no cerne de
sua alma que o levava a se afastar acompanhando a direção das ondas vindas de
Boreste.
Fizemos uma
parada, às 06h50, e, depois, prosseguimos navegando afastados da costa em
virtude da pouca profundidade no entorno da Ponta Rasa. Fizemos mais uma parada
antes de contornar a Ponta Rasa e avistar Rio Grande. Paramos numa Ilhota
situada na extremidade Este da Ponta Rasa (31°50’24,3” S / 52°05’55,2” O) e
decidi atravessar direto para a outra margem (Ilha da Torotama), levando em
conta a leve brisa e os calões, ao longe, que acusavam a pouca profundidade do
local.
Aproei para uma
caixa d’água que se avistava ao longe e informei ao Romeu da rota (SSO) a ser
seguida. Meu companheiro, mais uma vez se afastava do alvo, adotando uma rota
para Oeste. No meio do canal, gritei para ele alertando que, se continuasse
assim, ele acabaria aportando na Praia do Laranjal, em Pelotas e ele corrigiu,
finalmente, a rota. Aportamos nas praias de um casario mais ao Sul da Ilha da
Torotama (31°55’05,5” S / 52°08’25,2” O), e, logicamente, mais próximo da Ilha
dos Marinheiros por volta das 12h30.
Foco
na Missão
Pela segunda
vez, em todo o trajeto, minha sofrível operadora de celular (CLARO) deu sinal
de vida. Eram os Bombeiros Militares, acionados pelo Coronel Pastl, avisando
que estavam em condições de nos acompanhar. Avisei que às 15h00 estaríamos
aportando na Marina do Rio Grande Yacht Club. Tomei um pouco de água e a última
cápsula de guaraná me preparando para partir. Exortei o Romeu a prosseguir, já
que nosso destino estava muito próximo (15 km), mas meu amigo insistiu em fazer
uma refeição e descansar um pouco. Disse que precisávamos partir, já que os
bombeiros nos aguardavam. Engoli um sanduíche que ele havia feito e segui meu
destino sozinho. Tinha certeza de que meu parceiro não enfrentaria nenhum
perigo no deslocamento já que todo o trajeto era extremamente raso.
Chegada
Imprimi um ritmo forte (
Pedi que acompanhassem meu
companheiro que vinha logo atrás e segui direto para a Marina do Rio Grande
Yacht Club. Quando me aproximava de meu objetivo final, avistei minha cara
companheira Rosângela Schardosim me aguardando no cais.
Aportei, descarreguei o caiaque e
fui tomar um banho antes de partir para Bagé, onde um churrasco de cordeiro me
aguardava na casa da mãe dela. Aguardei o Romeu, que tinha parentes em Rio
Grande, chegar e parti para a Rainha da Fronteira. No trajeto, os belos campos
cobertos de mata nativa e magníficos rochedos me reportavam aos tempos de
infância, quando visitava com meus pais as fazendas de amigos.
Em Bagé, as antigas construções
emprestam à cidade uma beleza ímpar que, infelizmente, as autoridades e alguns
proprietários ignorantes teimam
Conjunto
Canoísta/Caiaque
Quero deixar registrado meu profundo
agradecimento aos amigos pescadores que tão gentilmente nos acolheram nessa
difícil jornada. Afirmo, como ensinamento, mais uma vez, que o conjunto
canoísta/caiaque é por demais importante.
O canoísta precisa aprender a
enfrentar condições adversas e manter o equilíbrio físico e mental, deve levar
em conta que um caiaque inadequado pode comprometer a missão e os prazos
planejados como foi o caso do caiaque do Professor Romeu.
Mais uma vez tenho de louvar a performance de minha nau “Argo” ‒ um caiaque Oceânico Individual modelo Cabo Horn, da Opium FiberGlass. O amigo Fábio Paiva está de parabéns! Sob as mais adversas condições, seu caiaque deu demonstração de ser único no gênero. Tenho constantemente colocado em cheque sua estabilidade, conforto e capacidade de carga e, em nenhuma delas, ele me desapontou.
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de
Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor
e Colunista;
Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do
Sul (1989)
Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre
(CMPA);
Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura
do Exército (DECEx);
Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério
Militar – RS (IDMM – RS);
Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando
Militar do Sul (CMS)
Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia
Brasileira (SAMBRAS);
Membro da Academia de História Militar Terrestre do
Brasil – RS (AHIMTB – RS);
Membro do Instituto de História e Tradições do Rio
Grande do Sul (IHTRGS – RS);
Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia
(ACLER – RO)
Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio
Grande do Sul (AMLERS)
Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da
Escola Superior de Guerra (ADESG).
Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
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