Sexta-feira, 3 de novembro de 2023 - 06h05
Bagé, 03.11.2023
Partida para Bojuru (13.04.2011)
Antes de partir, fui até a Praia,
acompanhado pelo professor Hélio, fotografar o Farol. Depois partimos, o Romeu
e eu, rumo a Bojuru. Aportamos, para descansar, em um banco de areia e
avistamos, ao longe, o veleiro parado. O Romeu resolveu remar rapidamente na
sua direção, achando que a intenção dos tripulantes era orientar nossa
progressão e servir de apoio no meio da Laguna para descanso. Ledo engano!
A nave penetrou na densa e distante bruma que se formava e sumiu no
horizonte. Eu tinha alinhado a proa diretamente para a Ponta do Bojuru para
diminuir a distância da remada, mas o Romeu preferiu aportar a meio caminho
para esticar as pernas. Alterei a rota e aportamos
Voltamos para a água e, como o Romeu
não estivesse em condições de remar diretamente para a Ponta do Bojuru, alinhei
a proa para um enorme barranco ao longe. A imagem era conhecida, o Comandante
Geraldo Knippling havia imortalizado a falésia e suas centenárias figueiras
(figueira-branca – Ficus organensis) no seu livro: “O Guaíba e a Lagoa dos Patos”. Aportamos aos pés do magnífico
monumento natural, uma área de preservação permanente, onde a natureza era
soberana.
A bela e diversificada mata nativa
me encantava e resolvi escalar a falésia para registrar as belas imagens das
cercanias. Do alto de uma centenária figueira, consegui contatar precariamente
o Coronel Pastl e informá-lo de nossa posição. As três belas figueiras de
Knippling estavam sendo ameaçadas por praticantes de Rallye. As duas trilhas
tangenciavam suas colossais raízes, arrancando a vegetação rasteira e
acelerando a erosão, expondo, dramaticamente as raízes dos formidáveis e
seculares colossos naturais.
Curiosamente os praticantes deste
esporte se intitulam “amantes da natureza”.
Depois do descanso, partimos para mais um “tiro”
de doze quilômetros até as ruínas do Farol de Bojuru onde nos aguardava a
equipe de apoio.
Fonte: Carlos Altmayer
Gonçalves ‒ Manotaço
O antigo Farol de Bujuru foi
construído junto com os faróis de Itapuã, Cristóvão Pereira e Ponta Alegre
(este último na Lagoa Mirim). Estas obras iniciaram no ano de 1858. O projeto
era o mesmo, com exceção ao de Itapuã, com a diferença que Cristóvão tem 30
metros de altura e os outros 2 apenas
Farol de Bojuru
(31°29′09,3″ S /
51°25′15,3″ O)
Aportei na Ilha onde antes existira
o belo Farol para tirar algumas fotos das ruínas. As pequenas figueiras
resistiam estoicamente agarrando-se nos escombros. Depois das fotos, partimos
rumo ao “Ana Claci” para encontrar a
equipe de apoio. Combinamos que, nas proximidades da Barra Falsa do Bojuru, eu
iria de precursor do veleiro fazendo a sondagem, com o remo, verificando uma
rota que permitisse ao “Ana Claci”
chegar em segurança ao Porto. Durante o deslocamento, eu admirava, extasiado,
a bela vegetação do Capão de Mato da Barra Falsa do Bojuru ([1]).
Depois de um percurso exaustivo em
que eu usara o remo para sondar e remar ao mesmo tempo, ancoramos no Porto do
engenho de arroz do Sr. Paulo Santana (31°34′19,9″S / 51°27′38,4″O) que nos
recebeu gentilmente e determinou ao seu capataz que nos desse toda a atenção
necessária. Como se tivéssemos combinado o horário chegou o último membro da
expedição, o Tenente-Coronel PM Luís Kruger, uma lenda viva do Corpo de
bombeiros do Rio Grande do Sul ‒ um recordista de salvamentos.
O Ten-Cel
Kruger mal chegou e já foi fazendo uma fogueira para assar uns frangos que
comprara, na cidade de Bojuru, a mando do Coronel Pastl. Depois do jantar,
fomos nos instalar em uma casa do engenho que tinha como ponto alto um chuveiro
com água quente.
No dia 14 de
abril permanecemos em Bojuru, tendo em vista a previsão de condições
meteorológicas adversas. O Ten-Cel Kruger aproveitou para pescar alguns
lambaris para o almoço e depois, atendendo a um convite do Romeu, correram 8
km.
Eu e o Hélio fomos de caiaque até o Capão de Mato que nos encantara no trajeto, na Ponta do Bojuru. Desembarcamos na ponta Sul do Capão e saímos a pé para apreciar e fotografar a vegetação nativa.
Os troncos das enormes figueiras eram verdadeiros jardins suspensos, tomados por bromélias, orquídeas, fungos e líquens. O passeio, pela diversificada vegetação emoldurada pelas dunas majestosas, era uma verdadeira ode ao espírito e aos sentidos humanos, descobrimos um espécime de orquídea em plena floração extemporânea, encantamo-nos com as longas barbas de bode ondulando ao vento, produzindo um maravilhoso efeito de animação nos gigantescos e estáticos troncos dos formidáveis monumentos arbóreos ao mesmo tempo em que impunham um ar fantasmagórico a um solitário ninho de João de Barro, experimentamos a textura dos exóticos fungos e liquens e fomos envolvidos pelo inebriante aroma das flores do funcho silvestre.
Ao retornar ao Porto, um espetáculo à parte, um belo cisne-de-pescoço-preto nadava despreocupadamente a pouco mais de 50 m de nossos caiaques.
Partida para a Ponta dos Lençóis (15.04.2011)
Às nove horas, fomos informados que a previsão de mau tempo falhara e resolvemos partir imediatamente. Novamente atuei como precursor do veleiro, executando a exaustiva e morosa sondagem.
Liberado da sondagem, partimos diretamente para a margem a Oeste de nosso deslocamento. A pedido do Romeu, fizemos a primeira parada.
Meu companheiro, que em vez de tentar recompor as energias, no dia anterior, preferira correr oito quilômetros com o Coronel Kruger apresentava nitidamente sinais de cansaço. O Romeu continuava remando lentamente, embora as ondas de través não ultrapassassem os trinta centímetros. Fizemos mais uma parada para que o Romeu me alcançasse.
Fui até o veleiro e comentei com o Coronel Pastl a respeito de minha dúvida em relação à distância em que se encontrava a tal Ponta dos Lençóis.
Fiz mais uma parada aproando diretamente para um enorme bando de flamingos ([2]) que mariscavam desatentos. Cheguei a uns
Hidratados, embarcamos nos caiaques e nos deslocamos rumo ao Canal dos Gordos (31°45’56,2” S / 51°39’27,3” O) um estreito Canal de
Informei que devido ao adiantado da hora não conseguiríamos chegar até a Ponta, mas que iríamos tentar nos aproximar o mais perto possível dela e que, antes disso precisávamos fazer uma pequena pausa para descanso. Depois da breve parada, partimos e observei preocupado que o veleiro continuava parado, mais tarde soube que eles não haviam notado nossa partida.
Entramos em uma área de pesca de camarão, os milhares de calões que suportam as redes lembravam o mastro de nosso veleiro dificultando sua identificação. A progressão, facilitada pelo vento de popa, permitia-me surfar rapidamente enquanto o Romeu lutava para dominar seu caiaque. Comecei a me preocupar, não enxergava o veleiro, de repente avistei uma luz no horizonte, achei que se tratava do mastro do “Ana Claci”, apontei a proa naquela direção e, logo em seguida, outras luzes começaram a pipocar em todos os calões.
Desisti de tentar identificar nosso barco de apoio. O Sol estava próximo do horizonte e voltei minha atenção para a margem em busca de abrigo. Identifiquei uma pequena Colônia de Pescadores e, mais além, apenas dunas de areia, decidi buscar guarida junto a eles.
Comunidade de Pescadores do Estreito
(31°47’20,7” S / 51°45’19” O)
Contatei, em terra, a senhora Sabrina e perguntei se ela teria um lugar que pudéssemos pernoitar. Ela apontou para um barraco próximo e disse que, logo que o marido voltasse da pescaria, ele nos entregaria a chave do mesmo. Arrastei o meu caiaque para perto do barraco.
De repente, apareceu o Sr. José Luís Jardim da Silva (Zé do Dedé) que ajudou o Romeu a carregar o seu caiaque e disse que pernoitaríamos no seu barraco. Ofereceu-nos café e roupa seca já que nosso material estava todo no veleiro. Sua nora Tatielly Silva de Farias arrumou uma cama e cobertas para dormirmos em um barraco ao lado do deles.
Mais tarde, fomos presenteados com um saboroso prato de enormes camarões pelos amigos pescadores. Durante o jantar, o Zé apontou para umas luzes a SO, dizendo que deveriam ser nossos amigos atracados. As luzes se afastaram um pouco (soubemos, no dia seguinte, que o “Ana Claci” perdera uma das âncoras) e retornaram mais tarde.
Não estávamos em condições de arriscar uma navegação noturna até um alvo não confirmado. Depois do saboroso prato de camarão servido no jantar, fomos dormir.
No dia seguinte (16 de abril), estávamos tomando café quando o Zé avistou o veleiro passando em frente à Comunidade, o Romeu embarcou no Barco do Josué Amaral da Silva (filho do Zé) e eu montei na garupa da moto do José Luís e fomos à frente para sinalizar que estávamos por ali.
O veleiro ancorou e o Coronel Pastl subiu no barco do Josué e veio me encontrar
Fomos a bordo pegar algumas roupas quentes, sacos de dormir e uma pequena barraca. Decidimos partir, no dia seguinte, diretamente para Rio Grande. De tardezinha, acompanhamos nossos amigos pescadores na sua faina diária de preparar as redes e colocar as luzes nos calões para atrair os camarões. (Continua...)
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
[1] Barra Falsa do Bojuru: o nome de “Barra Falsa” foi dado em virtude de alguns incautos navegadores de outrora, por vezes, confundirem-na com a Barra de Rio Grande. (Sérgio Pastl)
[2] Flamingos (Phoenicopterus chilensis): animais de hábitos migratórios podem voar até 500 quilômetros por dia em busca de alimento e locais para nidificação. Botam apenas um ovo que eclode depois de 29 dias de incubação. Sua dieta compõe-se principalmente de vegetação e invertebrados aquáticos. Esses invertebrados ricos em caroteno conferem-lhes a coloração rosada.
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