Segunda-feira, 20 de novembro de 2023 - 06h25
Bagé, 20.11.2023
Como vimos nos artigos
anteriores, Barbosa Lessa e Jaime Cortesão, ressaltam a importância econômica
da Colônia do Sacramento de onde partiam os navios, carregados com couro e
outros produtos, com destino às cidades de São Vicente e Santos.
Os portugueses
tinham manipulado o Mapa das Cortes arrastando as fronteiras meridionais
brasileiras para Leste aumentando consideravelmente o domínio português sobre
áreas reconhecidamente espanholas pelo Tratado de Tordesilhas apossando-se
ilegalmente da Colônia.
A Colônia do
Sacramento, cidade mais antiga do Uruguai, além de guardar um importante acervo
arquitetônico do século XVII, já reconhecido como Patrimônio da Humanidade pela
UNESCO, é, sem sombra de dúvida, o mais importante destino turístico cultural
uruguaio. A Capital do Departamento de Colônia, edificada na margem esquerda do
Rio da Prata, fica a 177 km de Montevidéu e a apenas 45 km de Buenos Aires,
localizada na margem oposta do mesmo Rio.
Os educados
irmãos uruguaios cultuam as suas tradições, sua história, respeitam seus
heróis, recebem os estrangeiros com muita atenção e carinho e, acima de tudo,
amam com devoção extrema seu País.
Por mais de uma vez, “los hermanos”, vendo-me fotografar seus
casarões centenários, monumentos ou prédios históricos, acercavam-se de mim
procurando orgulhosamente informar-me a respeito dos mesmos.
Breve Histórico
João Capistrano Honório de Abreu, às
páginas 57 a 87, na obra “Ensaios e
Estudos (Crítica e História)” ‒ 3ª Série, editado na Livraria Briguiet, em
1938, pela Sociedade Capistrano de Abreu, dedica-lhe um capítulo especial
denominado “Sobre a Colônia do Sacramento”.
Capistrano de Abreu faz um retrospectiva histórica desde Colombo para
contextualizar o tema.
Sobre a Colônia do Sacramento
Quando
Cristóvão Colombo, em 09.03.1493, anunciou a El-Rei de Portugal o
descobrimento de novas terras Ocidentais, respondeu-lhe D. João II que todas
pertenciam à sua coroa. Na opinião do tempo era idêntico o Mar que banhava a
Europa e a África por Oeste ao que banhava a Ásia a Este: a Ásia Oriental e
Meridional com seus milhares de ilhas, toda a África Oriental desde a Abissínia
até o Cabo da Boa Esperança, julgavam-se Índia; as terras situadas a meio
caminho da Índia, a própria Índia, foram doadas à Coroa de Portugal por
diversos Pontífices a partir de Nicolau II; os Reis de Espanha reconheceram os
direitos portugueses em Tratados solenes. Como podiam os novos descobertos demorar
([1])
fora de limites serem definidos com tanta precisão? No mês de abril, terminadas
as festividades da Páscoa, D. João chamou a Conselho seus Ministros e resolveu
mandar uma Armada às regiões novamente achadas por Colombo.
Por
intermédio do Duque de Medina Sidonia souberam os Reis de Espanha da grave
resolução tomada: a 23 de abril expediram, de Barcelona, Lopes de Haro,
pedindo a D. João II fizesse apregoar por seus reinos que ninguém fosse às
ilhas descobertas e nomeasse embaixadores conhecedores do caso para discuti-lo
calmamente e levá-lo a decisão honrosa. O pregão ([2])
foi desde logo lançado e obedecido mais ou menos: em todo o caso, as aparências
salvaram-se.
Os embaixadores nomeados, Doutor
Pero Dias e Ruy de Pina, seguiram por Mar até Barcelona, onde estava a Corte, e
lá chegaram a 15 de agosto. A embaixada deu resultado nulo nas aparências por
ignorarem os embaixadores o assunto de que se tratava. Entretanto, os reis de
Espanha não se absorviam inteiramente nestas conferências. Seus representantes
em Roma trabalhavam ativamente e obtinham de Alexandre VI, o Papa, as maiores
concessões. Por duas Bulas de 3 de maio eram doadas àquele reino todas as
terras descobertas e por descobrir sob a bandeira de Espanha; por outra de 4 de
maio fixavam-se os limites entre possessões espanholas e portuguesas a cem
léguas de qualquer das ilhas dos Açores e do Cabo Verde; por outra de 25 de
setembro atribuíam-se à Espanha todas e quaisquer ilhas e terras firmes achadas
e por achar, descobertas e por descobrir e as que, navegando ou caminhando para
o Ocidente ou Meio-dia ([3]),
são ou forem aparecendo, ou estejam nas partes Ocidentais ou Meridionais e
Orientais e da Índia.
Assim, nem os reis de Espanha
nem a Cúria romana estavam pelas consequências que a Coroa Portuguesa tirava
de Bulas e Tratados antigos: urgia, pois, achar nova base de negociações. Foi
mandado, de Barcelona para a Corte Portuguesa, Garcia de Herrera a dar notícia
da próxima partida de outra embaixada incumbida de tratar a questão, para a qual
se pedia benigno acolhimento. Composta de Garcia Lopez do Carbajal e D. Pedro
d’Ayala, partiu de fato a 2 de novembro e foi recebida friamente: “não tem pé nem cabeça”, disse desdenhoso
D. João II, aludindo a um que era coxo e outro de fraco espírito. Por sua vez,
a 08.03.1494, El-Rei mandou Ruy de Sousa, senhor de Usagres e Berengel, João de
Sousa, seu filho, almotacé-mor ([4]),
e Árias de Almadana, corregedor dos feitos cíveis na Corte de Lisboa e do
desembargo do Paço, os quais conferiram e negociaram em Medina do Campo e
levaram a negociação a bom resultado, assinando com Henrique Henriques,
mordomo-mor, Gutierres de Cardenas, comissário-mor de Leon e contador-mor, e
Dr. Rodrigo Maldonado de Talaveras, todos do Conselho Real, a 7 de junho, o
Tratado de Tordesilhas, primeiro capítulo da história diplomática da América.
Pelo Tratado fixavam-se os
limites entre as altas potências contratantes não mais a 100 léguas, mas a 370;
não mais a Oeste de qualquer das ilhas dos Açores e do Cabo-Verde, como na Bula
de 4 de maio do ano anterior, mas a Oeste do arquipélago do Cabo Verde. De que
ilha não se especificou, o que, aliás, não significava muito, pois a distância
entre a mais Oriental e a mais Ocidental é apenas de 2°45’ ([5]).
Mais sério foi não especificar-se como se devia entender a légua ([6]),
pois nas teorias contemporâneas havia-as de 141/6, de 15, de 162/3,
de 171/2 e até de 217/8 em um grau do Equador ([7]).
Mais sério foi, enfim,
esquecer-se de que os astrônomos não possuíam ainda nem instrumentos nem saber bastante para achar longitudes
no Mar, se acaso o alcançasse o linde ([8]).
Estes inconvenientes não apareceram quando, no ano de 1500, o Brasil foi ao
mesmo tempo descoberto pelos espanhóis Vicente Yáñez Pinzón e Diego de Lepe,
pelo português Pedro Álvares Cabral. El-Rei de Espanha, em 05.09.1500, fez Pinzón
“capitán é gobernador de las dichas
tierras de sus o nombradas desde la dicha punta de Santa María de la
Consolación siguiendo la costa hasta Rostro Hermoso, é de allí toda la costa
que se corre al Noroeste hasta el dicho Río que vos posistes nombre Santa María
de la Mar Dulce”; mas o antigo companheiro de Colombo não se aproveitou da
concessão, ou logo desenganou-se dela com o aspecto “safio do lito”, o canibalismo dos indígenas e a força de ventos e
correntes.
Neste trecho não se encontram
depois mais vestígios de Espanhóis pelo correr do século XVI. D. Manuel,
sucessor de D. João II, mandou desde logo tomar conta do país encontrado por
Cabral e melhor explorá-lo.
Uma expedição de três navios
saiu de Lisboa em maio de 1501, surgiu a 16 de agosto no Cabo de S. Roque, e
acompanhando a costa foi reconhecendo-a dando nome aos pontos mais notáveis. No
mapa de Alberto Cantino, preparado em 1502, apenas voltou a Armada, o ponto
mais Meridional que aparece é o Cabo de Santa Marta, no atual Estado de Santa
Catarina. Em 1503, veio nova expedição particular, composta de seis navios
pertencentes a alguns cristãos novos, que desde logo arrendaram a terra, para
explorar o pau-brasil e fazer escravos.
Na ilha de Fernão de Noronha,
que também achamos nomeada São Lourenço, por ter sido avistada no dia 10 de
agosto, perdeu-se a Capitania; dois navios separaram-se da Armada, reduzindo-a
assim à metade. Os restantes não é verossímil que se metessem a descobrir;
provavelmente tornaram para o reino, apenas completaram a carga.
Passam alguns anos, durante os
quais habitualmente os portugueses se contentaram em navegar pelas proximidades
do Cabo de Santo Agostinho, onde facilmente achavam os poucos gêneros de seu
escambo: pau-brasil, papagaios, macacos, cascavéis, algodão, escravos,
resgatados por anzóis, espelhos, ferramentas, avelórios. Em 1513, uma
esquadrilha de dois navios, armados por Cristovam de Haro, D. Nuno Manuel e
outros, obteve licença para continuar o descobrimento e adiantou-se a lugares
até então desconhecidos.
Seus
resultados, segundo se pôde concluir, de uma carta ou gazeta escrita da Madeira
em 12.10.1514, quando chegou um dos navios, obrigado a voltar por falta de
mantimentos, são formulados por Konrad Haebler:
Se João de Lisboa foi
o famoso Piloto de que fala a gazeta, é muito incerto, embora não impossível.
Os navios passaram os limites do até então explorado, que não devia demorar
muito ao Sul do Cabo de Laguna ou Santa Catarina. Nesta viagem descobriram o
Cabo de Santa Maria, que deles recebeu certamente o nome, internaram-se num
espaço considerável pelo Golfo do Prata, até reconhecê-lo a pequena distância
de ambas as margens; provavelmente viram também claro que se tratava da
embocadura de um Rio. Em consequência disto e acossados por tempos
desfavoráveis, voltaram para o alto Mar e seguiram a costa até altas latitudes
Meridionais, onde encontraram indígenas vestidos de pele e ouviram falar em
montes nevados.
De nem um modo descobriram o Estreito de Magalhães; foram, porém, os primeiros europeus
que alcançaram a profunda chanfradura da Baía
do Prata, que a Coroa Portuguesa, de fato, mais
tarde, reclamou como sua. (ABREU)
(Continua...)
Bibliografia:
ABREU, João Capistrano Honório de. Ensaios e Estudos (Crítica e História)
– Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Edição da Sociedade Capistrano de Abreu –
Livraria Briguiet, 1938.
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de
Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor
e Colunista;
Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do
Sul (1989)
Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre
(CMPA);
Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do
Exército (DECEx);
Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério
Militar – RS (IDMM – RS);
Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando
Militar do Sul (CMS)
Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia
Brasileira (SAMBRAS);
Membro da Academia de História Militar Terrestre do
Brasil – RS (AHIMTB – RS);
Membro do Instituto de História e Tradições do Rio
Grande do Sul (IHTRGS – RS);
Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia
(ACLER – RO)
Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio
Grande do Sul (AMLERS)
Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da
Escola Superior de Guerra (ADESG).
Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
[1] Demorar:
situados. (Hiram Reis)
[2] O pregão: a
proclamação, o bando. (Hiram Reis)
[3] Meio-dia: Sul.
(Hiram Reis)
[4] Almotacé-mor:
provedor da casa real. (Hiram Reis)
[5] 2°45’: 305,58
km. (Hiram Reis)
[6] Légua: outrora
6.349,2 m, hoje 5.556,0 m. (Hiram Reis)
[7] Um grau do
Equador: hoje 20 léguas ou 111,12 km. (Hiram Reis)
[8] Linde: limite.
(Hiram Reis)
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
Bagé, 20.12.2024 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 3.184, Rio, RJSexta-feira, 25.10.1963 Sindicâncias do Sequestro dão e
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – VI
Silva, Bagé, 11.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 224, Rio de Janeiro, RJ Quarta-feira, 25.09.1963 Lei das Selvas T
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV
Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III
Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira O jornalista H