Sexta-feira, 8 de dezembro de 2023 - 06h15
Bagé, 08.12.2023
Elma Sant’Ana e André Sant’Ana
Stolaruck descrevem, com detalhes, “A
Odisseia de Garibaldi no Capivari”:
Escreve Lindolfo Collor:
Na margem
Oriental da Lagoa, num fundo de saco chamado “Roça Velha”, não muito acima do
Itapuã, desemboca o pequeno Rio Capivari, cujas cabeceiras se encontram numas
águas de pouco fundo que circundam os contrafortes Meridionais da Serra Geral.
Foi nessas paragens de difícil acesso que se embrenharam os corsários,
perseguidos de perto pelos legalistas,
Encurralado
na Lagoa do Casamento, Garibaldi remonta o pequeno Rio Capivari, cujas águas,
com profundidade máxima de
Enquanto
isso, Greenfell comunicava ao Presidente da Província que os rebeldes haviam
abandonado as suas posições do ltapuã e da Ponta do Junco e que seguira atrás
deles, com a barca “Cassiopea”, “examinando com cuidado toda a costa do
Capivari, lugar onde, constava-me, os outros lanchões inimigos estavam
reunidos. Estando o mato ocupado por infantaria inimiga, vi que nada podia
fazer sem força da terra”.
Greenfell
dá ordens ao Primeiro-Tenente José Ricardo Coelho de Abreu para bloquear a
entrada do Rio Capivari e retorna a Porto Alegre. Precisa preparar a expedição
para destruir o estaleiro em Camaquã – a base dos corsários. “Os Engarrafados do Capivari Ficavam Para
Depois...”
Os
legalistas mantinham guarda à Barra do Capivari, supondo que a rendição era
somente uma questão de dias.
Narra
Lindolfo Collor:
As canhoneiras do Tenente Abreu, cautelosas, guardavam
os acessos à enseada da Roça Velha.
Garibaldi sabe que a Foz acha-se sob vigilância das
forças imperiais. Diz ele em suas
Memórias:
Com efeito,
na margem Meridional localizava-se a cidade-fortaleza de Rio Grande e, na
margem Setentrional, São José do Norte, cidade menor, mas também fortificada,
assim como Porto Alegre, encontravam-se ainda sob o poder imperial e faziam
dele, o senhor da entrada e da saída do Lago. O Império controlava somente
esses três pontos, os quais, no entanto, bastavam-lhe amplamente.
Prossegue Garibaldi:
Propus a
construção de duas carretas –– grandes o suficiente e resistentes o bastante
para que se colocasse um lanchão sobre cada uma delas – e a atrelagem de bois e
de cavalos na quantidade necessária para puxá-las. Minha proposta foi aceita e
do Capivari ao Tramandaí, eu fui incumbido de levá-la a efeito.
Enquanto
isso, o Cel David Canabarro descia em direção a Mostardas, para examinar o
terreno mais favorável para a travessia e, ao mesmo tempo, requisitava o gado
disponível nos campos, para escolher duzentos bois, no mínimo, em condições de
serem aproveitados. Outros trabalhadores abatiam as árvores e roçavam os matos
das margens do Capivari, com seus machados e facões. Procuravam nivelar a
ribanceira,
um extenso
plano inclinado, pelo qual seriam levadas à água, as pesadas rodas que se
estavam construindo em fazenda próxima, sob as vistas do hábil carpinteiro
Joaquim de Abreu.
Mais difícil do que traçar o itinerário do Capivari ao
Tramandaí é chegar-se à conclusão referente a carretas que transportaram os
lanchões. Wolfgang Ludwig Rauls, o maior escritor e pesquisador sobre Anita
Garibaldi no Brasil, nos dá uma análise mais detalhada do transporte dos barcos
especialmente das carretas utilizadas por Garibaldi, nesta épica empreitada,
como ele se refere.
Mandei
construir oito enormes rodas de uma solidez a toda prova, com cubos
proporcionados ao peso que deviam suportar. Numa das extremidades da Lagoa, que
é oposta a Rio Grande, a Noroeste, existe no fundo de uma ravina um pequeno
Ribeiro, que corre da Lagoa dos Patos para o Lago de Tramandaí, ao qual tratávamos
de levar os dois lanchões.
Fiz
descer a esta ravina, imergindo-o o mais possível, um dos nossos carros; depois
levantamos o lanchão até que repousasse sobre o duplo-eixo.
Cem
bois mansos foram atrelados aos varais mediante nossas cordas mais fortes, e vi
então, com prazer, que não posso exprimir, o maior de nossos lanchões caminhar
como se fosse um fardo qualquer. O segundo carro desceu por sua vez, foi
carregado como o primeiro e deslocou-se com igual êxito. Chegados à margem do
Lago Tramandaí, foram os lanchões deitados à água do mesmo modo por que tinham
sido embarcados.
Garibaldi
penetrou pela Foz do Capivari, remontou o Arroio duas léguas para fugir à
vigilância dos imperiais, abrigando-se por detrás de uma volta propícia e
mascarando os mastros por meio de folhagens. Foi daí que começou o percurso
terrestre; primeiro através de estrada aberta no mato, depois por vasta
superfície quase nua de pastios, quase toda coberta de areias que, da bacia
interna, se estende até o Tramandaí, a Barra nunca antes praticada, por onde os
Farrapos pretendiam ganhar o Atlântico. Desmanchadas logo as grosseiras e agora
inúteis rodas, os navios foram trazidos à beira mais cômoda para o efeito.
Procedeu-se em seguida à remontagem da artilharia, recarga das praças-de-arma,
paióis e porões; bem como a recondução dos minguados meios da equipagem aos
reduzidos camarotes.
Wolfgang Ludwig Rau prossegue a análise das descrições
e deduz o seguinte:
1. Cada carreta
tinha quatro rodas, pois se mencionam oito grandes rodas e duas carretas.
2. As rodas eram de dimensões muito maiores que as
comuns na época e deve-se pensar que as rodas normais naqueles tempos tinham
por volta de dois metros de diâmetro.
3. Em 1839, não era conhecido o sistema de prato e
disco para fazer girar veículos de quatro rodas, e o sistema de eixo e pino não
teria sido eficaz para a enorme carga que representavam os barcos. Não existem
dúvidas que Garibaldi encontrou a mais feliz solução que poderia obter naquela
época e com os meios ao seu alcance; aproximou os eixos de madeira para que
fosse relativamente fácil fazer curvas. Isto se deduz do termo “duplo-eixo”,
pois se referisse a dois eixos separadamente, usaria a expressão “dois eixos”.
A denominação “duplo-eixo” parece indicar que ele queria usar um único eixo,
mas que, devido ao peso, se viu obrigado a colocar dois.
4. A estrutura da carreta estava abaixo dos eixos,
pois se fala que o lanchão se apoiava no duplo-eixo.
5. Deduz-se também que a carreta não tinha
estrutura de suporte para o barco, e que a estrutura deste era suficientemente
forte para resistir sem deformações ao transporte, sujeitado somente ao eixo
duplo.
Independentemente das considerações anteriores, analisa
Rau, deve-se ter em conta que Garibaldi não dispunha de ferro, nem de uma
indústria avançada, pois as cidades onde poderia encontrar esses elementos
estavam em mãos imperiais. Conclui-se, então, que os sistemas de eixos e cubos
fossem de madeira de lei, lubrificada com graxa animal. Por estes motivos, o
anel periférico das rodas estava recoberto por couro cru.
Para a dedução das dimensões, partiu-se das seguintes
considerações básicas:
a) que o peso do
lanchão vazio, mais os mastros, eram de 25 toneladas;
b) que o peso da
carreta e rodas eram de oito toneladas;
c) que existiu uma
margem de segurança de 7 toneladas (Garibaldi fala da grande resistência das
rodas).
Somando
os pesos e dividindo o total pelas quatro rodas de cada carreta, encontramos
que cada uma deveria ser calculada para suportar 10 toneladas. A carga máxima
para um sistema eixo-bucha de madeira de lei, com lubrificação de graxa animal,
não deve passar de 4 quilos por centímetro quadrado. Supondo que o eixo tinha
um diâmetro de
A
descrição das carretas da época nos ensina que o diâmetro das rodas era quatro
vezes o diâmetro do cubo, e que a largura do anel periférico da roda devia ser
igual à metade do diâmetro do cubo, bem como tinham as rodas um número ímpar de
raios, porque se supunha que os raios diametralmente opostos podiam rachar o
cubo.
Daí
deduzimos que as rodas da carreta deveriam ter
Como
diz Rau, os anéis periféricos estavam cobertos de couro cru. Este, se colocava
molhado e cozido com tentos em três capas: a primeira era circunferencial, e
uma vez seca, era engraxada, e depois coberta com outras duas capas de couro,
dispostas em diagonal, que davam um aspecto característico às rodas.
Supondo
que o “Seival” tivesse
Garibaldi
fala de “Varais”, quer dizer mais de
um, onde estavam presos os bois. Cita também a quantidade de bois: cem para
cada carreta [50 juntas].
O
problema que se apresenta é saber como estavam distribuídos os animais. Eles poderiam
ter sido colocados em linha de 4 ou 5; mas por razões de simetria, é evidente
que o número escolhido foi 4.
É
fácil deduzir que a carreta tinha dois grandes troncos ou varais de uns
Atrelados
os bois em 4 filas de 25 cada uma, e colocado em movimento o conjunto
carreta-lanchão, este contava com uma grande estabilidade devido a seus
A
análise acima permitiu a reprodução racional das carretas de Garibaldi,
capacitadas a realizarem as tarefas de 1839 – sem utilizar uma única peça de
metal, conclui Wolfgang Ludwig Rau, na sua análise técnica ([2]).
Em
“Anita – a guerreira das Repúblicas”,
o autor, Dr. Adilcio Cadorin, reforça a análise feita por Rau de que Garibaldi:
Determinou a construção de dois carretões, com rodas de
quase quatro metros de diâmetro, que sendo construídos somente com madeira
encaixada, sem nenhum prego ou parafuso, foram colocadas na água até
submergi-los. Depois deslizaram as naus sobre a água, até onde estavam
submersos os lanchões, quando então duzentos bois emparelhados e atrelados
puxaram as carretas e sobre ela vieram para fora d’água os lanchões.
Acrescenta
Lindolfo Collor:
Seria essa,
por certo, a parte mais difícil da empresa. Alguns botes tocados a remo e
numerosos nadadores, afrontando as águas gélidas do Capivari, gastaram horas a
fio no trabalho, que se diria impossível, de sotopor ([3]) as enormes rodas aos cascos dos navios.
No
dia 5 de julho, Garibaldi remonta o pequeno Rio Capivari, onde não podem
manobrar os pesados barcos do império, puxando sobre rodados para a terra os
dois lanchões artilhados e, assim, transformando lanças de guerra em picanas.
Açula ([4]) juntas
de bois, atravessando ásperos caminhos, através dos campos úmidos ‒ em alguns
trechos completamente submersos. Piquetes corriam os campos entulhando
atoleiros. Outros cuidavam da boiada. Garibaldi vê:
Os moradores do lugar deleitarem-se com um espetáculo
invulgar e bizarro: duas naves atravessando em carretas puxadas por duzentos
bois, num espaço de
Levam
seis dias até a Lagoa Tomas José, chegando, portanto, a onze de julho. Cada
barco tinha dois eixos e naturalmente quatro rodas imensas, revestidas de
couro cru.
No
dia 13, seguem, da Lagoa Tomás José, para a Barra do Tramandaí, sob o Oceano
Atlântico e no dia 15, lança-se ao Mar com sua tripulação mista: 70 homens ‒
Garibaldi comanda o Farroupilha, com dezoito toneladas, e Griggs, o Seival, com
doze toneladas. Ambos armados com quatro canhões de doze polegadas e eram de
molde “escuna”, informa Cary Ramos
Valli. (SANT’ANA)
A célebre
operação de transposição terrestre contou com a cumplicidade e o sigilo da
população local o que garantiu o êxito da empreitada.
Bibliografia:
SANT'ANA, Elma. O Seival: E a Odisseia de Garibaldi no
Capivari – Brasil – São Leopoldo, RS – Benchimol Soluções Gráficas, 2021.
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de
Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor
e Colunista;
Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do
Sul (1989)
Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre
(CMPA);
Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura
do Exército (DECEx);
Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério
Militar – RS (IDMM – RS);
Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando
Militar do Sul (CMS)
Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia
Brasileira (SAMBRAS);
Membro da Academia de História Militar Terrestre do
Brasil – RS (AHIMTB – RS);
Membro do Instituto de História e Tradições do Rio
Grande do Sul (IHTRGS – RS);
Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia
(ACLER – RO)
Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio
Grande do Sul (AMLERS)
Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da
Escola Superior de Guerra (ADESG).
Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
Bagé, 20.12.2024 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 3.184, Rio, RJSexta-feira, 25.10.1963 Sindicâncias do Sequestro dão e
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – VI
Silva, Bagé, 11.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 224, Rio de Janeiro, RJ Quarta-feira, 25.09.1963 Lei das Selvas T
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV
Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III
Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira O jornalista H