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Hiram Reis e Silva

Terceira Margem – Parte DCLXXVIII - O Resgate do Bravo Anaico


Transporte do Anaiko - Gente de Opinião
Transporte do Anaiko

Bagé, 20.12.2023

 

A Canoa Fantástica

(Castro Alves)

Pelas sombras temerosas

Onde vai esta canoa?

Vai tripulada ou perdida?

Vai ao certo ou vai à toa?

Semelha um tronco gigante

De palmeira, que se escoa...

No dorso da correnteza,

Como boia esta canoa!

Mas não branqueja-lhe a vela!

N’água o remo não ressoa!

Serão fantasmas que descem

Na solitária canoa?

Que vulto é este sombrio

Gelado, imóvel, na proa?

Dir-se-ia o gênio das sombras

Do inferno sobre a canoa!

Foi visão? Pobre criança!

À luz, que dos astros coa ([1]),

É teu, Maria, o cadáver,

Que desce nesta canoa?

Caída, pálida, branca!

Não há quem dela se doa?!

Vão-lhe os cabelos a rastos

Pela esteira da canoa!

E as flores róseas dos golfos,

‒ Pobres flores da Lagoa,

Enrolam-se em seus cabelos

E vão seguindo a canoa!

Na última Travessia tínhamos sido forçados a abandonar o caiaque pilotado pelo Professor Hélio, na Costa de Santo Antônio (30°29’44,2” S / 51°16’23,5” O), entre o Pontal de Tapes e o Morro da Formiga. Estávamos aguardando a manutenção do veleiro do Coronel Pastl para resgatá-lo, mas os adiamentos su­cessivos aumentavam a probabilidade de não mais encontrarmos nossa velha nau.

Havia comprado o “Anaico”, da KTM, na década de 80, e com ele desafiado águas brancas e quedas d’água dos mananciais do Mato Grosso do Sul onde ele se mostrara insuperável nessa modalidade, o seu valor sentimental, portanto, não era, absolutamente, mensu­rável.

Destacamento Precursor

Ele e sua esposa Vera já haviam encontrado o melhor e mais perto acesso por terra para cumprir esta missão. Era através da Fazenda Boa Vista, que se situava ao Norte do Município de Tapes e ia até a Laguna dos Patos nas proximidades do local onde estava o caiaque a ser resgatado. (Professor Hélio)

O Pedro Auso e sua esposa Vera Regina, de Ca­maquã, decidiram fazer uma incursão terrestre explo­ratória com sua camionete, no dia 08.10.2011, sábado, e conseguiram autorização para adentrar na Fazenda Boa Vista. O Pedro tinha uma ideia aproximada da localização e conseguiu, chegar com sua camionete o mais próximo possível das praias da Laguna dos Patos, aproximadamente a 1,7 km, em linha reta, do alvo. Comunicou-me a proeza e combinamos que, no dia seguinte, nos encontraríamos, acompanhados do Pro­fessor Hélio e sua filha Dafne para executarmos o resgate do “Anaico”.

Fazenda Boa Vista

Localizada a 15 km da sede do Município de Barra do Ribeiro, a Fazenda Boa Vista (ou Fazenda do Zé Taylor) de propriedade do Dr. José Taylor Castro Fagundes, às margens da Laguna dos Patos, é pródiga em belas paisagens e diversidade de biomas. O Dr. Taylor afirma que Borges de Medeiros foi um dos pioneiros na cultura do arroz em terras de várzea na Barra do Ribeiro e que as catorze figueiras, da antiga sede, foram plantadas pelos Jesuítas. A Fazenda serve de referência para os adeptos das cavalgadas e jipeiros que a incluem, sistematicamente, no seu trajeto, além de proporcionar belos locais de pescaria em seus inúmeros açudes.

Operação Resgate

Somente no dia 9 de outubro, num domingo em que até o Sol apareceu contrariando a previsão do tempo, que era de chuvas esparsas em quase todo o estado, conseguimos desencadear a operação de resgate do caiaque que, avariado, ficara escondido atrás de uma duna de areia no último ponto de nossa travessia. Eram 06h30 quando eu e minha filha Dafne passamos na casa do Coronel Hiram Reis para então nos deslocarmos até o quilômetro 332 da BR-116, em Tapes, onde nos encontraríamos com o Sr. Pedro, mais identificado como “São Pedro” por toda proteção e ajuda a nós prestada. (Professor Hélio)

No domingo, 09.10.2011, partimos de Porto Alegre, às 06h40 em direção à BR-116, a meio caminho entre Barra do Ribeiro e Tapes, para encontrar o Pedro Auso no acesso à Fazenda Boa Vista.

Chegamos ao ponto de encontro com seu Pedro cronometradamente juntos e nos dirigimos para a sede da Fazenda Boa Vista, onde deixamos o carro do Coronel Hiram Reis e seguimos na camionete rural do Sr. Pedro, sendo que somente esta conseguiria vencer os precários caminhos a serem percorridos. Durante este trajeto de carro, o Sr. Pedro nos contou que, no dia anterior ele e Dona Vera já haviam ido a este local e caminhado diversos quilômetros tentando achar o caiaque, mas sem sucesso. Por este motivo que a Dona Vera, embora tenha admirado muito o local, teve de ficar descan­sando em casa. (Professor Hélio)

Chegamos juntos ao local do encontro a exatos vinte minutos antes da hora marcada, 08h00. Como o Pedro já tinha feito um reconhecimento prévio, fomos até a sede da Fazenda, deixamos o meu carro e partimos, os quatro, na sua camionete. Perto da penúltima porteira transposta, encontramos um bando de emas correndo pelos campos e avistamos a casa sede da antiga fazenda, cercada por lindas e cente­nárias figueiras. O trajeto até os limites da Fazenda, com a região das Areias da margem da Laguna, é de uma beleza fantástica.

Chegando ao destino, constatei, pelo GPS, que o caiaque se encontrava a 4,5 km ao Sul. Seguiríamos diretamente para a Praia para diminuir a caminhada pelas dunas e, depois, pela Praia até o caiaque. Hidra­tamo-nos, carregamos o mínimo de material necessário e partimos rumo à Praia, percorrendo dunas e terrenos alagadiços. Na Praia, identificamos os eucaliptos men­cionados pelos pescadores e o Sr. Pedro, e novamente verifiquei a distância até nosso objetivo – 3,3 km. Caminhamos junto à água para evitar as areias fofas da margem e, no caminho, admirávamos a vegetação, as imensas e sofridas figueiras e as inúmeras bromélias e orquídeas.

Ao caminhar pela Praia, também observamos belas orquídeas e bromélias junto às dunas, contrastando com o lixo junto às margens levado pelas águas, e inúmeros mexilhões dourados mortos, às vezes, causando mau cheiro. (Professor Hélio)

Depois de caminhar por uns quarenta minutos, chegamos ao local onde deixáramos nosso caiaque e, felizmente, lá estava ele, o remo, o leme, e a saia. Como as águas da Laguna ainda estavam bastante cal­mas, sugeri, ao Hélio que fosse remando até os euca­liptos e lá nos aguardasse.

Nos eucaliptos, fizemos uma pausa para alimentação e hidratação antes de partirmos para o percurso mais estafante que seria o de carregar o caiaque pelas dunas e terrenos alagadiços.

Iniciei, com o Hélio, o transporte pelas dunas e, logo de início, verificamos o quanto seria cansativo tal procedimento. A Dafne carregou o remo e fomos lenta­mente vencendo os obstáculos. Mais adiante, o Pedro me substituiu e fomos nos revezando até chegarmos exaustos ao local onde estava estacionada a camionete.

Fizemos uma parada para descanso e um pe­queno lanche antes de carregarmos o caiaque na cami­onete e retornarmos à sede onde transferimos o caia­que para o meu carro.

Encerramos nossa missão com um almoço no Restaurante das Cucas, na BR-116 – km 338 – Barra do Ribeiro, RS. Nossas expedições pelos caudais da “Terra Brasilis” nos têm propiciado encontrar pessoas fantásticas e muito prestativas como o caso do amigo Pedro Auso e tantos outros cujas amizades fazemos questão de solidificar.

Alma de Marujo

(Antônio Mavignier de Castro)

Amo, às vezes, fitar como os marujos

Do velho cais, ao céu crepuscular,

O perfil oscilante dos saveiros

E o adeus das velas para o meu olhar.

Ao contato dos barcos forasteiros,

Sinto em mim o desejo singular

De correr mundo como os marinheiros,

De ser marujo dominando o Mar...

É que, de certo, em épocas remotas,

As minhas ilusões foram gaivotas

No anil dos mares, ao rugir do Sul...

E, além seguiram – desgraçadas delas! –

O roteiro de Sol das caravelas

Talvez perdidas nesse abismo azul!

 


 

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

 

Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)

Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);

Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);

Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)

Ex-Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);

Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)

Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);

Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)

Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).

Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).

E-mail: hiramrsilva@gmail.com.



[1]    Coa: filtra. (Hiram Reis)

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