Terça-feira, 26 de dezembro de 2023 - 17h05
Bagé, 25.12.2023
Canção do CMPA
(Letra: Barbosa e Souza ‒
Música: Arão Lobo)
Somos espadas de um povo altaneiro,
Somos escudos de grande nação,
Em nossos passos marcham guerreiros
Avança a glória num pendão. [...]
Infelizmente, meu treinamento para a
Travessia da Margem Ocidental da Laguna dos Patos, em homenagem ao Centenário
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA), tanto nas Lagunas Litorâneas, como
no “Rio” Guaíba e na represa da
Granja do Valente, de propriedade da família Schiefelbein, em Bagé, foi
bastante prejudicado por diversos problemas alheios à minha vontade.
Eu teria, desta feita, de enfrentar
“inconstância tumultuária” da Laguna
dos Patos sem estar gozando de minha condição física ideal.
Equipe de Apoio
O Coronel Pastl e o Comandante
Norberto Weiberg, da bela e hospitaleira cidade de Canela, RS, embarcados no “Hagar” um pequeno e versátil veleiro “Day Sailer”, capaz de nos apoiar nas
águas rasas e ultrapassar os extensos bancos de areia dos “Pontais” da Laguna sem a necessidade de longas desbordagens, nos
aguardavam desde a véspera na Boca da Lagoa Pequena, proximidades da Ponta da
Feitoria.
Graças ao Professor Paulo César
Camargo Teixeira, Diretor da Escola Estadual de Ensino Médio Leopoldo Maieron
– CAIC, de Bagé, minha querida parceira de aventuras Rosângela Maria de Vargas
Schardosim pode me acompanhar na primeira perna da Travessia desde a Praia do
Laranjal, em Pelotas até São Lourenço do Sul.
Partida de Bagé (11.04.2012)
Saímos de Bagé, eu e a Rosângela,
depois do almoço, do dia 11 de abril, rumo à Praia do Laranjal, em Pelotas.
Contatamos, pelo celular, o Professor Hélio Riche Bandeira, por volta das
16h00, na Praia do Laranjal e nos deslocamos até a Pousada em que ele estava. À
tarde sem vento prenunciava uma largada tranquila e sem as dificuldades
enfrentadas em setembro do ano passado. Depois de devidamente instalados
recebemos a visita do Sr. Joel Ramos, um veterano e entusiasta canoísta da
região com quem permanecemos conversando até tarde.
Partida da Praia do Laranjal
(12.04.2012)
(Luís Vaz de Camões)
Tão
brandamente os ventos os levavam,
Como quem o
Céu tinha por amigo;
Sereno o ar
e os tempos se mostravam
Sem nuvens,
sem receio de perigo.
O
promontório Prasso ([1])
já passavam
Na costa de
Etiópia, nome antigo,
Quando o
Mar, descobrindo, lhe mostrava
Novas ilhas, que em torno cerca e lava. [...]
Partimos às 05h40 e aportamos, às
07h57, na Ponta da Feitoria (31°41’36,50” S / 52°02’22,18” O), depois de
percorrer pouco mais de 15 km a aproximadamente 7,2 km/h. Desta vez os ventos
suaves de popa nos permitiram atacar o primeiro ponto mantendo uma trajetória
bastante retilínea. Contatamos a equipe de apoio e partimos depois de descansar
uns 30 minutos. Contornando a Ponta da Feitoria avistamos acampamentos de
pescadores de camarão.
A salinidade vinda do oceano,
através da Barra de Rio Grande, alcançou São Lourenço graças à falta de chuvas
na Bacia da Laguna dos Patos. O nível do Mar de Dentro bastante baixo
favorecera o desenvolvimento do camarão e produzira uma safra abundante.
Aportamos às
09h35, sob as belas raízes de uma enorme figueira próxima às ruínas da
centenária sede da Estância Soteia (31°37’52,31” S / 52°00’57,38” O). Este ano,
ao contrário do ano passado, a sujeira gerada pelo desleixo dos pescadores que
acampavam nas cercanias da sede da Estância maculavam a centenária construção.
Já estávamos
partindo quando avistamos a equipe de apoio, conversamos com os amigos
reiniciamos nossa jornada às 10h40 rumo ao Arroio Grande onde fizemos uma
parada para o almoço antes de rumarmos para São Lourenço do Sul onde aportamos
às 16h02.
São Lourenço
do Sul
Na “Terra de Todas as Paisagens”, ficamos
hospedados na Pousada da Laguna Apart Hotel administrada, com esmero, pelo Sr.
Alberto Furlanetto, onde consegui me preparar para a próxima empreitada.
Aproveitamos o bom tempo da
sexta-feira, 13.04.2012, para conhecer o belo Município e sua história
visitando a Fazenda do Sobrado, Boqueirão, São João da Reserva e a Coxilha do
Barão, onde visitamos a casa de Jacob Rheingantz.
Jacob Rheingantz
Jacob
Rheingantz, comerciante e administrador alemão, nasceu no dia 13.08.1817 em
Sponheim, Hamburgo. Filho de Johann Wilhelm Rheingantz e Anna Maria Kiltz,
dedicou-se inicialmente ao comercio e, em 1839, partiu para a França, onde
trabalhou como produtor de Champagne. Em 1840, foi para os EUA onde permaneceu
até 1843, quando veio para o Rio Grande do Sul, estabelecendo-se em Rio Grande,
como empregado na casa comercial de Guilherme Ziegenbein. Em 09.07.1848,
casou-se com Maria Carolina Fella, passando a residir em Pelotas. Em 1856,
comprou terras devolutas na Serra de Tapes, com o objetivo de fundar uma
colônia. Fundou a Colônia São Lourenço, em 1958, em sociedade com José Antônio
de Oliveira Guimarães. (COARACY)
A
primeira leva de imigrantes partiu de Hamburgo com 88 pessoas, vindos no navio
holandês “Twee Vrienden”. Mudou-se
com a família para a própria colônia onde era a autoridade máxima. No ano de
sua morte sua colônia era um sucesso, já tinha um total de 52 mil hectares e
mais de 6.000 moradores, além de 16 escolas particulares [...]. (COARACY)
Partida de São Lourenço
(14.04.2012)
Às 06h00,
partimos confiantes para a segunda etapa de nossa travessia na Laguna dos Patos
rumo à Fazenda Flor da Praia. A suave brisa permitia que aproássemos
diretamente para a Ponta do Quilombo (31°20’00,83” S / 51°51’20,96” O) onde
aportamos às 07h40 e fizemos uma parada de vinte minutos. A partir do Quilombo,
enfrentando ventos de 20 km/h vindos de SE, rumamos diretamente para a Foz do
Camaquã onde aportamos em um bosque de eucaliptos (31°16’44” S / 51°44’16” O).
(Fausta Nogueira Pacheco)
Sucumbido pela tempestade,
Entre ondas gigantescas em cega fúria,
Debate-se contra a força atroz dos ventos
O barco frágil nas águas desses mares,
A terrível procela destemida avança,
Arrebentando suas ondas no convés.
A tripulação vê o horror se aproximando,
E de joelhos prostrada clama aos céus!
Senhor, piedade pela dura sorte,
Que o destino deu a todos nós,
Faça baixar as águas revoltas,
E que o vento enfurecido suba aos
céus!
Os ventos aumentaram
significativamente, a temperatura despencou e uma chuva gelada começou a cair
antes de partirmos. Partimos para a Ponta do Vitoriano e tivemos de fazer uma
parada intermediária, para nos aquecermos, em um pequeno bosque próximo a um
captador de água (31°16’11” S / 51°38’40” O) depois de remar quase 10 km.
Havíamos enfrentando ventos de través, vindos de Sudeste, de 30 Km/h com
rajadas de 50 Km/h e ondas de até 1,5 metro.
Depois desta parada resolvemos remar
diretamente para a sede da Fazenda Flor da Praia (31°08’25,59” S / 51°37’06,85”
O). As enormes ondas nos forçavam a fugir da rebentação e a apenas 1,7 km de
distância de nosso objetivo me distraí, por um momento, e permiti que uma
enorme onda rebentasse sobre o indomável Cabo Horn virando-o. Apenas um pequeno
e gelado susto já que eu estava próximo à margem, foi com muito esforço que
arrastei o pesado caiaque até a praia e retirei a água que invadira o seu “cockpit” até a altura do convés
superior. A ventania assolou não só os Mares de Dentro, mas também as Lagoas
litorâneas, o Rio Guaíba e outros mananciais gaúchos provocando alguns
desastres como o noticiado pelo “Jornal O
SUL” na edição do dia seguinte:
Jornal O SUL, 15.04.2012
Velejadores são resgatados no Guaíba
Quatro velejadores foram
resgatados ontem após acidente com um barco no Rio Guaíba, em Porto Alegre. A
embarcação virou com forte vento. O grupo ficou agarrado nos pilares da ponte.
Após este salvamento, os bombeiros foram ao Arroio das Garças, em Canoas,
atender outra ocorrência de barco que virou. Ninguém ficou ferido.
Aportei na praia da Fazenda Flor da
Praia às 15h30 e procurei o capataz que permitiu que acantonássemos em um dos
galpões da Fazenda. Tivemos de deixar a luz acesa à noite, pois o local estava
infestado de ratos.
Partida da Fazenda Flor da Praia
(15.04.2012)
O Sol reinava soberano e apenas uma
leve brisa acariciava levemente a superfície da Laguna, condições bastante
diferentes do dia anterior. Iniciamos nossa remada, às 08h05, até o Pontal Dona
Maria (31°05’16’’ S / 51°26’19’’ O) onde aportamos na boca do Canal de acesso à
Lagoa do Graxaim, às 11h20. As figueiras e pequenos arbustos “bioindicavam” a direção predominante
dos ventos oriundos de E e NE que açoitam sistematicamente a vegetação nativa.
Do Pontal Dona Maria aproamos, às 11h40, diretamente para o conjunto de
figueiras que ostentavam grinaldas de bromélias e orquídeas (31°01’35,98” S /
51°29’09,89” O) e cujas imagens eu não pudera materializar, no ano passado,
tendo em vista que minha máquina fotográfica emperrara.
Depois de fotografar de todos os
ângulos possíveis daquela paisagem fantástica partimos para o monumento que “homenageia” o General Francisco Pedro de
Abreu (31°00’10’’ S / 51°29’35’’ O), onde chegamos às 14h20. Em 16.04.1839, nas
proximidades deste local, o General Francisco Pedro de Abreu desembarcou as
Tropas Imperiais para o malogrado ataque ao estaleiro Farroupilha na Barra do
Camaquã. Independentemente do alinhamento ideológico daqueles bravos, o CTG Camaquã,
entidades tradicionalistas e o povo de Arambaré reverenciam suas memórias. O jornalista e cientista político Gianni Carta, no seu livro “Garibaldi na América do Sul: O mito do
Gaúcho” mostra como dois jornalistas italianos, Luigi Rossetti, que vivia
no Brasil, e Giovanni Battista Cuneo, radicado no Uruguai, usaram o jornalismo
e literatura como armas políticas construindo a
imagem do “herói de dois mundos”. Rossetti
e Cuneo empenharam-se em forjar a figura excelsa deste guapo herói
gaúcho, uruuaio e italiano que lutou bravamente pela recuperação de uma Pátria
perdida, a sua querida Itália e da construção de outras, um homem que
transcendendo sua vida terrena ganhou notoriedade eterna.
Rossetti e Cuneo, ao transformarem Giuseppe Garibaldi em uma lenda, estavam
divulgando e manifestando seu apoio, na verdade, à doutrina política de
Giuseppe Mazzini.
A promoção
universal, no entanto, do “herói de dois
mundos” aconteceu graças ao jornalista Cuneo que enviava seus artigos para
Mazzini, exilado em Londres, que os reescrevia em francês, inglês e italiano e
os editava em jornais de diversos países. Vejamos o que relata Gianni Carta:
O Povo e a Promoção de Garibaldi
Rossetti ([2]) tinha
de ser discreto ao promover Garibaldi em “O
Povo”. Publicar editoriais não assinados já era uma prática comum no
jornalismo, mas Rossetti a expandiu para a veiculação de pequenas notas sobre
Garibaldi. Embora isso o impedisse de publicar artigos maiores sobre seu
compatriota ‒ o que exigiria uma assinatura ‒, tal prática o protegia,
impedindo que ele, Rossetti, fosse acusado de parcialidade. Aparentemente ele
já percebia uma animosidade contra o estrangeiro que era, por parte dos grandes
e ricos proprietários locais, e isso se confirmaria mais tarde. Em uma carta
para Cuneo ([3]),
Rossetti queixou-se:
O jornal pertence ao governo
e, portanto, tudo deve parecer produzido a partir de seu laboratório.
A Marinha
rio-grandense, com apenas dois lanchões armados, capitaneados por Garibaldi,
tinha um porte muito menor do que a do Brasil, que era a mais poderosa na
América do Sul, contando com 67 navios de guerra. Garibaldi conseguiu fazer
ataques imaginativos ‒ mas limitados ‒ contra navios imperiais ou mercantes. A
maioria desses ataques teve por cenário a Laguna dos Patos, que permite o acesso
ao Atlântico através do canal entre as cidades de Rio Grande e São José do
Norte. Entretanto, os navios imperiais estacionados nos portos de ambas as
cidades impediam o acesso dos rio-grandenses ao Oceano.
Mas um
ataque não poderia ser considerado de sucesso a menos que ganhasse alguma forma
de letra impressa e seu líder fosse glorificado. Mesmo sucessos menores
poderiam ter um impacto negativo sobre os imperiais, ao mesmo tempo que
promoviam confiança entre os republicanos. Dessa forma, a primeira tática de
Rossetti para promover seu compatriota foi contar repetidamente uma mesma
história para fixar o nome de Garibaldi na mente dos leitores de “O Povo”; em quatro edições do jornal ele
publicou pequenas notas sobre o bem-sucedido ataque de Garibaldi a um indefeso
navio mercante brasileiro chamado Mineira.
De nenhuma
maneira este ataque poderia ser considerado um feito naval maior. Mas Rossetti
se esmerava para influenciar os leitores, publicando, a partir de setembro de
1838, umas poucas linhas sobre o fato de que dois navios armados, sob o comando
do Tenente-coronel “Jozé” Garibaldi,
tinham apresado um mês atrás aquele navio mercante. Em outro número, ele listou
a carga do Mineira.
As notas
eram concisas, mas Rossetti publicou ainda informes sobre o apresamento do
navio em mais duas edições. A primeira grande reportagem dedicada aos feitos de
Garibaldi foi estampada com destaque na primeira página de “O Povo”, em 22.05.1839, oito meses
depois da fundação do jornal. Ela versava, na verdade, sobre uma batalha em
terra firme, com a assinatura de Garibaldi como “Capitão-tenente, comandante da Esquadrilha da República”. Em poucas
palavras que antecediam a matéria principal, os leitores tomavam conhecimento
de uma informação de fundo sobre como as forças republicanas tinham enfrentado
os “mercenários do governo brasileiro”
no dia 17.04.1839, um mês antes da publicação. O enfrentamento dera-se em um
estaleiro provisório dos insurgentes, na margem do Rio Camaquã, um dos
afluentes da Laguna dos Patos. Garibaldi escreveu:
O inimigo apareceu, de repente, quase a
meio tiro de Pistola, saindo de um mato que flanqueia o quartel [estaleiro], no
qual atavam então onze homens somente; o que posto, depois de vivo fogo por
espaço de algumas horas, essa horda de escravos
a serviço de assassinos se retiram, deixando no Campo seis mortos e levando
muitos feridos, entre os quais o mesmo Francisco Pedro [Moringue], baleado no
peito e em uma mão. Nós temos seis homens levemente feridos, e lastimamos a
morte de bom Camarada.
Garibaldi estimou as forças
inimigas em “mais de uma centena”,
com infantes e cavaleiros. E acrescentou que muitos dos homens da guarnição
estavam realizando tarefas em outros locais, e não foi possível reuni-los no
calor da hora,
de modo que toda a glória cabe aos onze bravos, por mim antes
mencionados, cujos nomes levarei ao conhecimento do governo para que sejam
devidamente recompensados.
É importante assinalar que por “escravos” Garibaldi [ou Rossetti] se
referia aos soldados do Império Brasileiro, não a negros cativos. Na verdade,
muitos dos soldados imperiais engajados neste combate do Rio Camaquã eram
austríacos. Eram, portanto, mercenários brancos que Garibaldi tratava como “escravos e assassinos” porque
voluntariamente vendiam seus serviços a um império opressor. Garibaldi [assim
como Rossetti e Cuneo] costumava fazer tais comentários sobre os soldados
austríacos ou franceses por causa de sua posição de forças invasoras e de
ocupação da Itália.
Rossetti certamente editou o relato
de Garibaldi e é provável que o tenha reescrito em parte. Naquele momento
Rossetti já vivia no Brasil há mais de uma década e tinha maior fluência em
português do que Garibaldi, o qual passara a metade de seus dois anos na
América do Sul em cativeiro, na Argentina, onde aprendera o espanhol. Em outras
palavras, Garibaldi não teria condições de escrever um relato completo em
português. É possível até que o tenha escrito em italiano, mas mesmo assim
Rossetti teria de, além de traduzi-lo, editá-lo, pois era ele o jornalista
profissional.
Posteriormente Cuneo escreveu
que onze italianos tinham lutado no Camaquã, e Rossetti fora um deles. Esse é
um exemplo transparente de “floreio”.
Cuneo provavelmente sabia, a partir de uma carta recebida de Rossetti, que seu
camarada não lutara no Camaquã. Rossetti contou a Cuneo que tentara se juntar
a Garibaldi no estaleiro, mas a intensa troca de tiros o forçou a escapar a
nado pelo Rio. Pode ser que Cuneo tenha entendido mal o relato de Rossetti. Mas
pode ser também que aquele queria ir além dos fatos para apresentar este como
um valoroso italiano, leal a Garibaldi. Como de costume, Cuneo exaltava o valor
dos italianos para mostrá-los desejosos de pôr a vida em risco na luta pela
liberdade na América do Sul. Dessa forma ele podia reforçar e promover um senso
de “italianità” por meio das
histórias que escrevia e publicava. O jornalista queria descrever para outros
italianos o que poderia acontecer se eles se juntassem à luta para libertar seu
país da monarquia, do papado e dos ocupantes estrangeiros. A mensagem era
clara: sobrevivessem ou morressem, eles seriam os vencedores. Como Mazzini ([4]) argumentava
em seus artigos de jornal, morrer pela Itália deveria ser visto como algo
honorável, abrindo o caminho para futuras insurreições.
Na “Biografia”, Cuneo, como já observado
antes, descreveu todos os combatentes ao lado de Garibaldi como italianos,
embora ele mesmo tivesse condições de saber que isso não era verdade. Por
exemplo, no Camaquã estava o escravo liberto Procópio – foi ele quem disparou
os tiros que feriram o comandante dos imperiais, e por tabela provocou a
retirada das tropas inimigas, embora eles contassem com um número muito mais
elevado de soldados.
Cuneo
publicou seu livro mais de dez anos depois daquela batalha, tendo, portanto,
tempo suficiente para se inteirar da participação de Procópio. Diga-se, porém,
a bem dele, que a “Biografia” foi
escrita com base em suas notas, artigos e cartas, e em sua carta sobre aquele
enfrentamento no Camaquã Rossetti de fato citara apenas o nome dos poucos
italianos que nele tomaram parte. A menos que tivesse acesso a outras
informações ao longo da década após o embate, Cuneo pode ter simplesmente
presumido que todos os combatentes eram de fato italianos.
Mas a “Biografia” contém outras discrepâncias.
Segundo Cuneo, o número dos inimigos a atacar Garibaldi no Camaquã era 120,
diante da afirmação do próprio Garibaldi em “O Povo” de que eram “mais de
uma centena”. De onde Cuneo tirou um número tão preciso? Além disso, o
colega baseado em Montevidéu nunca deu qualquer cifra sobre as baixas.
Em seu
livro de 1860, Alexandre Dumas afirmou que oito republicanos morreram [e não
seis como havia dito Garibaldi] e cinco ficaram feridos [e não os seis
apontados pelo herói italiano].
Pode-se
admitir com segurança que propagandistas como Cuneo e Rossetti – e também
outros com interesses próprios muito fortes, como era o caso do próprio
Garibaldi – faziam “ajustes” factuais
e numéricos para moldar melhor uma imagem heroica do comandante naval. Além
disso, em geral jornalistas preferem números redondos.
Mas, para
além das distorções numéricas ou sobre a nacionalidade dos combatentes, o
relato do enfrentamento no Camaquã é preciso quando afirma que o comandante dos
imperiais foi ferido e que isso determinou a fuga dos atacantes.
Levando em
conta a importância do acontecimento como fonte de propaganda, Rossetti deu
destaque à rivalidade entre Garibaldi e o comandante inimigo. Tratava-se do
Tenente-coronel Francisco Pedro de Abreu, também conhecido como Moringue, por
causa do formato de sua cabeça e de suas enormes orelhas. Rossetti o descreveu
como um eficiente tático em luta de guerrilhas. Em uma de suas reportagens em “O Povo”, Rossetti o chamou de “notório”. Ao ressaltar o valor de
Moringue, Rossetti favorecia o de Garibaldi e de seus homens. (CARTA)
Continuamos
nossa jornada rumo a Arambaré. Navegamos bem próximo à bela praia da Costa
Doce, entramos no Arroio Velhaco e aportamos no Clube Náutico (30°54’38,01” S /
51°29’47,50” O) onde estacionamos nossos caiaques e fomos procurar abrigo no
Destacamento da Brigada Militar comandado pelo Sargento PM Juliano Gajo.
Capital das
Figueiras (16.04.2012)
No dia seguinte
o Sargento PM Juliano nos proporcionou um pequeno “tour” pela cidade e depois nos levou até Santa Rita do Sul onde
visitamos a “Arrozeira Camaquense”,
fundada em 10.06.1948. Ocupando uma posição de destaque, havia um antigo
gerador a lenha, que na época, proporcionava energia suficiente para alimentar o
complexo industrial e a Vila.
Depois de Santa
Rita fomos conhecer a Fazenda da Quinta, situada, hoje, no Distrito da Santa
Rita do Sul, Município de Arambaré de propriedade do Coronel Silvio Luiz
Pereira da Silva ex-Prefeito de Camaquã (1956 – 1959).
Arrozeira
Camaquense
Silvio Luís,
Francisco Luís e Lauro Azambuja fundaram a Arrozeira Camaquense, SA, em
10.06.1948, com participação de outros associados, de Barra do Ribeiro e Tapes.
A sociedade adotou o processo de arrendamento de suas terras. O sistema de
arrendamento da empresa de secagem e beneficiamento do arroz fez crescer o
número de produtores de arroz, aumentando a mão-de-obra onde predominava o
trabalho braçal.
No final da década de 1960, a
empresa passou a ser propriedade exclusiva de um dos acionistas. Desde então se
iniciou o declínio do empreendimento e de Santa Rita do Sul. A Arrozeira foi
comprada por José Cândido Godói Neto, grande acionista da empresa que comprou
as ações dos demais sócios. Após a Revolução Redentora de 1964 o governo
investiu em uma política agrícola que priorizava a produção e produtividade.
Adotou-se um
sistema de créditos e subsídios fomentando a pesquisa, a assistência técnica, a
adoção de tecnologia, o que aumentou intensamente a utilização de máquinas e
insumos de origem industrial. No final da década de 1980, com a adoção de uma
caótica política agrícola, os proprietários de terras voltaram a vender o
patrimônio fundiário. Apenas uma pequena quantidade de produtores conseguiu
manter-se na condição de rizicultor. O maior empregador local passou a ser a
indústria de beneficiamento de arroz, mas como não conseguia absorver toda a
mão-de-obra da atividade agrícola, os trabalhadores da Vila migraram em massa.
Bibliografia
CARTA, Gianni. Garibaldi
na América do Sul: O Mito do Gaúcho ‒ Brasil ‒ São Paulo, SP – Editora ‒
Boitempo, 2013.
COARACY, Vivaldo. A Colônia de São Lourenço e seu Fundador - Jacob Rheingantz –
Brasil ‒ São Paulo, SP ‒ Oficinas Gráficas Saraiva, 1957.
MAZZINI,
Giuseppe. Deveres do Homem – Brasil
– Rio de Janeiro – W. M. Jackson Inc., 1950.
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de
Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor
e Colunista;
Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do
Sul (1989)
Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre
(CMPA);
Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura
do Exército (DECEx);
Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério
Militar – RS (IDMM – RS);
Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando
Militar do Sul (CMS)
Ex-Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia
Brasileira (SAMBRAS);
Membro da Academia de História Militar Terrestre do
Brasil – RS (AHIMTB – RS);
Membro do Instituto de História e Tradições do Rio
Grande do Sul (IHTRGS – RS);
Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia
(ACLER – RO)
Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio
Grande do Sul (AMLERS)
Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da
Escola Superior de Guerra (ADESG).
Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
[1] Prasso: Cabo
da costa Oriental da África (Moçambique), Cabo das Correntes ou ainda Cabo
Delgado. (Hiram Reis)
[2] Luigi
Rossetti: jornalista e intelectual italiano cursara a faculdade de Direito na Itália.
Era carbonário, como este último, sendo vinculados a uma verdadeira
Internacional Republicana, a Jovem Itália, comandada por Giuseppe Mazzini desde
Londres. (Hiram Reis)
[3] Giovanni
Battista Cuneo: marinheiro de profissão, destacou-se posteriormente como
jornalista, político, escritor e revolucionário italiano, com passagem pela
Argentina, Uruguai e Rio Grande do Sul na ocasião em que se formavam as
repúblicas do sul da América. Aderiu ao movimento Jovem Itália e em 1833
conheceu a Giuseppe Garibaldi em Taganrog, no Sul do Mar Negro, a quem
apresentou a organização. Mais tarde se encarregou de difundir as ideias de
Giuseppe Mazzini entre os imigrantes italianos na Argentina. (Hiram Reis)
[4] Giuseppe
Mazzini: político, irmão maçom, membro da Carbonária e revolucionário da
unificação italiana. Mazzini defendia ardorosamente a unidade e a independência
italiana, que deveria ser conquistada pelo povo na forma de uma democracia
republicana. Mazzini na introdução de seu livro “Deveres do Homem” faz uma convocação apaixonada “Aos Trabalhadores Italianos”:
A vós, filhos
e filhas do povo, dedico este livrinho, no qual enuncio os princípios em nome e
por virtude dos quais cumprireis, se quiserdes, a vossa missão na Itália:
missão de progresso republicano para todos e de emancipação para vós. Amei-vos
desde os meus primeiros anos. Os instintos republicanos de minha mãe
ensinaram-me a procurar no meu semelhante o homem, não o rico ou o poderoso; e
a insciente e simples virtude paterna habituou-me a admirar, mais do que a
afetada e presunçosa semi-ciência, a virtude de sacrifício, tácita e
inadvertida, que tantas vezes aparece em vós. Mais tarde, deduzi da nossa
história como a verdadeira vida da Itália é a vida do povo, e como o trabalho
lento dos séculos tendeu sempre a preparar, em meio ao surto das diversas raças
e às mutações superficiais e passageiras das usurpações e das conquistas, a
grande Unidade democrática Nacional. E então, trinta anos atrás, entreguei-me a
vós. Vi que a Pátria Una, dos iguais e dos livres, não sairia de uma
aristocracia que jamais teve entre nós uma vida coletiva e iniciadora, nem da
Monarquia que se insinuou, no século XVI, sobre as pegadas do estrangeiro e sem
missão própria, ‒ entre nós, sem pensamento de Unidade ou de emancipação, ‒ mas
somente do povo da Itália, ‒ e assim o disse. Vi que era preciso subtrair-vos
ao jugo do salário e, a pouco e pouco, com a livre associação, fazer o Trabalho
senhor do solo e dos capitais da Itália ‒ e, antes que o socialismo das seitas
francesas viesse turvar a questão, eu o disse. Vi que a Itália, qual nossas
almas a apresentam, só existiria quando uma Lei Moral, reconhecida e superior a
todos os que se colocam como intermediários entre Deus e o povo, tivesse
derrubado a base de toda autoridade tirânica, o Papado, ‒ e assim o disse.
Jamais, por loucas acusações e calúnias e derrisões que me foram lançadas, eu
vos traí e à vossa causa, nem desertei a bandeira do futuro. Restam-me poucos
anos de vida, mas o estreito pacto que esses poucos comigo firmaram não será
violado por coisa alguma que suceda até o meu último dia, e talvez lhe
sobreviva. (MAZZINI)
Galeria de Imagens
* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
Bagé, 20.12.2024 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 3.184, Rio, RJSexta-feira, 25.10.1963 Sindicâncias do Sequestro dão e
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – VI
Silva, Bagé, 11.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 224, Rio de Janeiro, RJ Quarta-feira, 25.09.1963 Lei das Selvas T
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV
Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III
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