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Hiram Reis e Silva

Terceira Margem – Parte DCLXXXIV - Circunavegação da Laguna dos Patos Parte II


Terceira Margem – Parte DCLXXXIV - Circunavegação da Laguna dos Patos Parte II - Gente de Opinião

Bagé, 03.01.2024

 

Rumo à Costa de Santo Antônio (25.05.2015)

A Rosângela me ajudou a carregar o material até o Clube Náutico e depois o caiaque até o Arroio Velhaco de onde parti por volta das 06h20. Aproei diretamente para o Pontal D. Helena enfrentando ondas de través de mais de metro geradas por um vento de Sudeste de 20 km/h. Depois de uma breve parada no Pontal, continuei a viagem com a proa voltada para o Pontal de Santo Antônio e aproada com o Sol, que chamejava logo acima da linha do horizonte.

Os bancos de areia no entorno do Pontal D. Helena forçavam-me a alterar a rota constantemente. O vento aumentou de intensidade e as ondas de través de mais de metro e meio golpeavam com violência a Alheta de Boreste do meu valoroso caiaque que seguia seu curso impassível como um Lorde britânico, estável, firme, inabalável como um rochedo. Aportei a uns 4 km adiante do Pontal. Subi na duna mais alta e tentei, sem sucesso, falar com o Coronel Pastl e familiares, final­mente consegui me comunicar com a Rosângela e pedi que os mantivesse informados de minha progressão. O vento e as ondas amainaram, tinha decidido remar forte, sem parar até o pôr-do-sol, quando, de repente, fui convidado a parar no acampamento do simpático pescador Vanderlei Pereira (30°38’56,0” S / 51°18’04,3” O) que me acenava vivamente desde a praia.

O acampamento simples primava pela limpeza e higiene, dos 17 cães de outrora só contei quatro agora. É uma parada emergencial bastante interessante, com abrigo e fogão à disposição. Comuniquei-me por telefo­ne com meu pessoal, e, depois de um gole de café, despedi-me do gentil amigo e seus parceiros continuan­do minha jornada remando forte aproveitando o vento de popa. Aproei rumo às falésias procurando encurtar caminho evitando contornar a longa e suave enseada de Santo Antônio. Por volta das 16h00, apareceram es­tranhas nuvens encurvadas e resolvi, por segurança, me achegar mais da margem. Eu tinha de me aproxi­mar, o mais possível, do Morro da Formiga para conse­guir, no dia seguinte, aportar na Vila de Itapoã onde me abrigaria na aprazível Pousada dos Quiosques pro­tegido do mau tempo previsto para a quarta-feira (27).

Aportei no mesmo local onde eu e o professor Hélio acampáramos, no dia 24.09.2011, e encontrei ali os vestígios da enorme fogueira que acendêramos com o objetivo de sinalizar para o Coronel Pastl. Montei a barraca atrás das dunas e coloquei o caiaque como quebra-vento e ponto de ancoragem da barraca caso os ventos de Este aumentassem. Consegui, de uma duna mais alta à SO do acampamento, falar com a Rosângela e informar-lhe que estava tudo bem. A noite foi tran­quila, a duna abrandava razoavelmente as rajadas do vento. Percorrera 63 km, totalizando 485 km.

Rumo à Itapoã (26 a 27.05.2015)

Acordei cedo, comuniquei-me com a Rosângela, desmontei a barraca, preparei as mochilas, arrastei o caiaque vazio para a praia, carreguei o “Cabo Horn” e parti às 07h30. Aproei para o acampamento dos pescadores da Praia do Canto do Morro à Oeste do Morro da Formiga. Enfrentei ondas de até dois metros de altura na Costa de Santo Antônio, felizmente as pachorrentas “Três Marias” mais pareciam rechonchu­das e morosas matronas romanas, naveguei longe da costa procurando evitar a rebentação. Aportei, depois de remar 18 km, no acampamento dos pescadores, cumprimentei-os e segui, em seguida, minha rota, já que meu caro amigo Vlademir S. Rodrigues se encontrava em tratamento de saúde. O acampamento estava, estrategicamente, protegido dos ventos pelo Morro da Formiga. Logo que contornei a Ponta da Formiga comecei a enfrentar fortes ventos de través e contrariando a orientação dos amigos pescadores rumei direto para o Farol de Itapoã. Logo que atingi a Latitude do Farol procurei me abrigar dos ventos refugiando-me na Costa Leste. Remei direto até a Pousada dos Quiosques, por 29 km, sem parar totalizando 532 km. Concluí a Circunavegação da Laguna dos Patos, aportando na Vila de Itapoã.

1. Assim os céus, a terra e todo o seu exército foram acabados.

2. E havendo Deus acabado no dia sétimo a obra que fizera, descansou no sétimo dia de toda a sua obra, que tinha feito.
(Bíblia Gênesis 2:1-3)

Foram 14 dias, com 3 de descanso. Como o Grande Arquiteto do Universo descansaria 2 dias, se tivesse concluído sua criação em duas semanas, eu, um humilde servo do Senhor, tive de parar um dia a mais.

Foram 532 km de uma dura prova. Nos três dias de descanso a minha amada Rosângela Maria de Vargas Schardosim estava comigo, uma “companheiraça”.

Como a previsão do tempo para a quarta-feira (27.05.2015) era de muita chuva e vento optei por permanecer confortavelmente instalado na Pousada dos Quiosques, na Vila de Itapoã. O velhinho não é de ferro!!!

Rumo à Ilha do Chico Manoel (28.05.2015)

Parti da Vila Itapoã, com destino à Ilha do Chico Manoel, às 09h30. As ondas de través de quase três metros golpeavam a Bochecha de Bombordo do meu “Cabo Horn” com violência enquanto rajadas de vento de 50 km/h tentavam arrebatar meu remo. O caiaque, fabricado pelo amigo Fábio Paiva, corcoveava altaneiro sem perder o prumo e a rota. Ao passar próximo aos Pontais as ondas formavam um formidável banzeiro golpeando a proa e a bochecha de Bombordo e Boreste alternadamente. Lembrei-me dos tempos de guri quando gineteava com os irmãos Marcelo e Maurício Fernandes Hunnicutt os novilhos da Fazenda de seu pai em Pouso Alegre nas Minas Gerais.

Aportei às 12h00 na Ilha onde o Toco, alertado pelo amigo velejador Christian Willy, já me aguardava com as instalações em condições. Meu amigo zelador estava empenhado numa pesada faxina em decorrência do temporal do dia anterior. Tomei um banho quente, coloquei uma roupa seca e ingeri massa crua a título de refeição para me recompor. Foi um deslocamento de apenas 17 km, totalizando 549 km.

Rumo Praia de Ipanema (29.05.2015)

Parti às 06h30, o amigo Toco ligara o gerador permitindo que eu arrumasse minha bagagem com mais facilidade. Foi um deslocamento lento e tranquilo até a Ponta Grossa, onde cheguei às 08h45. Aportei na Praia de Ipanema exatamente às 10h00 como progra­mara, depois de remar 18 km, totalizando 567 km. Lá estava o pessoal da Comunicação Social do Comando Militar do Sul, liderados pela Major Mônica.

Dez minutos depois chegou a repórter Lara Ely da Zero Hora que publicou a reportagem no dia seguin­te.

Zero Hora, sábado, 30 de maio de 2015

Contra Capa

O Coronel da Lagoa dos Patos: Ondas de quase três metros e vento de 50 km/h são alguns dos desafios que Hiram Reis e Silva, 64 anos, e seu caiaque enfrentaram durante a jornada de 567 quilômetros desde Viamão até Pelotas e de lá até Ipanema. A viagem de 14 dias do militar da reserva pelas águas doces pode virar um livro. Sua Vida | 28

Sua Vida ‒ Página 28

Aventura no Mar de Dentro

De caiaque, aos 64 anos, Coronel do Exército concluiu ontem volta completa pela Lagoa dos Patos.

Repórter LARA ELY

Ao desembarcar ontem pela manhã na praia de Ipanema, na Zona Sul de Porto Alegre, o Coronel da Reserva do Exército Hiram Reis e Silva concluiu uma jornada de 567 quilômetros em 14 dias. A bordo de um caiaque, ele completou uma volta completa pela Lagoa dos Patos.

Apesar da experiência conquistada ao percorrer mais de 11 mil quilômetros por vias aquáticas que circun­dam tribos indígenas e florestas tropicais da Ama­zônia, o militar não teve facilidades na expedição gaúcha: enfrentou ventos de 50 km/h e ondas com quase três metros de altura.

E há de se levar em conta que, para quem já tem 64 anos, virar o caiaque, comer macarrão desidratado e passar frio por duas semanas [com apenas três dias de descanso] são adversidades consideráveis. Hiram encarou-as com muito bom humor.

  Prefiro viver dessa maneira a ficar sem fazer nada em casa – afirma o coronel.

Esta é a sexta vez que o militar percorreu a lagoa, mas a primeira em que conseguiu finalizar todo o percurso. A aventura começou na manhã do dia 13, tendo como ponto zero a Praia da Varzinha, em Viamão. Em direção ao Sul, ele optou por remar na margem mais ventosa, a Oriental, e contar com a ajuda do “Nordestão” para descer até Pelotas.

  No primeiro dia, o barco que me acompanhava teve a vela rasgada. Depois, em São Lourenço, deu pane no motor, e tive de seguir sozinho até o fim.

Remando em média nove horas por dia, Hiram preencheu os dois compartimentos de carga do caiaque oceânico com um colchão de ar, um saco de dormir, travesseiro inflável, roupas e alimentos [basicamente água e massa desidratada].

  Ter um bom caiaque é fundamental para o remador. É como o cavalo e o cavaleiro, os dois formam um conjunto – compara.

Os três dias de descanso foram gastos com pesquisa e anotações em locais como Vila Itapuã, Tapes, Arambaré e a Fazenda Soteia, em Pelotas.

O feito faz parte de um projeto abrangente denominado “Jornada pelos Mares de Dentro”, que incluiu a circunavegação da Lagoa Mirim, realizada nos meses de dezembro de 2014 a janeiro de 2015. A partir da experiência, o Coronel pretende escrever um livro e registrar histórias e curiosidades desses mananciais.

O projeto é independente e conta com ajuda de 150 apoiadores. A ideia surgiu como uma forma de manter a atividade e driblar a depressão depois que a mulher, Neiva Maria, sofreu um AVC e ficou em estado semivegetativo – como vive há 11 anos. Os gastos no cuidado com ela são altos e, por isso, fica difícil publicar os livros. Mas Hiram não desiste: ele sabe que, quando for a hora, conseguirá cumprir a missão e imprimir as melhores histórias. Até lá, seguirá remando em busca de novas descobertas, com a aprovação dos filhos.

  No início, ficávamos preocupados. Depois nos acostumamos. Sabemos que ele chegará bem – diz a filha Vanessa Mota Reis e Silva. (Continua...)


 

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

 

Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)

Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);

Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);

Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)

Ex-Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);

Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)

Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);

Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)

 

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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