Segunda-feira, 3 de julho de 2023 - 06h00
Bagé, 03.07.2023
Valquírias Americanas
Guerra do Paraguai
(Franklin Dória)
Um dia tu
soubeste, ó povo brasileiro,
Da
afronta que lançou-te o bárbaro estrangeiro
Num
ímpeto de orgulho e indômita ambição.
Ouviste a
nova infanda ([1]) entre
magoado e pasmo,
Mas logo
após, aceso em santo entusiasmo,
Dos lábios
irrompeu-te irosa exclamação.
‒ Que!
Somos nós, ‒ disseste, ‒ o pueril joguete
De um
vizinho infiel, que assim nos acomete
Sem
causa, à falsa fé, como um salteador?
Toldou-se-lhe
a razão? Persegue-o uma quimera?
Que
pretende de nós? De nós o que é que espera?
A palma da
conquista?! Os foros de senhor?
Há muito
que em silêncio o seu olhar dilata
Das raias
da república até a foz do Prata.
Sonhando
o predomínio em outras regiões.
Seus
lances disfarçado há muito que calcula;
Nos
grandes arsenais petrechos acumula;
Bélicos planos
traça e engrossa batalhões.
Sua
intenção funesta anima a negra ofensa,
Que, para
doer mais, parece a recompensa
De
preciosos bens que ingrato recebeu.
E,
começando infrene a obra da maldade.
Não
lembra que a conquista à luz da liberdade
É hoje o
espectro vão de Atila ou de Pompeu!
Do
servilismo o preito acaso não lhe basta?
Nem sua
autoridade imperiosa e vasta,
Que
simboliza a lei, o direito, o poder?
De uma
bela nação intolerante dono,
Dos
súditos verdugo em vez de seu patrono,
Quer a seus pés
prostrado um povo livre ter?
Não! Para
castigar o déspota arrojado
Cada um
cidadão transforme-se em soldado
De
vontade constante e de ânimo viril!
A Pátria
envergonhada exige nosso culto.
Às armas!
Corresponda a vingança ao insulto!
Às armas! Já e
já, por nós, pelo Brasil!
Então do
Sul a Norte e de Leste a Ocidente,
Voando o
eco longe, agreste e docemente
Na Cidade
e na Vila e na Aldeia soou.
E ao
mesmo tempo o velho, o levou, o menino,
Como se
repetisse o estribilho do um hino,
Por nós, pelo
Brasil, às armas! Replicou.
Cada dia
depois, desde o raiar da aurora,
Se ouvia
um longo adeus e saudação sonora
Onde se
erguia um teto e crepitava um lar.
Era um
vivo alvoroço ostentando-se fausto!
Prenúncio
encantador do celeste holocausto
Que ia ser
ofertado, ó Pátria, em teu altar
Do
pomposo Palácio e da casa modesta,
Entre bênçãos
de amor e júbilos de festa,
Saíram
campeões sempre a mais e a mais.
Todos
quantos mover puderam sem tardança
Uma
espingarda, um sabre, uma espada, uma lança,
Oh! Todos o
dever associou leais.
Já ergue
o colo a guerra e temerosa estruge,
Como
revolto mar que enfurecido ruge
Quando à
praia deserta em tempestade aflui.
Já
fere-se a primeira, inaugural batalha!
Relâmpago
sinistro anuncia a metralha!
Armada contra
armada entre pelouros ([2]) rui.
Sobre o
rio, que tinto em rubro sangue estua ([3]),
Morto o contrário
tomba ou trêmulo flutua,
Ao troar
dos canhões da Frota Imperial!
Tremendo
pelejar! combate peregrino,
Que faz
Riachuelo igual a Navarino ([4]),
E arroja um
turbilhão ao líquido cristal!
Entanto, quando o crime, o incêndio e a pilhagem
Pelo chão brasileiro abriram a passagem
À tropa canibal do trêfego ([5])
invasor.
Vendo a Pátria em perigo, um ínclito ([6])
soldado,
Pelos heróis de Homero acaso modelado,
A súbitas
partiu. Quem foi? o Imperador!
No
incruento prélio, altíloquo ([7]) poema,
Um laurel
lhe esmaltou o puro diadema.
Herança
gloriosa, imenso cabedal.
E
volvendo a seu trono, ai majestosa sede
Onde ao
rei virtuoso o sábio não excede,
O cinge o
resplendor do triunfo imortal!
Por uma
região do mundo sequestrada
Empreendeu-se
após aspérrima jornada
De cruas
privações e de penoso afã.
Em seu
peregrinar, sem exemplo na história,
Os
lidadores vão, de vitória em vitória,
Desde o Passo da
Pátria até Aquidabã!
Nas batalhas campais, nas mínimas contendas,
Obraram
mil e mil façanhas estupendas,
Que a
fama proclamou e altiva redirá.
Foi-lhes
mister até mais que valor e tino,
Sobre-humano
labor, quase esforço divino,
Pra
galgarem além da fera Humaitá!
Lutaram
sem cessar! Bateram-se temíveis!
Tiveram
muita vez recontros impossíveis,
Novos
Bayards ([8]),
mostrando a sua impavidez!
Dizei que
fez Ozório, o herói legendário,
Quando o
primeiro abriu o longo itinerário,
E dizei Porto
Alegre em Tuiuti que fez!
Chegando
tu por fim, lhes tomas a vanguarda
Como seu
General e seu Anjo da Guarda,
Tu,
príncipe gentil! Tu, jovem Conde D’Eu!
Se ateia
o entusiasmo acrisolado, ardente,
No grande
Capitão, de Marrocos valente,
O poderoso
Exército inteiro se revê.
E teu
gládio o conduz a ínvias cordilheiras;
E ele
avança, avança em cerradas fileiras,
Peleja
aqui, além; cerca, assalta, destrói!
Teu
exemplo o transporta e a coragem lhe expande.
Em
Pirebebuí, depois em Campo Grande,
Sublime
sobressais entre os heróis, herói!
As tuas
legiões, que o perigo inebria,
Sustentaram
assim a renhida porfia.
Na Pátria
o pensamento, a esperança no céu!
Tendo
Câmara à frente, em seu extremo abrigo
Somente
deram trégua ao pérfido inimigo
Quando foi sua
espada o último troféu!
Ele
expiou com a morte a afronta e o louco intento.
Em seu
próprio País, sem pranto nem lamento,
Em erma
sepultura ei-lo! execrado jaz.
E,
enquanto um povo irmão desperta à liberdade.
Refulge
em nosso céu com doce claridade
A aurora
festival de gloriosa paz!
(A VIDA FLUMINENSE N° 125)
Bibliografia
A Vida FLUMINENSE N° 125. Poema – Guerra do Paraguai, Franklin Dória – Brasil – Rio de
Janeiro, RJ – A Vida Fluminense: Folha Joco-Séria Illustrada n° 125,
21.05.1870.
(*)
Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas,
Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
[1] Infanda: torpe. (Hiram Reis)
[2] Pelouros: projetís de pedra. (Hiram Reis)
[3] Estua: arde. (Hiram Reis)
[4] Navarino: Batalha Naval (20.10.1827), durante a Guerra da Independência
Grega, na Baía de Pilos (antiga Baía de Navarino). (Hiram Reis)
[5] Trêfego: manhoso. (Hiram Reis)
[6] Ínclito: ilustre. (Hiram Reis)
[7] Altíloquo: eloquente. (Hiram Reis)
[8] Bayards: Pierre Terrail LeVieux, Senhor de Bayard, militar francês,
herói na Guerra Italiana (1521 a 1526) e conhecido como o “cavaleiro medieval ideal, sem medo e irrepreensível”. (Hiram Reis)
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