Segunda-feira, 10 de julho de 2023 - 06h15
Bagé, 10.07.2023
Valquírias
Americanas
Diário de Belém n° 97
Belém, PA – Domingo, 01.05.1870
Notícias Diversas
Inumação de López e
de seu filho por Lynch – Um jornal de Assunção publica o seguinte:
À respeito
da Madame Lynch, referem um tocante episódio, cuja veracidade me garantem. De
uma carta que tenho presente transcrevo o seguinte:
Sepultado
seu filho Pancho muito à superfície da terra pelos soldados, notou-o Madame
Lynch, que chegando-se à cova com os outros filhos procedeu a sua exumação,
lavando depois o cadáver que com suas próprias mãos vestiu-o com roupa limpa,
enquanto os dois filhos e a menina choravam.
Aprofundaram
a cova com tábuas de caixas de cigarros, tomando medida com tiras arrancadas de
seu vestuário.
Finda a
operação, foi de novo sepultado López pai, em primeiro lugar, e depois de
coberto com uma débil camada de terra que os, pequenos socaram, puseram o filho
por cima.
Como naquele
momento manifestasse um oficial seu pesar pela morte do moço, voltou-se para
ele um dos meninos, e disse-lhe:
‒ Um Coronel paraguaio não
se entrega, morre!
Carta de Madame Lynch
– A “Voz del Pueblo” de Assunção,
publica a seguinte carta de Mme Lynch:
À bordo do vapor “Chuhy”, março de 1870.
Minha querida. ‒ Já você terá
sabido das minhas incomparáveis desgraças e da perda que sofri de tudo que
tinha de mais caro neste mundo. Hoje só me resta o triste consolo de que López
e Panchito [o filho] foram mortos como heróis, e, se eles não vivem para nós
outros, viverão eternamente na história, que há de fazer justiça àquele que
foi o sustentáculo e glória da independência da sua Pátria.
Estou de viagem para a Europa, e
por meu pedido embarquei em um navio brasileiro, logo que tive notícia de que
alguns traidores paraguaios intentavam insultar-me. Por esse motivo não
saltarei em terra apesar do grande desejo que tenho de vê-la, e espero que você
venha visitar-me, ou de noite ou de dia, pois necessito falar-lhe e ser-me-á
muito sensível partir sem dar-lhe um abraço.
Preciso de muitas coisas, pois
trago poucos vestidos, havendo as mulheres paraguaias roubado tudo o mais que
eu trazia. É incrível o que se há passado, pois os próprios sacerdotes
paraguaios chegaram a roubar os vasos e outros objetos da igreja! Quero,
portanto, que a minha amiga me compre os objetos da seguinte relação, cujo
importe daqui lhe enviarei:
‒ Amostras de fazendas pretas,
meias para meninos e para mim, meia dúzia de calçados para todos, duas capas
pretas, duas peças de cambraia preta, uma tesoura para unhas, linhas branca e
preta, agulhas, um véu preto, doze lenços, três merinaques ([1])
grandes e um pequeno, três chapéus pretos para meninos, dois pares de luvas de
seda preta, lacre preto, um baú, um pote de pomada, e a coleção dos periódicos
que se publicam em Assunção.
Sei
que lhe causarei muito incomodo com essas compras, porém julgo que hoje que me
vejo desemparada, você, como outras, não me voltará as costas. Eu não sou
prisioneira, e aqui me deixo ficar por conveniência particular; não tema pois
comprometer-se procurando-me, e não lhe dê isso cuidado.
Os
meninos estão bons e todos nós lhe enviamos afetuosas lembranças, e muito
especialmente ‒ Elisa A. Lynch.
N. B. ‒ o
vapor joga muito e quase não me deixa escrever. (DIÁRIO DE BELÉM N° 97)
Diário de S. Paulo n° 1.404
São Paulo, SP –
Sexta-feira, 20.05.1870
Diplomacia
Transcrevemos, abaixo, as notas
trocadas pelo Sr. Paranhos e o governo provisório do Paraguai, à respeito de D.
Elisa Lynch, nossa prisioneira:
Missão especial do Brasil. Assunção, 13.04.1870.
Ilm° e Exm° Sr. ‒ Tenho a honra
de levar ao conhecimento de V. Exª uma nota, aqui junta em original, que
dirigiu-me o Governo Paraguaio a respeito da prisioneira Lynch e a cópia da
resposta que dei ao mesmo governo.
A morte de López tem exaltado o
ressentimento de suas vítimas, e feito aparecer pretensões desarrazoadas. A
nota do Governo Provisório e a petição que lhe veio anexa são consequência
dessa tendência reacionária. Creio que a minha resposta merecerá a aprovação
do Governo Imperial. O Governo Provisório lhe deu logo publicidade no periódico
“Regeneración”, e o efeito dessa
publicação, segundo me consta, foi-nos favorável na opinião de nacionais e
estrangeiros. Queira V. Exª aceitar os protestos de minha perfeita estima e
mais alta consideração.
A S. Exª o Sr. Barão de Cotegipe,
Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Marinha e interinamente dos
Negócios Estrangeiros – José Maria da Silva Paranhos.
Assunção, 28.03.1870.
O abaixo assinado tem a honra de passar às mãos de V. Exª,
em original, o requerimento feito por mais de cem senhoras paraguaias, reclamando
a restituição de joias que lhes foram extorquidas, e se acham em poder de D.
Elisa Lynch, a qual, aprisionada em Cerro Corá, por ocasião da última vitória
das armas brasileiras, se acha hoje asilada em um navio de guerra surto no
porto de Assunção. O abaixo assinado nada dirá, senhor, que dê mais força ao
pedido das despojadas do que aquilo que expõe ao seu governo. Elas pedem
providências, e esperam justiça do ânimo reto de V. Exª.
É justo, Sr. Ministro, que a
bandeira brasileira, que simboliza uma nação generosa e hospitaleira, proteja a
pessoa de Lynch, aprisionada no campo de batalha, mas não se compreende que
essa mesma bandeira, laureada pela vitória, cubra os objetos arrebatados por
essa mesma mulher aos restos desvalidos de um povo, para o qual foi um
instrumento de martírio e extermínio.
É pois em virtude destes fatos, tão notórios como verídicos,
que o abaixo assignado pede a V. Exª, em nome do governo, sirva-se tomar alguma
providência para serem restituídos a seus legítimos donos os escassos restos da
grande quantidade de objetos preciosos, que lhes foram roubados pelo tirano, de
quem foi cúmplice a mesma mulher que, sem pudor, deles apropriou-se
indevidamente.
Terminará o abaixo assinado,
fazendo presente ao Sr. Ministro que uma nação inteira, composta de nacionais e
estrangeiros, é testemunha irrecusável de que D. Elisa Lynch não exerceu outra
ocupação ou indústria no País, a não ser a sua constante dedicação a cativar o
afeto do homem funesto, que a constituiu árbitra da honra, da vida e da
propriedade das desgraçadíssimas filhas deste País.
D. Francisco Solano não podia
dar a Lynch valores que ele mesmo roubou, e para cuja indenização o Governo
Provisório com justiça decretou o embargo de bens tidos como sua propriedade; e
finalmente, para que nada falte à condenação dessa propriedade, tão injusta
como escandalosa, em nome da qual D. Elisa Lynch pretende ficar com o que
legitimamente pertence àquelas que ontem foram vítimas, é sabido na Europa e na
América que os valores, de que se diz dona, são o preço da metade de um leito
vazio, vendido a um homem estranho que usurpou os legítimos direitos de um
esposo abandonado.
O abaixo assinado, esperando que
a resolução que o Sr. Ministro tomar venha robustecer o justo apreço que o povo
paraguaio tributa ao seu nome, tem a honra de reiterar a V. Exª, seu alto
apreço e distinta consideração. ‒ Carlos Loizaga:
Nós, as
senhoras abaixo assinadas, ex-residentes desta cidade, perante V. Exª, com o
devido respeito expomos: que na época em que o tirano Solano López determinou
brutalmente que desocupássemos esta cidade, abandonando todos os nossos interesses
e comodidades, fomos injustamente despojadas pelo dito tirano de um número
considerável de joias e outros objetos de nossa propriedade. Fazemos especial
menção à essa época, se bem que já anteriormente, sob vários pretextos,
havíamos também sido despojadas, e assim vimos, Exm° Sr. desaparecer
sucessivamente tudo quanto constituiu a única fortuna que nos havia ficado para
sustento de nossos filhos de volta do desterro.
Hoje, Exm° Sr., acha-se neste
porto aquela que mais influiu para estas extorsões, aquela que mais se
aproveitou delas, aquela que tem ainda em suas mãos o corpo de delito, isto é,
as joias de que fomos despojadas por sua desmedida cobiça, Falamos da Sra.
Lynch.
Portanto, recorremos a V. Exª,
suplicando-lhe faça efetivo neste caso o decreto recentemente publicado,
tomando as medidas que julgue convenientes, afim de obter uma reparação
reclamada pela justiça e até pela necessidade, não permitindo por conseguinte
que a Sr.ª Lynch, contra a qual se levanta a voz de todo um povo justamente
indignado, abandone o teatro de seus crimes, levando os despojos de tantas
vítimas e deixando-nos, especialmente à nós, uma justa reparação de nossos
interesses e vexames.
É graça e justiça. [Seguem-se as
assinaturas]
Missão Especial do Brasil.
Assunção, 31.03.1870.
O abaixo assinado, do Conselho
de Sua Majestade o Imperador do Brasil, e seu enviado extraordinário, e
ministro plenipotenciário em missão especial, tem a honra de responder à nota
que lhe foi dirigida, em 28 do corrente, por S. Exª o Sr. D. Carlos Loizaga,
membro do Governo Provisório da República do Paraguai e encarregado do
Ministério das Relações Exteriores, relativamente à prisioneira Elisa Lynch.
O abaixo assinado sente que o
Governo Provisório, antes de passar-lhe aquela nota, não o houvesse ouvido, por
que teria poupado ao mesmo abaixo assinado um duplo desgosto, o de recusar-se a
um pedido tão instante de S. Exª, e o de receber uma solicitação que labora em
falso pressuposto e que em nenhum caso poderia ser atendida como se deseja.
Não cabe aqui apreciar o
caráter e vida da prisioneira de que se trata, o que só importa ao abaixo
assinado é a questão de dignidade nacional e de direito, que a pretensão de que
se fez órgão o Governo Paraguaio levanta ante as autoridades brasileiras, sob
cuja guarda e proteção se acha aquela mulher. Dado que Lynch seja cúmplice em
todas as crueldades e espoliações cometidas por López, e que tivesse em seu
poder os bens que se reclamam, não seria possível que a autoridade brasileira,
sob cuja bandeira caiu ela prisioneira, se constituísse executora de uma medida
tão arbitrária e violenta.
A nossa bandeira não inocenta o
crime, mas também não recusa aos vencidos a proteção que é devida à desgraça,
menos pode condenar sem outras provas que a palavra do acusador, por mais
simpatias que devam merecer-lhe e merecem as vítimas da extinta tirania.
Como Lynch se acha em plena
liberdade de defesa, cabe aos interessados intentar as indenizações civis a que
se julguem com direito, e para isso crê o abaixo assinado garantia suficiente
os bens que a acusada possuía no território paraguaio e que lhe foram
embargados por um decreto do Governo da República.
S. Exª o Sr. Loizaga e o seu
governo presumiam, bem como as assinantes da petição que foi presente à esta
legação, que Lynch trazia consigo uma grande riqueza.
Esta suposição não é exata,
como o prova o inventário de tudo quanto ela trouxe no coche em que foi
aprisionada, e que a natural generosidade do vencedor lhe deixou intacto.
Esse inventário foi feito por uma respeitável comissão de
oficiais brasileiros a bordo do navio onde se acha a dita prisioneira, e
ordenado por Sua Alteza Real o Sr. conde d’Eu, de acordo com o abaixo assinado,
no intuito de acautelar interesses de maior monta do que os que se apresentam
reclamando agora, depois que os aliados consumaram a sua vitória contra o
ex-ditador. Os bens móveis que constam desse inventário não constituem grande
valor, e de certo representam muito menos do que Lynch poderia ter adquirido
legitimamente no Paraguai.
O abaixo assinado devolve a petição que acompanhou a nota
acima mencionada, e aproveita a ocasião para reiterar a S. Exª o Sr. Loizaga
os protestos de sua perfeita estima e alta consideração. A S. Exª o Sr. D.
Carlos Loizaga, membro do governo provisório da República do Paraguai e
encarregado do Ministério
das Relações Exteriores. ‒José Maria da Silva Paranhos. (DIÁRIO DE S. PAULO N°
1.404)
Bibliografia
DIÁRIO DE BELÉM
N° 97. Notícias Diversas – Brasil – Belém, PA – Diário de Belém
n° 97, 01.05.1870.
DIÁRIO
DE S. PAULO N° 1.404. Diplomacia –
Brasil – São Paulo, SP – Diário de S. Paulo n° 1.404, 20.05.1870.
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de
Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor
e Colunista;
Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do
Sul (1989)
Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre
(CMPA);
Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura
do Exército (DECEx);
Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério
Militar – RS (IDMM – RS);
Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando
Militar do Sul (CMS)
Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia
Brasileira (SAMBRAS);
Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil
– RS (AHIMTB – RS);
Membro do Instituto de História e Tradições do Rio
Grande do Sul (IHTRGS – RS);
Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia
(ACLER – RO)
Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio
Grande do Sul (AMLERS)
Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da
Escola Superior de Guerra (ADESG).
Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
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