Quarta-feira, 7 de fevereiro de 2024 - 06h10
Bagé, 07.02.2024
Tendo chegado a Alegrete depois de marchas
de 7 e mais léguas por dia, dirigia-se Sua Majestade à Matriz, onde fez oração,
visitando depois os quartéis, as enfermarias e mais estabelecimentos públicos,
e distribuindo constantemente esmolas por onde passava, e onde quer que se
hospedava. Entretanto convinha demorar-se pouco em Alegrete, porque a sua
principal mira era chegar quanto antes a Uruguaiana.
No dia 09.09.1865, pelas 09h00, já fazia o Imperador caminho
da Vila de Uruguaiana, onde chegou no dia 11, fazendo [parece incrível!] 15
léguas por dia! Os Generais Mitre, Presidente da República Argentina, e Flores,
nossos dignos aliados, em companhia do Vice-almirante Visconde de Tamandaré,
correram a encontrar-se com Sua Majestade. Foi notável o encontro dos três
Chefes das nações aliadas, pela afabilidade com que se saudaram, trocando-se
reciprocamente as mais lisonjeiras e afetuosas palavras. Seguiram, após isto,
todos juntos, tendo o Imperador acampado no meio do Exército, em distância
aproximada de uma légua do inimigo, que, entrincheirado, se achava defronte na
Uruguaiana.
A coragem dos soldados brasileiros nunca foi desmentida:
quando se trata da defesa do solo sagrado natal, cada um dos nossos soldados é
um Marte ([1]):
a coragem dos aliados é igualmente heroica; mas é certo que o Imperador
chegando a Uruguaiana no momento em que uma batalha decisiva tinha de destroçar
completamente as forças paraguaias, que estavam sitiadas, de modo que ou se
haviam de render, ou morrer necessariamente, contribuíra muito para avigorar ([2]) o
valor e o ardimento ([3])
dos mesmos soldados!
Pois que! Quando o ilustre descendente de tantos Césares, e
ele mesmo outro César, testemunha o mais indômito valor, não havia de ferver o
sangue de tantos bravos? Não desejariam eles que soasse apressado o momento da
vitória das armas aliadas, e, por conseguinte, da derrota dos paraguaios? E
não era só a aparição do Monarca que contribuía para acender o denodo nos
soldados aliados, era também o aparecimento dos Príncipes, os Senhores Conde
d’Eu e Duque de Saxe, senão Brasileiros por nascimento, verdadeiros patrícios
nossos por seu amor à terra de suas Augustas Consortes! O primeiro cuidado do
Imperador, ao chegar a Uruguaiana, foi tratar de reconhecer a posição ocupada
pelo inimigo, ao passo que pelo Rio Uruguai, a bordo do vapor Taquari, igual
reconhecimento fizeram o General Mitre, Ministro da Guerra Conselheiro Ferraz
e o General Barão de Porto Alegre.
O dia 12.09.1865 era o do
aniversário natalício do Conselheiro Ângelo Muniz da Silva Ferraz ([4]),
a quem coube a honra de acompanhar a Sua Majestade o Imperador ao Teatro das
Operações Bélicas. O Conselheiro Ferraz prestou nessa viagem relevantíssimos
serviços, serviços que ninguém, nem mesmo o seu mais encarniçado inimigo,
poderá pôr em dúvida: energia, inteligência e sobretudo uma atividade
espantosa ‒ mostrou o Ministro da Guerra.
Suas providências eram dadas a tempo, e, pelo que diz respeito
especialmente ao Imperador, nas ocasiões mais solenes, em que era preciso que
não desmentisse ele o seu cavalheirismo, nada faltava, malgrado a escassez de
todos os recursos. Era tudo devido à pronta atividade do Ministro da Guerra. Em
atenção ao serviço do seu Secretário de Estado, Sua Majestade Imperial
dignou-se de oferecer-lhe um profuso ([5])
jantar, dando assim a entender a grande consideração e o apreço em que tinha os
mesmos serviços. Com efeito, sem que de nossa parte haja o menor incenso ([6])
de lisonja, que não estamos habituados a queimar a ninguém, é força reconhecer
que o Conselheiro Ferraz é na verdade, merecedor do apreço imperial: a honra
que o Imperador lhe fez será mais um estímulo, para que o ilustrado Ministro
continue a prestar ao país serviços iguais aos que prestou no Rio Grande do
Sul, e que sempre tem prestado nas mui diferentes posições que tem
merecidamente ocupado. O Senador Ferraz é um dos vultos brasileiros, que já
pertencem à história...
No dia 14.09.1865, deu Sua Majestade outro
jantar aos distintos chefes das duas nações aliadas conosco no empenho sagrado
de destruir a ditadura do cacique do Paraguai, fazendo surgir para aquele povo
infeliz a luz do meio das trevas em que até agora, desde a dominação jesuítica,
tem ele sempre vivido. Empenho sacrossanto, que vai sendo fomentado pela
visível proteção da Providência Divina! Ao percorrer o Monarca o acampamento da
cavalaria Rio-grandense, aproximou-se o mais possível do inimigo: nessa
ocasião avisou uma sentinela ao Marquês de Caxias que uma força paraguaia
movia-se, o que este imediatamente comunicou ao Imperador. A esta comunicação
respondeu Sua Majestade.
‒ São honras que nos fazem.
Os discursos, as respostas e as observações do Imperador são
sempre lacônicas, mas exprimem e significam o seu pensamento por tal forma, que
bem revelam a sua sabedoria. O verdadeiro sábio
e filósofo não emprega palavras ociosas ou supérfluas, numa só frase, e às vezes em um só vocábulo, expressam todo o seu pensamento. O Monarca brasileiro segue à risca o preceito do
velho Horácio, cuja importância ele assaz compreende:
‒ “Esto brevis et placebis.” ([7])
Em Uruguaiana passaram-se para o Imperador
dias de aturado ([8]) trabalho, nos quais
desenvolvia ele sua colossal atividade. O Príncipe, habituado a conversar com
os livros no seu gabinete, o infatigável cultor ([9])
das letras, não eslava satisfeito com a grinalda da ciência que lhe enfeita a
cabeça; ambicionava outra coroa e conquistou-a de intrépido guerreiro. O
Príncipe filósofo tornou-se também ‒ Rei Soldado.
O Imperador tudo examinava, e sobre tudo
dava acertadíssimas providências. Depois de, organizadas todas as coisas para
romper-se o fogo, no caso de que o inimigo persistisse em não render-se como
tresloucadamente tinha persistido até então, foram trocadas ainda diversas
notas ao chefe da força paraguaia para o fim da rendição. Prosseguindo em sua
obstinação às notas as mais razoáveis que lhe eram trocadas, respondia o chefe
da força que em hipótese alguma se renderia: em face de tão decidida
resistência, assentou-se em atacar a Praça. Para semelhante efeito tudo se
achava otimamente disposto.
Amanheceu o dia 18.09.1865: não obstante a teima do chefe
inimigo, Sua Majestade queria por todos os meios, uma vez que fossem decorosos
às nações aliadas, evitar o derramamento, de sangue. Apesar de saqueadores e
assassinos, apesar de verdadeiramente réprobos ([10]),
o Imperador via a considerabilíssima superioridade numérica das forças aliadas
em relação às do inimigo, e que as deste teriam necessariamente de sucumbir no
combate; por outro lado refletia que, conquanto tivesse o mesmo inimigo
reduzido a um montão de ruínas a Vila de Uruguaiana, todavia os soldados não
faziam mais do que cumprir as ordens de um senhor inexorável ([11]):
sabia quanto os paraguaios eram supersticiosos, devido isto à educação que
recebem; e repassando todas estas reflexões em seu ânimo generoso, sentia e
lamentava profundamente que as forças contrárias fossem outros tantos cadáveres
que dentro em pouco estariam estendidos na Vila. Mas não havia remédio, era
mister retomar Uruguaiana livrando-a da presença funesta do inimigo cruel. Por
conseguinte tudo se preparou, o exército levantou acampamento e marchou sobre
os muros da Vila debaixo do comando em chefe do Imperador.
Os soldados brasileiros e aliados estavam ansiosos por
combater: os atos de vandalismo praticados pelo inimigo selvagem, e o lutuoso ([12])
espetáculo que a seus olhos apresentava a bela Uruguaiana, outrora tão
florescente, e agora inteiramente destroçada, convidava-os a um combate
encarniçado, no qual desejavam eles mostrar que eram dignos de seu General em
Chefe, e que comparticipavam do seu patriótico entusiasmo.
O chefe das forças inimigas, porém, reconheceu a imprudência
que tinha cometido em se não haver rendido há mais tempo. Rendeu-se, pois,
entregando-se com mais de 5.000 homens ao Imperador do Brasil!!! Conseguia,
portanto, o Monarca, o principal fim de sua viagem à heroica Província de S.
Pedro do Rio Grande do Sul: depois de haver conciliado os espíritos
divergentes, por meio de medidas e providências oportunas e adequadas que
produziram união e concórdia, viu a referida Província livre completamente das
garras, ferozes de seus inimigos.
Com a sua presença, e assumindo o posto de Generalíssimo dos
exércitos aliados, alcançara a retomada da Vila de Uruguaiana, vindo o soberbo
chefe dos inimigos lançar-se às suas plantas, reduzido à arte de prisioneiro de
guerra! E, no entanto, nem uma só gota de sangue derramado!!!
A retomada de Uruguaiana, essa vitória incruenta ([13]),
na qual Sua Majestade o Imperador representou o papel de Protagonista, deverá
ficar indelevelmente gravada na lembrança de todos os brasileiros, ser por eles
repetida a seus filhos, e conservada até os derradeiros vindouros como a mais
grata de todas as recordações...
Com a retomada da Vila de Uruguaiana, conseguia o Excelso
Monarca brasileiro o grande “desideratum”
([14])
de sua viagem ao Sul: os sacrifícios que Ele fez foram extraordinários: pois
bem, a gratidão dos brasileiros para com o seu Augusto Soberano deve ser
imorredoura!!!
HONRA E GLÓRIA AO IMPERADOR!!! (CRUZ)
Sempre o Brasil
(D. Pedro II)
Nunca noite dormi tão sossegado,
Quem nem mesmo sonhei com o meu Brasil,
Porém, vendo infinito mar d’anil,
Lembra-me a aurora dele nacarada.
Cada dia que passa não é nada,
E os que faltam parecem mais de mil.
Se o tempo que lá vivo é um ceitil ([15]),
Aqui é para mim grande massada ([16]).
E a doença porém me consentir,
Sempre pensando nele, cuidarei
De tornar-me mais digno de o servir,
E, quando possa, logo voltarei;
Pois na terra só quero eu existir
Quando é para bem dele que eu o sei.
(D. Pedro II)
Não maldigo o rigor da iníqua ([17]) sorte,
Por mais atroz que fosse e sem piedade,
Arrancando-me o trono e a majestade,
Quando a dois passos só estou da morte.
Do jogo das paixões minha alma forte
Conhece bem a estulta ([18]) variedade,
Que hoje nos dá contínua felicidade
E amanhã nem – um bem que nos conforte.
Mas a dor que excrucia ([19]) e que maltrata,
A dor cruel que o ânimo deplora,
Que fere o coração e pronto mata [...]
Bibliografia:
CRUZ, Gervásio José da (Segundo Oficial da
Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha). Gratidão dos Brasileiros ao seu Excelso Imperador: Uma Página Memorável
da História do Reinado do Senhor Dom Pedro II Defensor Perpétuo do Brasil ‒
Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ ‒ Tipografia Perseverança, 1865.
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de
Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor
e Colunista;
Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do
Sul (1989)
Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre
(CMPA);
Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura
do Exército (DECEx);
Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério
Militar – RS (IDMM – RS);
Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando
Militar do Sul (CMS)
Ex-Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia
Brasileira (SAMBRAS);
Membro da Academia de História Militar Terrestre do
Brasil – RS (AHIMTB – RS);
Membro do Instituto de História e Tradições do Rio
Grande do Sul (IHTRGS – RS);
Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia
(ACLER – RO)
Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande
do Sul (AMLERS)
Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da
Escola Superior de Guerra (ADESG).
Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós
(IHGTAP)E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
[1] Marte: deus da
guerra na mitologia romana. (Hiram Reis)
[2] Avigorar:
fortalecer. (Hiram Reis)
[3] O ardimento: a
ousadia. (Hiram Reis)
[4] Ângelo Muniz
da Silva Ferraz: na verdade, nasceu no dia 03.11.1812. (Hiram Reis)
[5] Profuso:
lauto. (Hiram Reis)
[6] Incenso:
intento. (Hiram Reis)
[7] Esto brevis et
placebis: Seja breve, por favor. (Hiram Reis)
[8] Aturado:
contínuo. (Hiram Reis)
[9] Cultor:
apaixonado. (Hiram Reis)
[10] Réprobos:
malditos. (Hiram Reis)
[11] Inexorável:
cruel. (Hiram Reis)
[12] Lutuoso:
fúnebre. (Hiram Reis)
[13] Incruenta: sem
derramamento de sangue. (Hiram Reis)
[14] Desideratum:
objetivo. (Hiram Reis)
[15] Ceitil: moeda
utilizada na época de D. João I (1385-1433) cujo valor correspondia a 1/6 do
Real. Insignificante, curto.
[16] Massada:
extenso, demorado, lento.
[17] Iníqua: injusta.
[18] Estulta: estúpida.
[19] Excrucia: atormenta.
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
Bagé, 20.12.2024 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 3.184, Rio, RJSexta-feira, 25.10.1963 Sindicâncias do Sequestro dão e
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Silva, Bagé, 11.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 224, Rio de Janeiro, RJ Quarta-feira, 25.09.1963 Lei das Selvas T
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV
Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III
Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira O jornalista H