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Hiram Reis e Silva

Terceira Margem – Parte DCXCIX - Uma Página Memorável – Parte III


Terceira Margem – Parte DCXCIX - Uma Página Memorável – Parte III - Gente de Opinião

Bagé, 07.02.2024

Tendo chegado a Alegrete depois de marchas de 7 e mais léguas por dia, dirigia-se Sua Majestade à Matriz, onde fez oração, visitando depois os quartéis, as en­fermarias e mais estabelecimentos públicos, e distri­buindo constantemente esmolas por onde passava, e onde quer que se hospedava. Entretanto convinha demorar-se pouco em Alegrete, porque a sua principal mira era chegar quanto antes a Uruguaiana.

No dia 09.09.1865, pelas 09h00, já fazia o Imperador caminho da Vila de Uruguaiana, onde chegou no dia 11, fazendo [parece incrível!] 15 léguas por dia! Os Generais Mitre, Presidente da República Argentina, e Flores, nossos dignos aliados, em companhia do Vice-almirante Visconde de Tamandaré, correram a encontrar-se com Sua Majestade. Foi notável o encontro dos três Chefes das nações aliadas, pela afabilidade com que se saudaram, trocando-se reciprocamente as mais lisonjeiras e afetuosas palavras. Seguiram, após isto, todos juntos, tendo o Imperador acampado no meio do Exército, em distância aproximada de uma légua do inimigo, que, entrincheirado, se achava defronte na Uruguaiana.

A coragem dos soldados brasileiros nunca foi desmentida: quando se trata da defesa do solo sagrado natal, cada um dos nossos soldados é um Marte ([1]): a coragem dos aliados é igualmente heroica; mas é certo que o Imperador chegando a Uruguaiana no momento em que uma batalha decisiva tinha de destroçar completamente as forças paraguaias, que estavam sitiadas, de modo que ou se haviam de render, ou morrer necessariamente, contribuíra muito para avigorar ([2]) o valor e o ardimento ([3]) dos mesmos soldados!

Pois que! Quando o ilustre descendente de tantos Césares, e ele mesmo outro César, testemunha o mais indômito valor, não havia de ferver o sangue de tantos bravos? Não desejariam eles que soasse apressado o momento da vitória das armas aliadas, e, por con­seguinte, da derrota dos paraguaios? E não era só a aparição do Monarca que contribuía para acender o denodo nos soldados aliados, era também o apareci­mento dos Príncipes, os Senhores Conde d’Eu e Duque de Saxe, senão Brasileiros por nascimento, verdadei­ros patrícios nossos por seu amor à terra de suas Au­gustas Consortes! O primeiro cuidado do Imperador, ao chegar a Uruguaiana, foi tratar de reconhecer a posição ocupada pelo inimigo, ao passo que pelo Rio Uruguai, a bordo do vapor Taquari, igual reconhe­cimento fizeram o General Mitre, Ministro da Guerra Conselheiro Ferraz e o General Barão de Porto Alegre.

O dia 12.09.1865 era o do aniversário natalício do Conselheiro Ângelo Muniz da Silva Ferraz ([4]), a quem coube a honra de acompanhar a Sua Majesta­de o Imperador ao Teatro das Operações Bélicas. O Conselheiro Ferraz prestou nessa viagem relevan­tíssimos serviços, serviços que ninguém, nem mesmo o seu mais encarniçado inimigo, poderá pôr em dúvida: energia, inteligência e sobretudo uma ativi­dade espantosa ‒ mostrou o Ministro da Guerra.

Suas providências eram dadas a tempo, e, pelo que diz respeito especialmente ao Imperador, nas ocasiões mais solenes, em que era preciso que não desmentisse ele o seu cavalheirismo, nada faltava, malgrado a escassez de todos os recursos. Era tudo devido à pronta atividade do Ministro da Guerra. Em atenção ao serviço do seu Secretário de Estado, Sua Majestade Imperial dignou-se de oferecer-lhe um profuso ([5]) jantar, dando assim a entender a grande consideração e o apreço em que tinha os mesmos serviços. Com efeito, sem que de nossa parte haja o menor incenso ([6]) de lisonja, que não estamos habituados a queimar a ninguém, é força reconhecer que o Conselheiro Ferraz é na verdade, merecedor do apreço imperial: a honra que o Imperador lhe fez será mais um estímulo, para que o ilustrado Ministro continue a prestar ao país serviços iguais aos que prestou no Rio Grande do Sul, e que sempre tem prestado nas mui diferentes posições que tem merecidamente ocupado. O Senador Ferraz é um dos vultos brasileiros, que já pertencem à história...

No dia 14.09.1865, deu Sua Majestade outro jantar aos distintos chefes das duas nações aliadas conosco no empenho sagrado de destruir a ditadura do cacique do Paraguai, fazendo surgir para aquele povo infeliz a luz do meio das trevas em que até agora, desde a dominação jesuítica, tem ele sempre vivido. Empenho sacrossanto, que vai sendo fomentado pela visível proteção da Providência Divina! Ao percorrer o Monarca o acampamento da cavalaria Rio-granden­se, aproximou-se o mais possível do inimigo: nessa ocasião avisou uma sentinela ao Marquês de Caxias que uma força paraguaia movia-se, o que este ime­diatamente comunicou ao Imperador. A esta comuni­cação respondeu Sua Majestade.

        São honras que nos fazem.

Os discursos, as respostas e as observações do Imperador são sempre lacônicas, mas exprimem e significam o seu pensamento por tal forma, que bem revelam a sua sabedoria. O verdadeiro sábio e filósofo não emprega palavras ociosas ou supérfluas, numa só frase, e às vezes em um só vocábulo, expressam todo o seu pensamento. O Monarca brasileiro segue à risca o preceito do velho Horácio, cuja importância ele assaz compreende:

  Esto brevis et placebis.” ([7])

Em Uruguaiana passaram-se para o Imperador dias de aturado ([8]) trabalho, nos quais desenvolvia ele sua colossal atividade. O Príncipe, habituado a con­versar com os livros no seu gabinete, o infatigável cultor ([9]) das letras, não eslava satisfeito com a grinalda da ciência que lhe enfeita a cabeça; ambicionava outra coroa e conquistou-a de intrépido guerreiro. O Príncipe filósofo tornou-se também ‒ Rei Soldado.

O Imperador tudo examinava, e sobre tudo dava acertadíssimas providências. Depois de, organizadas todas as coisas para romper-se o fogo, no caso de que o inimigo persistisse em não render-se como tresloucadamente tinha persistido até então, foram trocadas ainda diversas notas ao chefe da força paraguaia para o fim da rendição. Prosseguindo em sua obstinação às notas as mais razoáveis que lhe eram trocadas, respondia o chefe da força que em hipótese alguma se renderia: em face de tão decidida resistência, assentou-se em atacar a Praça. Para semelhante efeito tudo se achava otimamente disposto.

Amanheceu o dia 18.09.1865: não obstante a teima do chefe inimigo, Sua Majestade queria por todos os meios, uma vez que fossem decorosos às nações aliadas, evitar o derramamento, de sangue. Apesar de saqueadores e assassinos, apesar de verdadeira­mente réprobos ([10]), o Imperador via a considera­bilíssima superioridade numérica das forças aliadas em relação às do inimigo, e que as deste teriam necessariamente de sucumbir no combate; por outro lado refletia que, conquanto tivesse o mesmo inimigo reduzido a um montão de ruínas a Vila de Uruguaiana, todavia os soldados não faziam mais do que cumprir as ordens de um senhor inexorável ([11]): sabia quanto os paraguaios eram supersticiosos, devido isto à educação que recebem; e repassando todas estas reflexões em seu ânimo generoso, sentia e lamentava profundamente que as forças contrárias fossem outros tantos cadáveres que dentro em pouco estariam estendidos na Vila. Mas não havia remédio, era mister retomar Uruguaiana livrando-a da presença funesta do inimigo cruel. Por conseguinte tudo se preparou, o exército levantou acampamento e marchou sobre os muros da Vila debaixo do comando em chefe do Imperador.

Os soldados brasileiros e aliados estavam ansiosos por combater: os atos de vandalismo praticados pelo inimigo selvagem, e o lutuoso ([12]) espetáculo que a seus olhos apresentava a bela Uruguaiana, outrora tão florescente, e agora inteiramente destroçada, convi­dava-os a um combate encarniçado, no qual deseja­vam eles mostrar que eram dignos de seu General em Chefe, e que comparticipavam do seu patriótico entusiasmo.

O chefe das forças inimigas, porém, reconheceu a imprudência que tinha cometido em se não haver rendido há mais tempo. Rendeu-se, pois, entregan­do-se com mais de 5.000 homens ao Imperador do Brasil!!! Conseguia, portanto, o Monarca, o principal fim de sua viagem à heroica Província de S. Pedro do Rio Grande do Sul: depois de haver conciliado os espíritos divergentes, por meio de medidas e providências oportunas e adequadas que produziram união e concórdia, viu a referida Província livre completamente das garras, ferozes de seus inimigos.

Com a sua presença, e assumindo o posto de Generalíssimo dos exércitos aliados, alcançara a retomada da Vila de Uruguaiana, vindo o soberbo chefe dos inimigos lançar-se às suas plantas, reduzido à arte de prisioneiro de guerra! E, no entanto, nem uma só gota de sangue derramado!!!

A retomada de Uruguaiana, essa vitória incruenta ([13]), na qual Sua Majestade o Imperador representou o papel de Protagonista, deverá ficar indelevelmente gravada na lembrança de todos os brasileiros, ser por eles repetida a seus filhos, e conservada até os derradeiros vindouros como a mais grata de todas as recordações...

Com a retomada da Vila de Uruguaiana, conseguia o Excelso Monarca brasileiro o grande “desideratum” ([14]) de sua viagem ao Sul: os sacrifícios que Ele fez foram extraordinários: pois bem, a gratidão dos brasileiros para com o seu Augusto Soberano deve ser imorredoura!!!

HONRA E GLÓRIA AO IMPERADOR!!! (CRUZ)

Sempre o Brasil

(D. Pedro II)

Nunca noite dormi tão sossegado,

Quem nem mesmo sonhei com o meu Brasil,

Porém, vendo infinito mar d’anil,

Lembra-me a aurora dele nacarada.

 

Cada dia que passa não é nada,

E os que faltam parecem mais de mil.

Se o tempo que lá vivo é um ceitil ([15]),

Aqui é para mim grande massada ([16]).

 

E a doença porém me consentir,

Sempre pensando nele, cuidarei

De tornar-me mais digno de o servir,

 

E, quando possa, logo voltarei;

Pois na terra só quero eu existir

Quando é para bem dele que eu o sei.

Sonetos

(D. Pedro II)

Não maldigo o rigor da iníqua ([17]) sorte,

Por mais atroz que fosse e sem piedade,

Arrancando-me o trono e a majestade,

Quando a dois passos só estou da morte.

 

Do jogo das paixões minha alma forte

Conhece bem a estulta ([18]) variedade,

Que hoje nos dá contínua felicidade

E amanhã nem – um bem que nos conforte.

 

Mas a dor que excrucia ([19]) e que maltrata,

A dor cruel que o ânimo deplora,

Que fere o coração e pronto mata [...]

 

Bibliografia:

 

CRUZ, Gervásio José da (Segundo Oficial da Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha). Gratidão dos Brasileiros ao seu Excelso Imperador: Uma Página Memorável da História do Reinado do Senhor Dom Pedro II Defensor Perpétuo do Brasil ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ ‒ Tipografia Perseverança, 1865.


 

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

 

Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)

Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);

Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);

Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)

Ex-Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);

Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)

Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);

Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)

Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).

Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).

Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós (IHGTAP)E-mail: hiramrsilva@gmail.com.



[1]    Marte: deus da guerra na mitologia romana. (Hiram Reis)

[2]    Avigorar: fortalecer. (Hiram Reis)

[3]    O ardimento: a ousadia. (Hiram Reis)

[4]    Ângelo Muniz da Silva Ferraz: na verdade, nasceu no dia 03.11.1812. (Hiram Reis)

[5]    Profuso: lauto. (Hiram Reis)

[6]    Incenso: intento. (Hiram Reis)

[7]    Esto brevis et placebis: Seja breve, por favor. (Hiram Reis)

[8]    Aturado: contínuo. (Hiram Reis)

[9]    Cultor: apaixonado. (Hiram Reis)

[10]  Réprobos: malditos. (Hiram Reis)

[11]  Inexorável: cruel. (Hiram Reis)

[12]  Lutuoso: fúnebre. (Hiram Reis)

[13]  Incruenta: sem derramamento de sangue. (Hiram Reis)

[14]  Desideratum: objetivo. (Hiram Reis)

[15]  Ceitil: moeda utilizada na época de D. João I (1385-1433) cujo valor correspondia a 1/6 do Real. Insignificante, curto.

[16]  Massada: extenso, demorado, lento.

[17]  Iníqua: injusta.

[18]  Estulta: estúpida.

[19]  Excrucia: atormenta.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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