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Gente de Opinião

Hiram Reis e Silva

Terceira Margem – Parte DCXCV - Circunavegação da Lagoa Mirim – Parte V


Baía Pelotas - Gente de Opinião
Baía Pelotas

Bagé, 29.01.2024

 

Baía Pelotas ‒ S. Vitória do Palmar (03.01.2015)

O Hélio e o Buzzo partiram, e eu permaneci fotografando a praia, de meu caiaque, aproveitando o ângulo de incidência dos raios solares. Aproei às 07h15, para a Ponta Pelotas, aonde cheguei 30 min depois.

Avistei os amigos canoístas logo à frente, mas parei para documentar a Ponta Pelotas e, em seguida, novamente. Era, sem dúvida, uma das regiões mais belas de toda a Lagoa Mirim que até então percor­rêramos; continuei fotografando a vegetação curio­samente moldada pelos ventos sem acostar até me aproximar da dupla.

Às 09h40, passamos por um casal de capororocas (Coscoroba coscoroba) e, às 09h50, aportamos na Foz do Arroyo de Pelotas (Foz ‒ 33°27’31,0” S / 53°35’29,5” O), sem dúvida o mais belo afluente da margem Oriental da Lagoa Mirim.

Além da mata nativa, consegui fotografar um filhotão de cabeça-seca (Mycteria americana). Não consegui, naquela oportunidade, classificar a espécie e tive de recorrer aos usuários do Wikiaves para identificá-la.

Nas minhas pantaneiras andanças, eu tinha observado bandos de cabeças-secas, mas, como não era época da nidificação destas aves, não tinha avistado, na época, nenhum filhote.

Meus parceiros tinham partido, já há algum tempo, para encontrar os velejadores quando embarquei no “Argo II”. Como eles já estavam a meio caminho cos­teando a Baía, resolvi apontar minha proa diretamente para a Ponta San Luís, onde estacionara o veleiro Zilda III antes de adentrar na Boca do San Luís (33°31’29,9” S / 53°32’36,8” O).

Almoçamos e decidimos fazer apenas uma pequena incursão no Saco de San Miguel. Aproamos para o Sul, passando pela Ponta de Las Piedras e Ponta Montenegro e depois para NE pela Ponta do Paraguaio, às 13h40. Aportei na Ponta para descansar, e meus parceiros resolveram tocar direto para o porto de Santa Vitória do Palmar ante a possibilidade dos ventos aumentarem.

Embarquei no Cabo Horn e, depois de contornar a Ponta do Paraguaio, verifiquei que a rota seguida pelos companheiros apontava muito para o Sul. Aproximei-me deles e o Hélio me informou que o Antônio assim preferira. Decidi, então, aproar direto para o Porto de Santa Vitória do Palmar (SVP) onde o veleiro nos aguardava e, lá chegando, ajudei-os, balizando o trajeto, a aportar em segurança no canal dos pescadores que fica ao Sul do porto. Novamente eu tinha que checar algumas revisões encaminhadas pela revisora da Editora da PUCRS e precisava acessar a internet. Acompanhei o Comandante Reynaldo e o Professor Hélio, no táxi do Brizola, e fomos diretamente para uma sorveteria – assumo publicamente que tenho um vício ‒ sorvete. Depois de degustarmos generosas porções, reservei um quarto em um hotel e fomos fazer compras. Deixamos as compras no veleiro e voltei sozinho de táxi para o hotel. Foi uma jornada de 48 km.

SVP ‒ Arroio dos Afogados (04.01.2015)

O Novo Argonauta ‒ Nau Triunfante

(José Agostinho de Macedo)

Da praia Ocidental largando as velas

Foi, émula ([1]) do Sol, a Nau triunfante,

Do Atlântico Mar varrendo as ondas,

E com propício sopro a extrema ponta

Tocou do novo Mundo, ousando a ignota

Estrada cometer de um Mar, que nunca

De Lenhos Europeus cortada fora.

Acordei cedo, chamei o Brizola, às 04h30, que me levou no seu táxi até o veleiro. Tive de tocar alvorada para acordar os preguiçosos marinheiros, e partimos lo­go depois do desjejum. Nossa rota pela margem Ociden­tal da Lagoa Mirim tinha sido predominantemente Sul, enfrentando vento de proa do mesmo quadrante e agora, na Oriental, nosso rumo seria Norte, e os ventos vindos de SO nos empurrariam. Partimos, às 06h20; os ventos não chegavam, por enquanto, a prejudicar por demais a navegação já que não ultrapassavam os 12 km/h.

Navegamos com tranquilidade por uns 10 km quando o suporte do leme quebrou. Telefonamos para o Coronel Pastl solicitando que ele soldasse o pino de suporte do leme do Hélio que quebrara na Baía Magra e, como sempre, nosso caro Cmt não sossegou até solucionar o problema. Embora o vento na alheta de bombordo ajudasse na progressão, as ondas de través mudavam a direção do caiaque, obrigando-me a deslocar a empunhadura do remo para a extremidade direita, bem próximo à pá, forçando excessivamente os músculos do braço esquerdo para mantê-lo na rota.

Naveguei assim por cinco quilômetros até o Arroio Curral d’Arroios (33°23’28,9” S / 53°26’11,8” O), onde eu e o Hélio tentamos minorar o problema amarrando o leme na popa do caiaque; infelizmente o artifício não teve o resultado esperado. Navegamos mais dez quilômetros até um enorme canal de irrigação (33°17’41,7” S / 53°27’43,0” O) onde aproveitamos para almoçar enquanto aguardávamos nossa equipe de apoio agora reforçada com a presença de um caro ex-aluno do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) o Eduardo Rocha Costa ‒ mais conhecido como “Duda”. O veleiro trouxe o suporte do leme que foi rapidamente instalado no caiaque e partimos, mais tranquilos, rumo à Ponta dos Afogados.

Os ventos mudaram de direção e velocidade e, quando chegamos à Ponta dos Afogados, fomos até o veleiro para saber qual seria a conduta a partir dali. O veleiro contornaria a Ilha dos Afogados e faria uma aproximação frontal até a Foz do Arroio dos Afogados enquanto nós cortaríamos caminho passando entre a Ponta e a Ilha. Foi uma navegação cansativa enfrentan­do ventos de proa do quadrante Este com velocidades superiores aos 40 km/h e ondas frontais de mais de metro que travavam nossa progressão. Finalmente chegamos à margem onde consegui contatar o Coronel Pastl, que nos forneceu as coordenadas da Foz do Arroio dos Afogados (33°07’46,8” S / 53°22’34,2” O) para onde rumamos.

Fizemos mais duas paradas antes de chegar, às 18h00 à Foz do Arroio onde aguardamos, até às 18h55, a chegada do Zilda III. Conduzi os velejadores até uma curva segura e, depois de cumprimentar nosso novo expedicionário, o “Duda”, naveguei pelo Arroio até ser barrado pela vegetação aquática.

O Arroio é o mais formoso da margem Oriental e deve ser mais belo ainda durante a estiagem. Tínhamos remado 49 km.

A. dos Afogados ‒ Ptª do Santiago (05.01.2015)

O Novo Argonauta ‒ Soberbo Pedestal

(José Agostinho de Macedo)

A derradeira volta ao Mundo deram;

Entre os Faustos navais prodígio tanto

A História não marcou: talvez que os evos ([2]),

Que ainda por vir estão, igual não vejam.

Enquanto a Pátria agradecida ao feito

Prepara ao grande Navegante os louros:

Enquanto o bronze e mármore não mostram

Voltada aos Céus a imagem respirante,

E no soberbo pedestal não grava

Os atributos da naval ciência,

Com a mente em fogo acesa, e às Musas dada,

À Pátria, ao Trono, ao Mérito, à Virtude,

Que a façanha inspirou, que o Herói coroa,

Este tributo de louvor consagro.

O Antônio permaneceu a bordo do Zilda III, e eu e o Hélio seguimos nossa rotina e rumamos, depois de uma rápida parada, para a Ponta da Canoa, onde aportei, às 08h15, para documentar o local. Depois das fotos, continuei minha rota ultrapassando a Ponta e segui direto para a margem oposta, enfrentando vento e ondas de través que golpeavam a alheta de Boreste.

Chegamos às 10h30, e, depois de descansarmos um pouco, continuamos nossa jornada até as proxi­midades de um Canal de Irrigação onde paramos, às 12h00, para almoçar e contatar os velejadores.

Avistamos o Zilda III e seguimos rumo Norte, enfrentando, durante todo trajeto, ventos de proa a mais de 30 km/h. Aportamos na Ponta de Santiago, e o veleiro foi de precursor mostrando o caminho até um lugar, a Este da Ponta, perfeitamente abrigado, chamado Caldeirinha (32°48’21,0” S / 53°06’32,0” O) indicado, em Jaguarão, pelo Comodoro Roberto B. Couto. Ao contornar a Ponta, enfrentei ondas de través que ultrapassavam os 2 m de altura; felizmente eram ondas cheias e não estavam quebrando, o que seria um compli­cador adicional. Foi uma prova de que demandava ape­nas atenção. Eu sabia que aquilo era um teste fácil para o excelente Cabo Horn, o único problema era o cansaço imposto por uma jornada de mais de 59 km enfrentando ventos fortes de proa durante toda a rota. Aportamos na Caldeirinha; uma interessante e envolvente calmaria contrastava com a fúria dos ventos e ondas que eu acabara de enfrentar.

Depois da tempestade vem a bonança”! Por volta das 20h30, fomos brindados com um pôr do Sol magnífico. As diáfanas nuvens, há mais de 10.000 m de altura, apresentavam uma sutil coloração que se refletia nas águas da Caldeirinha emprestando-lhe um encanto todo especial. Nossos caiaques flutuavam suavemente imersos neste quadro primoroso concebido pelo Senhor de Todos os Exércitos. Um brinde do Grande Arquiteto aos vitoriosos canoeiros que superaram com brio os desafios impostos pela natureza. Havíamos combatido um bom combate.

Ptª do Santiago ‒ Canal Curral Alto (06.01.2015)

O amigo Antônio Buzzo permaneceu na Caldeiri­nha aguardando bons ventos para realizar a travessia de quase 11 km entre as Pontas do Santiago e Muniz.

O Buzzo, depois de nos acompanhar desde a Ilha Grande do Taquari e brindar-nos com sua agradável companhia, estava de volta à simpática cidade de Jaguarão. Partimos cedo com destino à Ponta dos Latinos e fizemos uma parada intermediária na Baía antes de lá aportarmos por volta das 10h00, depois de remar 18 km enfrentando ventos fortes e ondas do quadrante Norte, que incidiam na bochecha de bombordo. Uma bela figueira (capa deste livro) tombada pela força dos ventos e das águas resistia estoicamente, dando mostras de um invulgar instinto de sobrevivência. Apoiada nos seus frondosos galhos, dava mostras de uma emocionante e invulgar energia telúrica capaz de enternecer os espíritos mais rudes.

Dos Latinos aproamos para o Arroio Del Rey (32°52’10,1” S / 52°55’48,4” O) onde estacionamos para almoçar. Enquanto o Hélio fazia uma incursão pela mata nativa, eu navegava pelo Arroio onde desponta, ainda altaneiro há mais de 50 anos, o mastro do Barco Itaqui, que transportava cal de Pelotas para Curral Alto e o desembarcava neste local. Acho que nos demoramos demais, e os Mares de Dentro não perdoam.

Logo que partimos rumo a um Canal (32°54’52,6’’ S / 52°49’36,1’’ O) onde deveríamos aportar, segundo orientação do professor Hélio aos velejadores, os céus começaram a anunciar um vendaval vindo do quadrante Oeste. Remamos vigorosamente e, ao chegarmos ao Ca­nal, verificamos que este estava totalmente assoreado. Subi na duna mais alta e tentei contato rádio com o ve­leiro Zilda III – nenhuma resposta. Continuamos nossa jornada bastante apreensivos até que avistamos, a uns 2 km adiante do canal, o veleiro. Os Cmts Reynaldo e Pastl estavam nos aguardando nas proximidades do Canal do Curral Alto (32°54’32,4’’ S / 52°48’05,4’’ O).

Imediatamente nos dirigimos, depois de ter conversado com os velejadores, à Foz do Canal para sondar sua profundidade. Feito o reconhecimento, orientamos a progressão do Zilda III, quando tivemos que desatrelar um dos barcos dos pescadores que bloqueava o acesso à uma área mais protegida do Curral Alto.

Depois de ancorarmos o Zilda III e arrastarmos os caiaques para o barranco, recebemos a visita de alguns pescadores e familiares que cortesmente nos orientaram a respeito da ancoragem. O mau tempo dissipou-se deslocando-se para o Norte, e passamos uma noite bastante agradável embarcados no veleiro. Tínhamos remado 49 km.

Curral Alto ‒ Canal do Taim (07.01.2015)

Meus ombros, desde a quebra do suporte do leme em Santa Vitória do Palmar, ainda não tinham se recuperado, e o esforço de remar longas distâncias enfrentando ventos fortes de proa e través trauma­tizaram ainda mais meus tendões e fibras musculares. Avisei aos meus amigos que continuaria a remar lentamente, pois do Taim a Pelotas teríamos ainda, pelo menos, mais dois dias de viagem.

Eu navegava rumo NNE, e ventos de proa fizeram-me acostar para resguardar-me, ainda que parcialmente. Remei, sem pressa, e a monotonia da paisagem só foi quebrada pela presença inusitada de três muares que placidamente pastavam no alto de um morrote marginal.

Depois de remar, praticamente sozinho, durante 47 km, avistei o Hélio na Boca do Canal do Taim (32°33’36,1” S / 52°35’19,1” O) e o veleiro ao largo.

Aportei e imediatamente tentei, sem sucesso, contato rádio com a equipe de apoio. Pedi, então, ao Hélio, que tentasse pelo celular. Os velejadores estavam aguardando os resultados de uma sondagem para só então adentrar ao Canal do Taim. Executados os procedimentos de praxe, o Zilda III ancorou no Canal protegido pelos barrancos altos do mesmo. Durante a sondagem, avistei um casal de ratões do banhado com dois pequenos filhotes muito mansos e curiosos.

Taim (08.01.2015)

Dedicamos o dia a conhecer o Taim e sua maravilhosa fauna. O Coronel Sérgio Pastel já havia contatado o oceanólogo Sr. Henrique Horn Ilha, chefe da Estação Ecológica (ESEC) do Taim, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que permitiu que excursionássemos pela área da reserva.

A ESEC do Taim, criada em 1986, está localizada entre a Lagoa Mirim, Lagoa Mangueira e o Oceano Atlântico, abrangendo uma área de 32.800 mil hecta­res. A ESEC tem como objetivo, além da preservação da natureza, a realização de pesquisas científicas.

A região formada por uma ampla planície costeira abriga mais de 230 espécies de aves além de ser um reduto importante de répteis e de anfíbios. O banhado do Taim desempenha as funções de produção de alimento, conservação da biodiversidade, contenção de enchentes e controle da poluição.

 

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

 

Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)

Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);

Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);

Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)

Ex-Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);

Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)

Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);

Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)

Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).

Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).

Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós (IHGTAP)E-mail: hiramrsilva@gmail.com.

 

 

Circum-navegação da Lagoa Mirim
(27.12.2014 a 10.01.2015)

I Parte: Canal São Gonçalo – Sangradouro (27.12.2014)
https://www.youtube.com/watch?v=jdlkYAA4D5c
 

II Parte: Sangradouro – Jaguarão (28 a 31.12.2014)
https://www.youtube.com/watch?v=lZGalACE8kA&feature=youtu.be

III Parte: Ilha Grande do Taquari – Santa Vitória do Palmar (01 a 03.01.2015)
https://www.youtube.com/watch?v=k3sJE1eBlT8&feature=youtu.be
 

IV Parte: Santa Vitória do Palmar – Taim (04 a 07.01.2015)
https://www.youtube.com/watch?v=A1sSpMFqiP4&feature=youtu.be
 

V Parte(Taim): Taim (08.01.2015)
https://www.youtube.com/watch?v=-u3XKVdjFwg
 

VI Parte: Taim – Pelotas (09 a 10.01.2015)
https://www.youtube.com/watch?v=FSPiNDzhTL8&feature=youtu.be

 



[1]   Émula: êmula = rival. (Hiram Reis)

[2]   Os evos: a eternidade. (Hiram Reis)

Galeria de Imagens

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  • Ponta do Paraguaio
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  • Carta - Foz do Cebollati - S. Vitória do Palmar
    Carta - Foz do Cebollati - S. Vitória do Palmar

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