Quarta-feira, 31 de janeiro de 2024 - 06h14
Bagé, 31.01.2024
Taim ‒ Ilha Grande (09.01.2015)
Partimos com a firme determinação de pernoitar no Canal de
São Gonçalo. Fiz uma parada intermediária, depois de remar 7 km, na praia da
Vila do Taim, popularmente conhecida como Capilha, próxima à Estação Ecológica
do Taim e que pode ser acessada por terra pela BR-471, onde visitei a Igreja
Nossa Senhora da Conceição (32°30’20,8” S / 52°35’04,1” O) e uma bucólica
praça. No entorno da Vila encontra-se a única linha de falésia viva da lagoa
Mirim e onde, nas últimas décadas, a erosão provocou uma importante regressão
até os limites da igreja.
Enquanto alguns autores defendem que o termo Taim tem sua
origem na expressão indígena “tai moing”
‒ “cousa pequena em que penso”,
outros, porém, asseguram que ela advém do grito emitido pelo Tarrã (Chauna
torquata).
Remei até
a Ponta do Salso, onde aportei seguido pelo Hélio, depois de remar 25 km sem
parar, desde a Vila do Taim. Avistamos três filhotes de lebre que brincavam sob
uns salsos. Continuamos nossa jornada aproando para o Arroio Gamela
(32°15’09,1” S / 52°40’25,9” O), 7 km adiante, onde tínhamos combinado, com os
velejadores, de ancorar para o almoço. Como a Foz estava totalmente bloqueada
por salsos, contatei os velejadores que seguiram diretamente para o Canal São
Gonçalo.
Dirigimo-nos, então, para o Canal de Irrigação da Granja
Quatro Irmãos (32°14’26,4” S / 52°40’05,7” O) que ficava a pouco mais de um
quilômetro avante, onde paramos para nos hidratar e consumir algumas barras de
cereais. Descansados, aproamos diretamente para a boca de montante do Canal de
São Gonçalo que ficava a uns 12 km à nossa frente.
Desde a Ponta do Salso, uma tétrica paisagem
assombrava-nos: a primeira fileira de salsos de toda margem tinha sido tombada
pelo ciclone da noite de 31.12.2014. As folhas dos chorões conservavam ainda um
intenso verdor, testemunhas vivas do recente cataclismo que assolara a região.
Ode aos Excelsos Salsos Tombados
(João Rodrigues Barbosa Neto)
E esses salsos chorões à beira das barrancas,
Que a rajada impiedosa alucina e emaranha!
E esse perfil de dor das tristes garças brancas,
Silenciosas ouvindo essa angústia tamanha!
Ali, uma árvore nua ergue convulsos braços
E parece o fantasma esguio da paisagem
Pedindo à alma contrita e triste dos espaços
O manto que perdeu com a morte da folhagem! [...]
O
Comandante Emygdio reporta-nos este trecho da poesia de Barbosa Neto, ilustre
poeta parnasiano nascido, em 1884, na cidade de Jaguarão, RS, que faço questão
de reproduzir em homenagem a meu querido pai, Cassiano Reis e Silva. Meu
saudoso pai sempre sonhou em ter no terreno de sua casa um salso-chorão, também
conhecido como salgueiro-chorão (Salix babylonica), debruçado sobre um pequeno
lago.
O chorão foi trazido, desde o Leste asiático, pela Rota da
Seda, para a região da Babilônia, tornando-se abundante às margens do Eufrates,
de onde se disseminou pelo mundo afora. É considerado, por alguns, uma árvore
lendária para o cristianismo, pois, segundo eles, teria escondido sob seus
ramos a família sagrada, durante sua fuga para o Egito, dos soldados de Herodes.
Outra versão, que nos parece mais plausível, tem sua origem
no século VIII, na Germânia, com o monge beneditino São Bonifácio, conhecido
hoje como “Apóstolo dos Germanos” e
que foi eleito Bispo, em 30.11.722, dos territórios Germânicos em reconhecimento
ao seu trabalho de catequese na região.
Retornando à região depois de uma longa viagem que fizera a
Roma, surpreendeu alguns populares, preparando-se para realizar sacrifícios
humanos conforme determinava sua primitiva religião. Bonifácio libertou os nove
meninos que seriam mortos e mandou derrubar o enorme carvalho de Geismar,
dedicado a Thor, onde se realizaria o sangrento holocausto. Embora os
sacerdotes pagãos tenham-no ameaçado com a ira do “poderoso” deus do trovão que o fulminaria com seus raios, nada
aconteceu, para humilhação dos mesmos. A queda da árvore de Thor marcou
definitivamente a queda do paganismo naquelas plagas, e os germanos convertidos
adotaram o carvalho como um símbolo cristão.
Independentemente
da versão, a tradição da árvore símbolo ultrapassou as fronteiras e a
humanidade cristã acabou adotando uma espécie que já fora usada como um símbolo
sagrado ancestral e cultuado por diversas religiões pagãs de outrora – o
pinheiro.
O pinheiro é uma árvore cujo “pináculo” aponta para o céu e cuja perenidade dos ramos nos remete
à vida eterna; suas raízes encravadas solidamente na terra testemunham a
aliança entre as entidades celestiais e os seres terrestres e, finalmente, seu
formato triangular lembra a Santíssima Trindade.
Continuando a Jornada
O Sol
inclemente castigava nossos corpos exaustos e, ao Chegar à Foz do São Gonçalo,
aportamos na mesma praia, depois de remar 53 km, onde acampáramos no dia
27.12.2014. Depois de um revigorante banho, subimos a bordo para o almoço e,
logo depois, aproamos para a Vila de Santa Isabel.
Na Vila,
enquanto o Hélio foi ao mercado, eu fiquei tomando conta dos caiaques, pois
alguns canoístas já tiveram aqui suas cargas surrupiadas. Logo depois de
levarmos as compras até o veleiro, caiu uma chuva refrescante que, aliada à
correnteza do Canal, nos estimulou a picar a voga.
Chegamos a
atingir os 13 km/h até a Ilha Grande, onde acampamos nas proximidades de uma
cara e frondosa figueira (32°04’19,6” S / 52°30’34,7” O) à margem direita.
Tínhamos remado 70 km neste dia, e 539 km somente na Lagoa Mirim.
Ilha Grande ‒ Pelotas (10.01.2015)
Tínhamos
concluído com sucesso a navegação da Lagoa Mirim e hoje teríamos de percorrer
apenas 50 km até o Veleiros Saldanha da Gama. Partimos junto com o Zilda III,
às 07h30, e logo em seguida o veleiro sumiu de nossas vistas.
Os únicos fatos notáveis, além de não realizarmos nenhuma
parada, foram a transposição por uma das comportas da barragem, enquanto o
veleiro aguardava a hora de abertura da eclusa para continuar a viagem, e a passagem
de quatro belos cisnes-de-pescoço-preto (Cygnus melanocoryphus).
(Adair de Freitas)
Vamos devagar e sempre
Que a jornada é longa e o tempo não cansa
Vamos cantando na estrada
Que o cantar alegra e traz esperança. [...]
Eu te convido, gaúcho,
Tu que anda triste pela estrada afora
Chega pra cantar comigo
Que a saudade, amigo, já se vai embora.
Não adianta ser tristonho
Pois a vida é um sonho que a gente desfaz
Só a tal fatalidade
E a dor da saudade é que nos roubam a paz [...]
Eu sou um gaúcho de fato
Sou índio gaudério do sul do país
Tenho orgulho em ser gaúcho
Sou pobre e sem luxo, mas sou bem feliz. [...]
Eu não ando me queixando
Vivo trabalhando e a honra, conservo
E há gente que até me apedreja
Porque sente inveja da vida que eu levo. [...]
Nunca te queixe da vida
Levanta a cabeça e caminha com fé
Pois a gente só é gente
Sendo simplesmente o que a gente é
Não chores assim, baixinho
Se tens que chorar, levanta a tua voz
E olha pra trás de repente
Verás que tem gente mais triste que nós. [...]
(D. Pedro II)
Não maldigo o rigor da iníqua ([1]) sorte,
Por mais atroz que fosse e sem piedade,
Arrancando-me o trono e a majestade,
Quando a dois passos só estou da morte.
Do jogo das paixões minha alma forte
Conhece bem a estulta ([2]) variedade,
Que hoje nos dá contínua felicidade
E amanhã nem – um bem que nos conforte.
Mas a dor que excrucia ([3]) e que maltrata,
A dor cruel que o ânimo deplora,
Que fere o coração e pronto mata,
É ver na mão cuspir a extrema hora
A mesma boca aduladora e ingrata,
Que tantos beijos nela pôs – outrora.
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de
Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor
e Colunista;
Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do
Sul (1989)
Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre
(CMPA);
Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura
do Exército (DECEx);
Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério
Militar – RS (IDMM – RS);
Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando
Militar do Sul (CMS)
Ex-Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia
Brasileira (SAMBRAS);
Membro da Academia de História Militar Terrestre do
Brasil – RS (AHIMTB – RS);
Membro do Instituto de História e Tradições do Rio
Grande do Sul (IHTRGS – RS);
Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia
(ACLER – RO)
Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio
Grande do Sul (AMLERS)
Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da
Escola Superior de Guerra (ADESG).
Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós
(IHGTAP)E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
Circum-navegação da Lagoa Mirim
(27.12.2014 a 10.01.2015)
I Parte: Canal
São Gonçalo – Sangradouro (27.12.2014)
https://www.youtube.com/watch?v=jdlkYAA4D5c
II Parte:
Sangradouro – Jaguarão (28 a 31.12.2014)
https://www.youtube.com/watch?v=lZGalACE8kA&feature=youtu.be
III Parte: Ilha
Grande do Taquari – Santa Vitória do Palmar (01 a 03.01.2015)
https://www.youtube.com/watch?v=k3sJE1eBlT8&feature=youtu.be
IV Parte: Santa
Vitória do Palmar – Taim (04 a 07.01.2015)
https://www.youtube.com/watch?v=A1sSpMFqiP4&feature=youtu.be
V Parte(Taim):
Taim (08.01.2015)
https://www.youtube.com/watch?v=-u3XKVdjFwg
VI Parte: Taim –
Pelotas (09 a 10.01.2015)
https://www.youtube.com/watch?v=FSPiNDzhTL8&feature=youtu.be
Galeria de Imagens
* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
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