Sexta-feira, 14 de julho de 2023 - 06h59
14.07.2023
Valquírias
Americanas
A Regeneração n° 218
Desterro, SC – Domingo, 23.10.1870
À Pedido
Sr. Redator da Regeneração.
[...] Sr. Redator, quando se
escreve por informações sem atender a fonte, quando não há o necessário
critério, é fácil cair em erro, tal sucedeu ao correspondente de Montevidéu.
Retificarei o fato:
Chegada Lynch a Humaitá, fui a
bordo, cumprindo ordens que tinha a respeito, e pediu-me ela para desembarcar
no meu escaler, ao que acedi. Mandei-lhe proporcionar uma casa, que se achava
desocupada, e, depois, ela hospedou-se em um quarto no comércio, onde ficou
até as 3 horas da manhã seguinte quando partiu para Buenos Aires em um vapor
Argentino. No exército, onde sou bem conhecido, dispensar-me-ia de fazer
semelhante declaração; aqui, porém, corre-me o dever de contestar explicando o
fato.
Publicando estas linhas prestará
V. Sª um seu serviço ao Brigadeiro Salustiano J. dos Reis.
Desterro, 22.10.1870. (A
REGENERAÇÃO N° 218)
O Despertador n° 1.330
Desterro, SC – Terça-feira, 16.10.1875
Exterior – Rio da Prata
Notícias do Paraguai dão
detalhes do fato anunciado pelo telégrafo de Corrientes, isto é, a expulsão da
inglesa Eliza Lynch de Assunção.
Diz o correspondente do “Telegrapho Marítimo”:
“Logo que
nesta cidade se soube que no dia 22 ela havia desembarcado, reuniram-se em casa
da Sr.ª Machani de Haedo mais de 50 famílias paraguaias das mais distintas, com
o fim de formular uma petição ao governo para se dar execução à pena já infligida
à mencionada Elisa Lynch.
Transcrevemos esse documento, que consideramos notável, e o único desse
gênero que temos visto na América. Ei-lo”:
Exm° Sr. Presidente da
República.
Senhor, há legados de sangue e de vergonha, dos quais o
coração mais magnânimo não prescindirá jamais. Não há sentimento humanitário
capaz de fazer calar no coração o horror e a indignação naturais que nele
produz a presença do verdugo, mais do que do verdugo, da sua instigadora
insaciável.
Senhor, procurávamos fechar os olhos com horror da recordação
do desesperado fim do nossos pais, esposos, irmãos e filhos.
Buscávamos na resignação cristã o bálsamo para as feridas de
nossa alma, impossíveis de cicatrizar, quando a presença de uma mulher odiosa,
criminosa, acusada pela opinião pública como a instigadora e cúmplice de
crueldade incríveis, apresenta-se audazmente entre nós abrindo-as e as fazendo
verter sangue novamente, como o que mancha as mãos dela não fosse suficiente à
sua cobiça e maldade infernais.
Senhor, um milhão de paraguaios estremeceram de indignação
nos seus túmulos ignorados, quando Lynch pisou hoje a terra que os cobre.
Senhor, tanta audácia, tantos crimes, clamam a vindicta ([1])
que a lei nos deve.
Senhor, em nome das vítimas que na opinião pública sacrificou
a mulher Elisa A. Lynch, nós, suas filhas, esposas, mães ou irmãs, usando dos
direitos que nos concede a constituição, vimos pedir que seja imediata e
ignominiosamente expulsa do País ou que o Fiscal Geral acuse a essa criminosa
perante a justiça do Estado, de conformidade com o Decreto de 04.05.1870,
aprovado pelo Congresso.
Assunção, 23.10.1875.
O presidente Gill acompanhado de seus ministros acolheram
benignamente a comissão de senhoras que lhes apresentaram a petição, e no mesmo
dia 23 à noite, Lynch recebeu ordem de sair imediatamente do território
paraguaio. (O DESPERTADOR N° 1.330)
Diário de Notícias n° 469
Rio de Janeiro, RJ – Segunda-feira, 20.09.1886
Elisa Lynch
Loucuras, Grandezas e Desditas
A recente notícia de haver falecido na Europa a célebre
Madame Lynch, cuja passagem por esta cidade a imprensa nestes últimos anos
várias vezes assinalara, causou no Rio da Prata uma impressão bastante forte, o
que aliás era natural, pois a mulher que compartiu das grandezas e desditas do
ditador López, ali se demorou tempo bastante para tornar-se uma conhecida
íntima. Os jornais dedicaram-lhe artigos, e a “Illustração Argentina” publicou-lhe o retrato, e ao retrato
acrescentou algumas notas que, por nos parecerem muito curiosas e sensíveis,
trasladamos para aqui:
Acaba de morrer em Paris, Elisa Lynch, cujo retrato
autêntico tomamos do que foi tirado em Constantinopla, quando ela visitou as
margens do Bósforo.
Pôde Elisa ser contada entre as mais célebres aventureiras
do século XIX e quiçá de todos os tempos, porém oferece em sua vida rasgos que
se ligam aos fastos de um povo americano, e suas desgraças incomparáveis, como
ela própria dizia em uma carta a uma amiga, inspiram simpatia até aos mais
intransigentes censores.
Nasceu em Londres em 1835, sendo seus país modestos, porém
honrados. Recebeu elementos de instrução que ampliou com perspicácia genial.
Casou-se com um jovem muito benquisto, porém o seu casamento não estava
destinado a celebrar ao menos as bodas de prata e assim ela desprendeu-se
dessas cadeias sem o mínimo escrúpulo.
Principiou a viajar com um Lord inglês, fez um grande
sucesso na coroada cidade do Madrid, e larga brecha nos cofres de um rico
banqueiro inglês, porém por sua vez não pôde imperar no coração de um jovem
sevilhano que lhe inspirou uma extravagante paixão.
Seria fatigante acompanhá-la nesse caminho, sempre semeado
de espinhos e rosas desde Aspásia em Athenas ([2])
até aos nossos dias prosaicos.
Um filho da América do Sul
subjugou essa vontade versátil, rendendo também a sua à fascinação de que era
dotada a estrangeira e de que outros tinham sido tributários.
Francisco Solano, filho do ditador do Paraguai, Carlos
Antonio López, viajava a Europa com o fausto de um príncipe e a petulância de
sua idade, índole e jerarquia ([3]).
O destino uniu o mancebo americano à Elisa, que havia cruzado as alegrias da
antiga Lutécia, ou da moderna Babilônia, como já chamaram Paris.
Elisa coloriu com o prisma de
uma imaginação romanesca, um horizonte maravilhoso no Novo Mundo.
Veio à Assunção, e o velho déspota que amava o seu
primogênito, a quem por testamento legou a potestade suprema ([4]),
tolerou ou dissimulou aquela ilegítima união.
Quando o general Francisco Solano ocupou o sólio ([5])
de seu progenitor, Elisa assumiu os ares e a ascendência de uma soberana. Não
lhe faltaram lisonjeiros entre ministros diplomáticos, que os monarcas europeus
acreditaram na capital paraguaia.
Chegou entretanto um momento em que a situação e o caráter
de Madame Lynch sujeitaram-se a terríveis provas. Foi quando a Tríplice Aliança
da Republica Argentina, Uruguai e Brasil, aceitou o repto de guerra lançado
por López. A história dessa contenda colossal oferece o terror da tragédia e a
solenidade da Bíblia.
Duas gerações foram exterminadas nesses campos defendidos
pelo fanatismo pátrio, com obediência muçulmana ao chefe de povos quase
primitivos. Não é presumível que Elisa aconselhasse algumas das desesperadas e
cruéis resoluções de López, porém, é indubitável que participou de seus
perigos. Por último o autocrata paraguaio caiu combatendo, defendido pelo braço
de seu inocente filho de 15 anos, que também sucumbiu nas misteriosas margens
do Aquidaban.
Elisa Lynch regou com suas lágrimas estas relíquias e até
cavou com suas mãos a humilde sepultura dos seres amados. Teve esta mulher os
atrativos que aprisionaram até a alguns filósofos antigos e dotes singulares de
Engenho. Chegou a acariciar o sonho de um diadema para seu companheiro, e a
esperança de que a púrpura cobriria os seus próprios erros. Ella sabia que
Teodora, depois de haver feito as delicias do teatro bizantino, sentou-se com o
imperador Justiniano no trono do Oriente. (DIÁRIO DE NOTÍCIAS N° 469)
O Economista n° 1.525
Lisboa, Portugal –
Quinta-feira, 30.09.1886
Correspondências
Brasil, RJ, 08.09.1886
Os periódicos do Rio da Prata trouxeram a nova de haver
falecido na Europa a célebre Elisa Lynch, que tão extraordinário e nefasto
papel desempenhou ao lado do ditador López, da República do Paraguai. A
respeito desta mulher, escreve uma folha daquela parte da América do Sul o
seguinte:
Mulher
inteligente, de uma educação esmerada e de uma beleza peregrina ([6]),
entregou-se bem jovem à uma vida dissoluta de cortesã ([7])
festejada, passando de mão em mão nas principais cidades da Europa, em Paris,
em Londres, em Roma e em Madri. Foi no meio das suas orgias que o general López
a viu e ficou dominado pelo seus encantos. [...] (O ECONOMISTA N° 1.525)
Bibliografia
A REGENERAÇÃO N°
218. À Pedido – Brasil –
Desterro, SC – A Regeneração n° 218, 23.10.1870.
DIÁRIO DE
NOTÍCIAS N° 469. Elisa Lynch Loucuras, Grandezas e Desditas – Brasil – Rio de Janeiro, RJ –
Diário de Notícias n° 469, 20.09.1886.
O
DESPERTADOR N° 1.330. Exterior – Rio da Prata – Brasil – Desterro, SC –
O Despertador n° 1.330, 16.10.1875.
O
ECONOMISTA N° 1.525. Correspondências – Lisboa – Portugal – O Economista
n° 1.525, 30.09.1886.
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de
Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor
e Colunista;
Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do
Sul (1989)
Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre
(CMPA);
Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura
do Exército (DECEx);
Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério
Militar – RS (IDMM – RS);
Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando
Militar do Sul (CMS)
Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira
(SAMBRAS);
Membro da Academia de História Militar Terrestre do
Brasil – RS (AHIMTB – RS);
Membro do Instituto de História e Tradições do Rio
Grande do Sul (IHTRGS – RS);
Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia
(ACLER – RO)
Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio
Grande do Sul (AMLERS)
Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da
Escola Superior de Guerra (ADESG).
Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
[1] Vindicta: vingança. (Hiram Reis)
[2] Aspásia de Mileto: O nome Aspásia significa “a bem-vinda”. Foi uma grega do século V a.C. nascida em Mileto que,
com 20 anos, mudou-se para Atenas. Mulher bonita e inteligente dizem que foi
iniciada na prostituição por seu pai para atender aos desejos dos homens mais
ricos e poderosos. (Hiram Reis)
[3] Jerarquia: hierarquia. (Hiram Reis)
[4] Potestade suprema: força suprema, poder supremo. (Hiram Reis)
[5] Sólio: trono. (Hiram Reis)
[6] Peregrina: singular. (Hiram Reis)
[7] Cortesã: mulher de costumes libertinos, devassos e vida luxuosa.
(Hiram Reis)
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Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira O jornalista H