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Gente de Opinião

Hiram Reis e Silva

Terceira Margem – Parte DCXL - A Medicina na Guerra do Paraguai Parte XII


Terceira Margem – Parte DCXL - A Medicina na Guerra do Paraguai Parte XII - Gente de Opinião

Bagé, 18.09.2023


A MEDICINA NA GUERRA DO PARAGUAI

(Mato Grosso)

LUIZ DE CASTRO SOUZA

Sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e Membro titular do Instituto Brasileiro de História da Medicina.

IX

ASSALTO E RETOMADA DE CORUMBÁ

O Presidente Dr. J. V. Couto de Magalhães, que havia assumido o governo da Província de Mato Grosso, em 02.02.1867, organiza um Batalhão Provisório de Infantaria, apronta o 1°, 5° e 6° da Guarda Nacional e forma uma esquadrilha de pequenos vapores. Ao receber a comunicação do Cel Carlos de Moraes Camisão de haver invadido o território inimigo, pelo Apa, o Presidente da Província, põe, imediatamente, em execução, o seu plano de ação contra Corumbá, ocupada pelas Forças paraguaias, fazendo partir, no dia 15.05.1867, o Batalhão Provisório sob o comando do Tenente-coronel Antônio Maria Coelho. Logo a seguir, partem os outros batalhões e no fim do mês de maio, encontravam-se nos Dourados, no Rio Para­guai, todas as Forças Expedicionárias, constituídas de uns 2.000 homens e seus 17 canhões, prontas a entrar na luta. O Presidente Couto de Magalhães assumia, pessoalmente, o comando geral das Forças.

O Serviço de Saúde da Expedição, que não havia sido olvidado, estava constituído pelos seguintes médicos militares: Capitão 1o Cirurgião, Dr. João Tomás de Carvalhal, na qualidade de primeiro cirurgião em chefe, do Hospital de Sangue, Tenentes 2os Cirurgiões, Drs. Carlos José de Souza Nobre e José Antônio Dourado, e o 2° Cirurgião da Armada, Dr. Augusto Novis que acompanhava o Presidente da Província, Dr. José Vieira Couto de Magalhães ([1]).

O Capitão 1° Cirurgião, Dr. João Tomas De Carvalhal era natural da cidade de Santo Amaro, Bahia, nascido aos 07.03.1836, sendo seus pais Francisco Antônio de Carvalhal e D. Ana Guilhermina de Carvalhal. Diplomou-se pela Faculdade de Medicina da Bahia, em 1858, cuja tese de doutoramento versou sobre: “Feridas penetrantes do peito”. Entrou para o Serviço de Saúde do Exército, pelo Decreto de 05.05.1861, no posto de Tenente 2° Cirurgião e Capitão 1° Cirurgião em 01.06.1867 (MENDONÇA).

O Dr. Carlos José De Souza Nobre fazia parte da Força Expedicionária de Mato Grosso e havia se retirado, em Miranda, por motivo de saúde, como afirmamos anteriormente, vindo se restabelecer na cidade de Cuiabá. Nasceu na cidade de Salvador, Bahia, a 22.08.1839, filho de Carlos José de Souza Nobre e de D. Carolina Maria Fragoso Nobre. Doutor em medicina pela Faculdade de sua Província natal, quando em novembro de 1863, defendia tese (NOBRE). Foi aluno interno de Clínica Cirúrgica da Faculdade e pensionista do Hospital Militar da Bahia. Ingressou no Corpo de Saúde do Exército, pelo Decreto de 17.02.1864, no posto de Tenente 2° Cirurgião, quando fora designado para servir na guarnição de Ouro Preto, Minas Gerais. Radicou-se em Mato Grosso, tendo se casado com D. Ana Josefa Murtinho, filha do Dr. José Antônio Murtinho – médico militar ([2]).

Acompanhando o segundo contingente que seguia com o Presidente da Província de Mato Grosso, en­contrava-se o Segundo Cirurgião da Armada Nacional e Imperial, Dr. Augusto Novis. Natural da cidade do Salvador e filho de José Francisco Novis e de D. Maria Correia Novis. Diplomou-se em medicina pela Faculdade da Bahia, em 1859 (NOVIS, 1859). O Dr. Novis ingressou no Corpo de Saúde da Marinha, no posto de 2° Cirurgião 2° Tenente, em 10.12.1860, declarando, na ocasião, ter apenas 23 anos de idade. Fora designado para servir na Flotilha de Mato Grosso.

Ai radicou-se, contraindo núpcias com D. Maria da Glória Gaudie Leite e constituindo uma ilustre família ([3]).

Em Dourados ([4]) se encontravam concentradas as Forças Expedicionárias, com os soldados de infantaria, o parque de artilharia e os pequenos vapores da flotilha armados com 14 canhões e sob o comando do Capitão-Tenente Balduíno José Ferreira de Aguiar. Não podendo atacar o inimigo pelo rio, diante da superioridade dos vapores Paraguai e, assim, desceu o Tenente-Coronel Antônio Maria Coelho pelo pantanal até o Rabicho, a jusante de Corumbá, onde conseguiu desembarcar seus mil homens, na madrugada do dia 13 de junho, sem serem pressentidos pelos paraguaios.

Contornaram a posição fortificada conseguiram levar o ataque por Sudoeste, surpreendendo o inimigo que supunha vir a ofensiva pelo Norte.

No mesmo instante, o valente Capitão João de Oliveira Mello penetra na vila à frente de seus 200 comandados, e dirigindo-se ao porto, ataca os vapores paraguaios “Apa” e “Anhambhay” obrigando-os à fuga, debaixo de renhido fogo. O ataque às trincheiras inimigas ao mesmo tempo, por diversos pontos, foi tão vigoroso que o grosso da Força do Tenente-Coronel Antônio Maria Coelho dominava a praça, depois de uma resistência de apenas uma hora. Foi uma investida de arrojo e tão cheia de bravura que fez lavar a alma nacional.

Estava libertada Corumbá, graças a uma ação ousada, pois não se esperou o resto da Expedição que viria apoiar o ataque. O inimigo teve mais de 100 mortos, inclusive o Cel Hermógenes Cabral, comandante da praça, contra 29 brasileiros postos fora de combate. Entre os bravos 200 brasileiros que entraram em Corumbá numa arrancada plena de heroísmo, estavam o Tenente 2° Cirurgião, Dr. Carlos José de Souza Nobre e o Alferes Farmacêutico em comissão, Damião José Soares. Libertada a povoação de Corumbá, os brasileiros observam que a varíola grassava ali e ficam cientes, pelo exame do arquivo apreendido, de reforços que deveriam partir de Assunção e do insucesso da invasão da coluna do Cel Camisão na fronteira do Apa. Diante disso, o Presidente Couto de Magalhães, que havia chegado de Dourados no dia 23, com o resto dos batalhões, resolve retornar a Cuiabá, no dia seguinte, levando os troféus da vitória: duas bandeiras, seis canhões e muita munição e armamento. Em nossos soldados já se manifestava a incidência da varíola que ia disseminando gradativamente, motivando a imediata retirada de toda a Força para Cuiabá.

 

A Expedição segue, uma parte embarcada e outra pela margem do rio e pelos pantanais, numa longa e penosa jornada cheia de surpresas, privações e acrescida do incremento da varíola, até alcançar o rio São Lourenço.

A 11 de julho, encontravam-se no porto da fazenda do Alegre vapor “Antônio João”, na margem esquer­da do rio São Lourenço, rebocando quatro embarca­ções e o “Jauru”, amarrado à margem oposta, isolado, por rebocar duas chatas com 80 variolosos.

A soldadesca carneava-se despreocupadamente. À tarde desse dia, surgiram três vapores de guerra paraguaios, que haviam subido o rio em perseguição aos brasileiros, após a derrota sofrida em Corumbá. Trava-se um combate renhido e apesar de surpre­endidos, os nossos soldados e marinheiros põem em fuga as Forças inimigas, e cujo episódio relevante foi a tomada e retomada do nosso vapor “Jauru”. Narra um dos expedicionários, General Antônio Aníbal da Mota, então Alferes, que:

um soldado alcunhado “Chiba”, apesar de ter o corpo todo coberto de pústulas de bexiga, sem camisa, pôs o cinturão e, durante todo combate, não cessou de fazer fogo, ora sobre o “Salto”, ora sobre o “Jauru”; terminado, foi-lhe um martírio para desapertar o cinturão, ficando a cintura em chaga viva (MENDONÇA).

Esta luta conhecida pela designação de “Combate do Alegre”, teve como artífice da vitória, o denodado Capitão-Tenente Balduíno de Aguiar, comandante da Flotilha de Mato Grosso, que diz na sua parte oficial sobre o combate, datada de 18.07.1867, o

farmacêutico cirurgião” DAMIÃO JOSÉ SOARES, “tam­bém cumpriu muito bem o seu dever” (MENDONÇA).

O Tenente 2° Cirurgião, Dr. Carlos José de Souza Nobre, que havia descido para o Baixo Paraguai com o 1° Batalhão Provisório de Infantaria, em 15 de maio, bem como o Farmacêutico contratado Damião José Soares, foram citados pela Ordem do Dia n° 7, de 14.06.1867, publicada pelo Tenente-Coronel Antônio Maria Coelho, comandante do respectivo Batalhão, onde diz:

É digno de elogio a coragem e dedicação dos Srs. Dr. 2° Cirurgião Carlos José de Souza Nobre e Farmacêutico Damião José Soares, porquanto não sendo precisos seus serviços antes da ação, entraram em combate nas fileiras, das quais só se retiraram quando suas presenças eram reclamadas.

A citada Ordem do Dia é transcrita, também, na do Comandante das Armas, n° 270, de 28.06.1867. Os referidos membros do Serviço de Saúde, além de tomarem parte no combate e tomada de Corumbá, assistiram ao “Combate do Alegre”. O Governo Imperial em reconhecimento aos serviços prestados, outorga, em 19.08.1867, ao Tenente 2° Cirurgião, Dr. Carlos José De Souza Nobre, o hábito da Ordem de Cristo, e ao farmacêutico contratado Damião José Soares a insígnia da “Ordem Imperial da Rosa”, no grau de cavaleiro.

Por Decreto n° 4.201, de 06.06.1868, foi concedido o uso da “Medalha de Mato Grosso”, também denominada “Medalha de Constância e Valor”, às Forças que marcharam da capital da Província a fim de operar contra Corumbá.

Pela Ordem do Dia, n° 315, do Comandante das Armas, de 30.09.1867, é transcrito o ofício do Presidente da Província, no qual é Elogiada E Ressaltada A Ação Do Capitão 1° Cirurgião, Dr. João Tomás de Carvalhal, pelos bons serviços prestados na epidemia variólica que se desenvolveu nas Forças Expedicionárias no Baixo Paraguai.

Seu nome figura na relação de oficiais que mais se destacaram por serviços humanitários, coligida e encaminhada pelo Comandante das Armas de Mato Grosso ao Governo Imperial ([5]).

A retomada de Corumbá ficou como exemplo edificante do esforço e da tenacidade de uma gente, glorificada numa jornada de arrojo e esplêndida de heroísmo. Os médicos militares e seus auxiliares foram dignos de seus irmãos combatentes, no desagravo à honra e aos brios nacionais.

X

A EPIDEMIA DE VARÍOLA

Em março de 1867, assumia a função de Delegado interino do Cirurgião-Mor do Exército, na Província de Mato Grosso, o Major Cirurgião-Mor de Brigada, Dr. Francisco Antônio de Azeredo. O Delegado efetivo, Tenente-Coronel Cirurgião-Mor de Divisão, Dr. José Antônio Murtinho, havia sido afastado do cargo pelo Presidente Couto de Magalhães, tendo-lhe ordenado que fosse se apresentar ao Ministério da Guerra, para servir em qualquer outra comissão, porém, fora da Província de Mato Grosso.

Dizem que o motivo real dessa atitude de perseguição teria sido a política partidária, pois o Presidente pertencia ao Partido Liberal e o Dr. Murtinho militava no Partido Conservador. O certo é que este médico militar apresenta-se ao Ministro da Guerra e solicita inspeção de saúde, cujo resultado é a reforma concedida pelo decreto de 13.07.1867,

por sofrer de moléstia incurável que o torna incapaz ao serviço do Exército.

Baseado no longo relatório do Delegado do Cirurgião-Mor do Exército em Mato Grosso ([6]), referente ao mês de dezembro de 1867 e acompanhado de um panorama geral dos acontecimentos mais importantes verificados no decorrer do citado ano, vamos revelar o drama vivido pelos médicos militares e o sofrimento por que passou aquela gente.

A 26 de junho chegava a Cuiabá, o Alferes Hortêncio Augusto de Seixas Coutinho, trazendo a notícia da gloriosa retomada de Corumbá e toda a cidade vibrou de entusiasmo. No dia 28, o Delegado do Cirurgião-Mor recebia comunicação do primeiro caso suspeito de varíola e que naquele mesmo dia, à noite, era internado no Hospital Militar para observação, ficando em isolamento. Tratava-se de um soldado do Batalhão de Voluntários da Pátria, chamado Antônio Feliz, que como hábil canoeiro, havia trazido o citado alferes de Corumbá. Diz o Dr. Azevedo, que

apesar dos socorros mais prontos e enérgicos, à meia hora da madrugada do dia trinta do mesmo, estava morto.

Era a primeira vítima da varíola falecida em Cuiabá ([7]). A inumação foi procedida com todo o rigor. Imediatamente, o Delegado do Cirurgião-Mor representava, sugerindo a criação de uma unidade de isolamento e lazaretos, tendo em vista a próxima chegada das Forças do Baixo Paraguai, muitas portadoras do mal.

No dia 14 de julho, apareciam no Hospital Militar casos de “febres eruptivas”, quando foram imediatamente removidos para o isolamento, improvisado em enfermaria, no Seminário Episcopal. Já no dia seguinte era confirmado o diagnóstico: varíola.

O Major Cirurgião-Mor de Brigada, Dr. Francisco Antônio de Azeredo, como a maior autoridade sanitária, compreendeu a grande responsabilidade que recaia sobre a sua pessoa, diante de uma terrível doença pestilencial e procurou tomar as providências que a ocasião impunha e assim, com o apoio dos seus superiores, pensou em estabelecer hospitais provisórios, bem distantes da cidade de Cuiabá.

Juntamente com seus colegas, Tenentes 2os Cirurgiões, Dr. Dormevil José dos Santos Malhado e Dr. João Adolfo Josetti, e o Diretor do Arsenal de Guerra, escolheu inicialmente a recém-construída casa de pólvora, no lugar denominado “Mãe Bonifácio” e para aí removia os primeiros variolosos. Ao mesmo tempo instalou outro hospital na barra do rio Coxipó, para militares.

Depois as Enfermarias na freguesia de São Gonçalo de Pedro II, em salas contíguas a Igreja desta paróquia e na chácara de Jarcem. Conjuntamente às iniciativas nosocomiais, solicitou com o maior ardor o envio de lâminas e tubos capilares para a inoculação vacínica na profilaxia da varíola, pois, constatou o Dr. Azeredo que muito pouca gente estava imuni­zada, numa população calculada em 13.000 pessoas, mais ou menos ([8]).

No relatório oficial do Capitão 1° Cirurgião, Dr. João Tomás de Carvalhal, como primeiro cirurgião chefe do Hospital de Sangue da Expedição ao Baixo Paraguai, o mesmo salienta que o desenvolvimento da epidemia de varíola nas Forças Expedicionárias, deu-se após o “Combate do Alegre”, quando houve a junção desordenada das ditas Forças e não foi possível manter o isolamento dos variolosos, facili­tando, em consequência, o contágio, agravado pela diminuição da resistência das praças, depois da luta em que até os doentes participaram ativamente.

Em decorrência do “Combate do Alegre”, houve desertores ou extraviados, cujas presenças em vários lugares da província, já contaminados pela varíola, provocaram a disseminação da doença. O Presidente Couto de Magalhães, em ofício n° 109, dirigido ao Ministro da Guerra, comunicava com grande satisfação que a epidemia havia cessado nas Forças Expedicionárias do Baixo Paraguai e puderam então entrar em marcha, tendo chegado a Cuiabá, em 17 de setembro, acrescentando que

A bexiga levou só nessas Forças cerca de 350 vítimas ([9]).

Como vemos foi bastante elevado o número de baixas na Coluna contra Corumbá. A dois de julho, chegava pelo correio uma caixinha contendo linfa vacínica, recebendo-a imediatamente o Dr. Azeredo em Palácio da Presidência da Província e inicia a imunização, porém, sem bons resultados, pois, tratava-se de vacina pouco ativa. Utilizou-se, então, da “linfa humana” e assim, conseguiu-se inocular muitas pessoas. A epidemia de varíola ia atingir a todas as classes sociais de Cuiabá e

A 23 de julho verifica-se o primeiro caso fatal na população civil, na pessoa de Januário, solteiro, de 36 anos, que foi sepultado no Coxipó.

A sua marcha acelerou-se, casa por casa, ruas e travessas e finalmente toda Cuiabá estava assolada, vivendo sob o fantasma da varíola. Não demorou a surgir o pânico na cidade com o morbo multiplicando as suas vítimas, quando os cemitérios foram poucos para recolher aos que sucumbiam; por isso era inaugurado, a 02.08.1867, o cemitério de Nossa Se­nhora do Carmo, no Cai-Cai. A varíola havia surgido em julho e continuou a fazer seus estragos até fins do mês de outubro e no auge da mortandade, diz o Dr. Azeredo, fez mais de cem vítimas por dia. Pelo número avultado de cadáveres, assevera Estevão de Mendonça que

Os corpos eram conduzidos em carroças, seminus, numa promiscuidade irreverente, e assim atirados em valas. Esta medida por fim tornou-se insuficiente e não raro foram os cadáveres arrastados por cães famintos e até cremados aos montões (MENDONÇA).

A população tomada de pânico procurava fugir da cidade, mas a varíola alastrava-se pelo interior, atin­gindo cidades, vilas e lugarejos mais distantes. Diz o Prof. Dr. Clovis Corrêa da Costa que

Os proprietários do interior defendiam-se, isolando-se de qualquer contato com vizinhos e refugiados, botavam escravos nas estradas, armados, com or­dem de fuzilar aqueles que tentassem violar o isolamento (COSTA, 1965).

Como se não bastasse a devastação da Guerra em seu próprio território, a Província de Mato Grosso era atingida por uma impiedosa tragédia pestilencial. Apesar da diminuição da intensidade da epidemia, o Dr. Francisco Antônio de Azeredo, como chefe inconteste da Saúde Pública, não descansava e multiplicava-se em atividades.

Pela carência da linfa vacínica, mandava buscá-la na Corte, Minas e São Paulo, sem resultado, quando tomou conhecimento, no mês de novembro, que no lugar denominado Curralinho, distante 4 léguas de Cuiabá, apareceram pústulas na teta de uma vaca. Mandou incontinenti viajar para aquele local o Tenente 2° Cirurgião contratado, Dr. João Adolfo Josetti, que observou e trouxe algumas lâminas e pessoas inoculadas, em quem nenhum resultado obtivera.

O 2° Cirurgião da Armada, Dr. Augusto Novis, seguiu até Ponte Alta, distante 15 léguas da capital, tendo voltado a 18 de dezembro, trazendo algumas lâminas e passando a supuração, de braço a braço. Com certa quantidade de vacina, determinara o Dr. Azeredo que o Tenente 2° Cirurgião, Dr. Dormevil José dos Santos Malhado, seguisse para as fazendas e freguesias do “Rio Acima” e o Tenente 2° Cirurgião Dr. Carlos José de Souza Nobre para as do “Rio Abaixo”, tendo ambos realizado um belo trabalho preventivo contra a varíola, inoculando umas quinhentas pessoas. Ainda no mês de dezem­bro de 1867, continuavam os casos esporádicos; um ou outro por semana. Os heroicos soldados da Retirada da Laguna, ficaram cerca de três meses em quarentena, na chácara do Comendador Henrique José Vieira, distante uma légua e meia da capital, e após serem vacinados pelo Dr. Quintana, entraram em Cuiabá, a 16.10.1867.

Para supervisionar as medidas profiláticas nos remanescentes da Retirada da Laguna e incorporar-se à Coluna, havia de há muito partido o Major Cirurgião-Mor de Brigada, Dr. Cirilo José Pereira de Albuquerque. Este médico militar encontrava-se na Província de Mato Grosso desde o início da invasão paraguaia. Era natural da cidade do Salvador, Bahia, e filho de Caetano José Pereira.

Doutor em medicina pela Faculdade do Rio de Janeiro, após defender tese, a 11.12.1843, (PEREIRA DE ALBUQUERQUE, 1843). Assentou praça, a 13.01.1847, no posto de Alferes Cirurgião-Ajudante, sendo promovido, a 03.03.1852, a Tenente 1° Cirurgião, aos 02.12.1854 atingiu o posto de Capitão 1° Cirurgião e, finalmente, a 03.03.1866, à gradua­ção de Major Cirurgião-Mor de Brigada, por antigui­dade ([10]). As medidas e providências de vigilância sanitária e principalmente para os não vacinados, dadas pelo Delegado do Cirurgião-Mor do Exército em Mato Grosso, eram severas e foram cumpridas rigorosamente pelos médicos militares. Esperava o Dr. Azeredo que no final do mês de dezembro toda a população civil e militar da Província estivesse imunizada contra a varíola.

Em fins do mês de outubro, diante do declínio da virose, o Dr. Azeredo fechava os hospitais provisórios de Mãe Bonifácia, destinado aos pobres de socorro público, e o de Coxipó, e a Enfermaria instalada no Seminário da Conceição e outras. A Santa Casa da Misericórdia teve o seu hospital extinto e todo ocupado com os doentes militares, no período do flagelo.

A Enfermaria do Distrito Militar de Poconé esteve durante a epidemia, a cargo do Dr. João Tomas De Carvalhal, que prestou socorros a toda a população local e conseguiu salvar mais da metade de sua gente, tendo regressado este médico militar a Cuiabá, em 2 de dezembro, quando apresentou seu relatório como 1° Cirurgião Chefe do Hospital de Sangue da Expedição de Corumbá e responsável pela Enfermaria do Distrito Militar. Deixara como encar­regado pela enfermaria, um “farmacêutico prático”.

No Distrito Militar de Vila Maria [Cáceres atual], a varíola não se apresentou em caráter alarmante, graças à atuação do antigo responsável pela Enfermaria, Capitão 1° Cirurgião, Dr. Cândido Manoel de Oliveira Quintana, quando, em 1860, havia vacinado quase toda a população. Houve, apenas, vinte óbitos.

Era destacado no Distrito Militar de Vila Maria, o Tenente 2° Cirurgião, Dr. José Antônio Dourado, que tendo se adiantado no regresso do contingente expedicionário que acompanhara no Baixo Paraguai, no mês de dezembro se encontrava em Cuiabá, tendo esta por menagem ([11]), uma vez que havia passado por conselho de investigação; ia apresentar sua defesa no Conselho de Guerra. Este médico militar veio a falecer em 06.02.1868, em Cuiabá. Encontrava-se como responsável pela Enfermaria de Vila Maria, na ausência do efetivo, um médico francês, há muito residente na Bolívia, chamado Dr. Alexandre Sargneil.

A Enfermaria do Distrito Militar da Cidade de Mato Grosso não tinha médico, encontrava-se como responsável o Alferes da Guarda Nacional, Manoel Bento de Lima, filho de um antigo curandeiro de igual nome. Pelas faltas e irregularidades constata­das, o Delegado do Cirurgião-Mor do Exército em seu relatório opinava pela sua extinção. Já no Hospital Militar de Cuiabá, em dezembro de 1867, exercia a função de Primeiro-médico, interino, o Capitão 1° Cirurgião, Dr. Manoel De Aragão Gesteira; Segundo-cirurgião-de-dia, Tenente 2° Cirurgião Dr. Dormevil José dos Santos Malhado ([12]).

A botica tinha como responsável o Alferes Farmacêutico Manoel Francisco de Oliveira, coadjuvado pelo Alferes Farmacêutico Reginaldo José de Miranda. O primeiro, praça em 10.08.1861, serviu no Hospital até 1° de abril e no acampamento dos expedicionários da Retirada da Laguna, em Aricá-Grande, a 15.10.1867 encontrava-se servindo, como componente do Serviço de Saúde que estava constituído pelo Major Cirurgião-Mor de Brigada, Dr. Cirilo José Pereira de Albuquerque, incorporado à referida Força, Capitães 1os Cirurgiões, Drs. Quintana e Gesteira. (CONTINUA...)

Bibliografia

 

SOUZA, Luiz de Castro. A Medicina na Guerra do Paraguai (I a V) – Brasil – São Paulo, SP – USP, Revista de História, 1968, 1969 e 1970.


(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

 

Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)

Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);

Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);

Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)

Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);

Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)

Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);

Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)

Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).

Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).

E-mail: hiramrsilva@gmail.com.



[1]    Estêvão de Mendonça, em “Datas Mato-grossenses”, diz que o Serviço de Saúde era constituído pelos Drs. Luiz Terêncio de Carvalhal, Dormevil José dos Santos Malhado e Carlos José de Souza Nobre. O primeiro, aliás, Luiz Terêncio de Carvalhal, era na época, acadêmico de medicina e servia na qualidade de 2° cirurgião em comissão, na Enfermaria Central de Tuiutí, no Paraguai. Diplomou-se, dois anos depois, em 1869, na Bahia. Terminada a campanha, ficou no exército, e em 1871, encontrava-se destacado em Mato Grosso. Quanto ao Dr. Malhado, este ocupava a função de primeiro-médico interino do Hospital Militar de Cuiabá. (SOUZA)

[2]    O Dr. Carlos José de Souza Nobre radicou-se na Província de Mato Grosso, tendo ingressado no Partido Conservador, agremiação política em que militava o seu sogro, quando foi eleito deputado geral, em 1876. Sobre ele assevera Estevão de Mendonças: “político de largo descortínio, o seu nome era pronunciado com respeito e com carinho por amigos e adversários, sendo como médico um verdadeiro apóstolo de caridade” [MENDONÇA, vol. II]. O Dr. Nobre faleceu na cidade de Buenos Aires, a 23.08.1882, quando se encontrava em trânsito, viajando para Cuiabá, de regresso do Rio de Janeiro. Deixou na orfandade quatro filhos menores: Manoel, Rosa, Antônio e Juvenal. Os filhos varões continuaram a tradição paterna ao abraçarem a profissão hipocrática e sua única filha casou-se com o Prof. Dr. Antônio Dias de Barros [1871-1928], catedrático de Histologia da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. O Dr. Carlos Nobre além da condecoração da Ordem de Cristo, fora agraciado por serviços prestados na campanha, com a insígnia da “Ordem Imperial da Rosa”, no grau de cavaleiro e a “Medalha de Mato Grosso”, também denominada, “Medalha da Constância e Valor”. E, finalmente, fora distinguido com a “Medalha Geral da Campanha do Paraguai”. (SOUZA)

[3]    Este médico militar mandava educar os filhos em sua terra natal e diante da projeção alcançada por um dos seus filhos, Dr. Aristides Novis, em terras da Bahia, principalmente como Professor Emérito da Faculdade de Medicina, diz Virgílio CORRÊA FILHO, muito a propósito e com felicidade, que “Mato Grosso resgatou fidalgamente o que devia à Bahia pela cuiabanização de um dos seus beneméritos filhos”. No dia 03.04.1869, o Dr. Novis foi graduado no posto de 1° Cirurgião 1° Tenente, em, e promovido ao mesmo posto, em 20.08.1872. Refor­mou-se em 27.02.1886 como Cirurgião de Divisão Capitão-Tenente. Mais tarde, o governo republicano, a 20.11.1891, concedeu-lhe as honras de Cirurgião de Esquadra Capitão de Fragata “por serviços prestados na Campanha do Paraguai”. Era Cavaleiro da “Ordem Impe­rial da Rosa” e da “Ordem de Aviz”, condecorado, respectivamente, em 19.06.1876 e 02.11.1878. Faleceu cercado do respeito e consideração dos seus patrícios, na cidade de Cuiabá, em 08.07.1908. (SOUZA)

[4]    Local do Estabelecimento Naval, à margem direita do Rio Paraguai. Aí se depositavam munições e artigos bélicos trazidos da Corte para a flotilha. Na invasão de Mato Grosso dirigia o estabelecimento, o 1° Tenente da Marinha, Pedro Davi Durocher que, posteriormente, foi dado como desaparecido. Este oficial era filho da Madame Durocher, francesa de nascimento e parteira brasileira, diplomada pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, em 1834, que, pelos seus méritos e trabalhos publicados sobre a obstetrícia, fora a única mulher a lograr assento na Academia Imperial de Medicina, eleita em 1871, como membro titular. (SOUZA)

[5]    Arquivo Nacional. IG 1 – 242 [1867], doc. 503. (SOUZA)

[6]    Relatório do Dr. Francisco Antônio de Azeredo, de 23.01.1868. Arquivo Nacional. IG 1 – 243, doc. 599-611. (SOUZA)

[7]    Estevão de Mendonça e outros, assinalam que esse soldado havia falecido aos dois de julho de 1867, e, agora, diante da narrativa do médico militar que também o assistiu, Dr. Francisco Antônio de Azeredo, conhecemos a data exata de seu falecimento. (SOUZA)

[8]    O comerciante Henrique José Vieira é apontado como a pessoa que, pela primeira vez, praticara a vacinação antivariólica na cidade de Cuiabá, em 18.07.1852 [MENDONÇA]. (SOUZA)

[9]    Arquivo Nacional. IG 1 – 242, doc. 483. (SOUZA)

[10]  Em 1871, ocupava o cargo de Delegado do Cirurgião-Mor cio Exército de Mato Grosso. (SOUZA)

[11]  Detenção em sítio franco – sob palavra de honra do prisioneiro. (Hiram Reis)

[12]  Concluída a Campanha, o Dr. Dormevil Malhado solicitou exoneração do Serviço de Saúde do Exército, indo exercer a profissão no meio civil. Era estimadíssimo em Cuiabá e como médico granjeou merecida fama. Diz Estevão de Mendonça que “dentre os médicos que em Cuiabá têm clinicado com êxito, poucos gozaram, como o Dr. Malhado, de igual confiança pública, sendo que ainda hoje as suas receitas são arquivadas carinhosamente e muitas reproduzidas como específico miraculoso” [MENDONÇA]. Foi político militante filiado ao Partido Liberal, tendo sido eleito deputado provincial em diversas legislaturas e Vice-presidente da Província. Inspetor de Higiene, Diretor Geral de Instrução Pública, Professor da cadeira de Pedagogia e Métodos do Liceu Cuiabano e Médico da Santa Casa de Misericórdia. Todos os movimentos culturais e sociais de Cuiabá contaram com seu apoio entusiástico. Fora condecorado com a “Medalha Geral da Campanha”, por decreto de 06.08.1870 e por serviços militares foi distinguido com a insígnia da “Ordem Imperial da Rosa”, no grau de cavaleiro, em 03.04.1877. O Governo Provisório republicano, em 1890, concedeu-lhe as honras de Capitão 1° Cirurgião. Faleceu em Corumbá, a 16.07.1902, quando havia transferido sua residência a fim de ocupar o cargo de inspetor de saúde do porto. Deixou numerosa descendência. A imprensa de Corumbá, “A Pátria”, ao fazer o seu necrológio, cognominou-o “Apóstolo do Bem”. (SOUZA)

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