Sexta-feira, 6 de outubro de 2023 - 06h15
Bagé, 06.10.2023
A Revista Marítima Brasileira N° 133, de
jan/fev de 1937 publicou um artigo detalhando o projeto do monumento aos Heróis
de Laguna e Dourados erigido na Praça General Tibúrcio, Praia Vermelha, Bairro
da Urca, Rio de Janeiro, RJ:
Revista Marítima Brasileira N° 133
Rio de Janeiro, RJ – janeiro/fevereiro de
1937
Monumento aos Heróis de Laguna e Dourados
Pelo Cap Jayme Alves de Lemos
(Da Comissão do Monumento)
I – Ligeiro Histórico
Está concluído o monumento aos Heróis de
Laguna e Dourados, que é a representação da “Epopeia de Mato Grosso” no
Bronze da História. Obra de arte de incontestável valor, do professor do Lyceu
de Artes e Ofícios – Antônio Pinto de Mattos. Neste trabalho o artista se
revela um profundo conhecedor dos segredos de sua arte. Apresentada a “maquete”
em 1921, com 16 concorrentes, foi a 1ª classificada, após um julgamento
rigoroso, de cujo júri era Presidente o Dr. Pandiá Calógeras, então Ministro da
Guerra. Compunham a Comissão os senhores Dr. Felix Pacheco, Ministro das
Relações Exteriores, Professor Souza Lima, da Escola Nacional de Belas Artes,
Gen Monteiro de Barros, Comandante da Escola Militar, Capitão Norival de
Lemos, Engenheiro militar e arquiteto, e como Presidente da Comissão central o
atual Ten Cel Cordelino de Azevedo. O trabalho de fundição, a cargo dos irmãos
Cavina, à rua Lins de Vasconcelos, 623, é digno de elogio pela competência
revelada. Vejamos como nasceu a ideia da ereção do monumento. Em 1920, “O
Jornal”, de 14 de junho ([1]), trouxe à baila a notícia de que os túmulos
de Camisão, Antonio João e do Guia Lopes estavam em abandono e fazia um apelo à
mocidade militar para que lhes colocasse uma lápide. A ideia encontrou, na
mocidade da Escola Militar de Realengo, terreno fértil. Imediatamente se
organiza uma comissão com o fim de angariar recursos para o fim citado. Por
esta ocasião, o então 1° Tenente Pedro Cordolino Ferreira de Azevedo, professor
daquele estabelecimento, rebatendo a ideia inicial, apresenta a sua e que já há
muito o preocupava: em lugar de uma simples lápide, a concretização no bronze,
não só dos feitos da “Retirada da Laguna e Dourados” como de toda a “Epopeia
de Mato Grosso”.
Vitoriosa foi a ideia mas grande era a tarefa a realizar. São decorridos
17 anos e só quem acompanhou os trabalhos do Ten Cel Cordolino de Azevedo é que
poderá avaliar quantos obstáculos, quanta indiferença teve que vencer e superar
para que a sua ideia não morresse. As inúmeras comissões que teve o monumento,
compostas de Cadetes, cada ano se revezavam, sempre sob a sua presidência e responsabilidade
direta. Lutou, persistiu, teve confiança nos homens de bem, eis porque venceu.
Os recursos para o custeio vieram de várias fontes: das classes armadas,
desde o Soldado, do Cadete até as etapas das praças do Exército, Marinha e
Polícia; do povo por intermédio do extinto Congresso Nacional e Câmaras
Estaduais e Municipais. Inicialmente foi cedido para local do monumento a
Ponta do Calabouço, onde se lançou a pedra fundamental em 07.11.1926. Uma vez
preparado o alicerce e aglomerada a parte de granito, os trabalhos foram
suspensos em virtude da sua altura [26 metros] e as proximidades do Aeroporto.
A “Epopeia” esperou mais 8 [oito] anos
pela nova instalação. Este atraso trouxe um prejuízo de cerca de 300 contos com
os trabalhos já realizados e com o encarecimento do custo de vida. Novo local é
designado, o da atual Escola Benjamin Constant à “Praça 11 de Junho”,
devendo para isto ser demolida. Nova espera, os Heróis da Epopeia já haviam
esperado tanto que mais algum tempo não faria mal. Entretanto, uma fase de
realizações surpreende o nosso País. Imbuído pelo alto espírito de amor à
classe, o atual Ministro da Guerra, Sr. General Eurico Gaspar Dutra, teve a
feliz ideia de designar a Praia Vermelha para a sua ereção.
A lendária Praia Vermelha, onde outrora
existiu a Escola Militar de ricas tradições, terá um marco como símbolo das
excelsas aspirações da mocidade militar. Em 1903, naquele vetusto
estabelecimento da Praia Vermelha, o então Major Lobo Vianna lançava a ideia de
um monumento aos Heróis de Laguna. Um projeto de autoria do General Maciel de
Miranda era apresentado e indicava para localização o pátio interno do Quartel
General. Infelizmente nada foi feito. Uma particularidade vem enriquecer o
valor histórico do monumento: é a de ter sido nele empregado o bronze de velhos
canhões que defenderam a integridade da nossa Pátria nas lutas passadas e de
hélices de velhos navios de guerra. O granito de que se compõe a parte
arquitetônica, foi escolhido pelos competentes professores de Geologia da Escola
Politécnica do Rio de Janeiro: Drs. Ruy de Lima e Silva e Otthon Leonardos. A
Prefeitura Municipal, por intermédio do Secretário da Aviação Engenheiro Edison
Passos, deu início ao intensivo trabalho da preparação cio logradouro, no que
tem sido incansável o engenheiro Francisco Ruiz.
II — Cooperação da Marinha na Epopeia
A Marinha Nacional cooperou com
os seus feitos na confecção das heroicas páginas da “Epopeia de Mato Grosso”.
a) Ataque ao Forte de Coimbra.
Auxilia
a defesa do Forte o “Anhambahy”
Capitão Tenente Balduino de Aguiar.
b) A Retirada de Corumbá.
Uma
vez resolvido o abandono do Forte é o “Anhambahy”
que faz o transporte até Corumbá. Em caminho reúnem-se dois navios que iam
levar auxilio ao Forte e com eles chega à Corumbá em 30 de dezembro. Abandonada
aquela cidade os três navios e mais a escuna “Jacobina” são encarregados de levar toda a tropa e a população
de cidade para Cuiabá.
c)
Combate do
Alegre.
No porto de Sará, no Rio de S. Lourenço, em
11.07.1867, se achavam dois navios brasileiros: o “Taurú” e o “Antonio
João”. Ao cair da tarde aproxima-se um grande vapor paraguaio, o “Salto de Guayra” acompanhado de dois
menores. Comandava nossos navios o bravo Capitão Tenente Balduino.
O “Jaurú”
é abordado pelos adversários que o tomam de assalto. O “Antonio João” metralha o “Salto
de Guayra”, com tal energia que o põe em retirada.
Balduino vê que o “Jaurú” está em poder dos paraguaios,
investe sobre ele com “Antonio João”
e consegue abordá-lo e novamente fica em seu poder. Graças ao heroísmo dos nossos
marujos, embora em luta desigual, dois contra três, coube-nos a vitória.
III — A Expressão
Significativa dos Pormenores
O corpo do monumento se compõe das seguintes partes:
1) O pé estilizado em fortaleza –
tem de circunferência 53 metros;
2) A segunda parte se apoia sobre a
precedente, consta de 3 altos relevos representativos de cenas trágicas e
heroicas: a Marcha Forçada, o salvamento dos canhões e o transporte dos
coléricos. Estes altos relevos tem 16 m de comprimento quando retificados e 1,80
m de altura;
3) A terceira parte consiste nas
três figuras simbólicas: Pátria Espada, História e a Glória que medem sentadas
2,40 m;
4) Na face dos altos relevos se
destacam as três figuras dos máximos heróis: Coronel Camisão, Ten Antonio João
e Guia Lopes, medindo 1,90 m;
5) Acima da parte coberta pelo
alto relevo eleva-se uma coluna estilizada em tubo de canhão, feita de granito,
com 9,50 m de altura. Encimando esta coluna, uma estátua representando a
Glória, com 4,20 m de altura e 6 m de envergadura de asas. Ao todo o monumento
terá cerca de 26 m e peso de 300 toneladas.
Os Heróis
Antonio João – está representado no justo momento em que
foi baleado pelo inimigo, quando cai, confirmando assim o que havia escrito:
Sei que morro, mas o meu
sangue e o de meus companheiros servirão de protestos solene contra a invasão
do solo de minha Pátria!
Guia Lopes – em atitude calma de homem do sertão com a
serenidade contemplativa de quem sempre viveu no meio da natureza, e assim
salvou a Expedição.
Coronel Camisão – é a figura curiosa de soldado, está em
atitude meditativa ao mesmo tempo que prova possuir uma grande força de alma.
Com uma das mãos empunha a espada, com a outra, o mapa.
Os Símbolos
A Pátria – representada com capacete e vestes guerreiras, porém, a sua expressão
é de bondade, firmeza e energia. Empunha a bandeira gloriosa que assistiu o
martírio de seus filhos que a defenderam com o sacrifício da própria vida.
A Espada – representada por uma figura em recolhimento, concentrada mostrando a
força de que é dotada. Sua nudez simboliza o heroísmo e coragem legados ao
homem pela natureza.
A História – em intensa meditação, empunha a pena com
que descreve os feitos dos homens.
A Glória – encimando o monumento, significa um pensamento superior que se move a
certa altura, acima das cenas trágicas e agonizantes.
Os Baixo Relevos
São 3 com 1 m x 1,30 m e ficam na base do
monumento.
1) Defesa do Forte de Coimbra:
representa o assalto ao Forte pelo Batalhão paraguaio tentando escalar a gola
Este, sendo repelido.
2) Retirada de Oliveira Mello:
representa a passagem dos retirantes por um pantanal.
3) Combate de Alegre:
o fato culminante é a retomada do vapor “Jaurú”
por abordagem. No fundo do quadro, entre densas nuvens, a velha Corumbá,
retomada pelo Coronel Maria Coelho.
Os Altos Relevos
1)
A Marcha Forçada: é o início da Retirada.
Vê-se aglomeração de uma esquadra de soldados, é a marcha forçada. “Dia e noite atacados pelo inimigo,
combatidos pelo fogo encharcados pelos aguaceiros, devorados pela fome, era
preciso marchar a todo transe”. Nela figura o Visconde de Taunay
empunhando a bandeira.
2)
O Salvamento dos Canhões: pela história sabemos que
o Tenente Cesário de Almeida Nobre de Gusmão, “tudo fez para não os deixar como troféus ao inimigo”. Conduzir
canhões por tremedais profundos, atoleiros imensos, debaixo de sol e chuva,
representa a resistência física e o brio militar com que foi feita a Retirada
da Laguna.
3) O Transporte dos Coléricos: é a mais trágica das passagens daquela retirada. O 3° Alto Relevo
representa “o transporte desses
doentes, espetáculo tétrico e macabro, homens famintos e maltrapilhos carregam
debaixo do clarão do incêndio macas improvisadas numa procissão para a morte”.
É a inclemência da peste é a luta da peste. Cada dia que passa o número de doentes
aumenta. Chega a um ponto que não é possível mais transportar todos e os que
estão condenados à morte são deixados em uma lareira com o seguinte cartaz:
“Compaixão para os coléricos”. E o inimigo, sem dó ou piedade os
massacra.
Eis no “Bronze da História” os feitos dos nossos antepassados.
Herança que orgulhando um povo indica o rumo a seguir na conquista de um ideal.
(RMB N° 133)
(Veterano Francisco Fortunato Souza Lírio, 1865)
Brasileiros, às armas correi,
Empunhando as armas ligeiro;
Nas campinas do vil Paraguai
Sustentai o pendão brasileiro.
É mui nobre o sangue ir verter-se
Pela Pátria que geme oprimida;
Voluntários, armai-vos depressa,
Tendo a fronte de louros cingida.
As mulheres e filhos deixando,
Voluntários da Pátria correi;
De espingarda ou espada na mão
Destroçai esse povo sem rei.
Essa horda selvagem de brutos
Que lá bramem no seu Paraguai
Aos valentes, povo brasílio,
Num momento aos pés calcai.
E vós, marinheiros valentes,
Vosso irmão vos cumpre vingar,
Do Leandro a cabeça arrancando.
Plantar ide à beira do mar.
Quem morre pela Pátria vive,
Faz na história seu nome brilhar,
As viúvas e filhos que deixam
Hão de em Pedro socorro encontrar.
O que vos prende, soldados valentes?
E vossos; nomes não ides escrever?
Ainda é tempo, correi pressurosos,
Ide glória buscar, ou morrer.
Eia, avante, e avante, coragem.
Sobres filhos do Império da Cruz,
Vossos nomes lançai nesse livro
Onde o fogo
da Pátria transita.
Bibliografia
RMB N° 133. Monumento aos Heróis de Laguna e
Dourados (Cap Jayme A. de Lemos) – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Revista
Marítima Brasileira N° 133, janeiro/fevereiro de 1937.
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de
Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor
e Colunista;
Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do
Sul (1989)
Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre
(CMPA);
Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura
do Exército (DECEx);
Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério
Militar – RS (IDMM – RS);
Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando
Militar do Sul (CMS)
Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia
Brasileira (SAMBRAS);
Membro da Academia de História Militar Terrestre do
Brasil – RS (AHIMTB – RS);
Membro do Instituto de História e Tradições do Rio
Grande do Sul (IHTRGS – RS);
Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia
(ACLER – RO)
Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio
Grande do Sul (AMLERS)
Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da
Escola Superior de Guerra (ADESG).
Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
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