Sexta-feira, 4 de agosto de 2023 - 06h10
04.08.2023
III
Não se refez por longo tempo de tantas
fadigas, nomeado como foi, a 4 de março, para ficar à disposição do Diretor do
Arsenal de Guerra da Corte encarregado, a 16 de abril, das funções de 2°
Ajudante, as mais trabalhosas sem dúvida, principalmente naquela época, em que
a Guerra do Paraguai tocava ao seu ponto culminante e exigia dos
estabelecimentos militares todo o esforço, toda a dedicação.
As oficinas nem sequer paravam o trabalho
alta noite! Apesar de tão extraordinárias circunstâncias e da vigilância
veemente e severa dos chefes, quanto era respeitado dos seus operários e entre
eles popular o Capitão Lago!
Também o seu nome, apesar da interposição
dos muitos anos, é ainda hoje lembrado com saudade e reconhecimento.
Condecorado por esses novos serviços com o
Hábito de Cristo a 02.12.1870, foi, por convite do respectivo Ministro, posto a
05.09.1871, à disposição da Secretaria da Agricultura para ir estudar a zona
encachoeirada dos Rios Araguaia e Tocantins, além de levar instruções de
caráter militar no exame e inspeção das colônias e presídios dependentes do
Ministério da Guerra e localizados nos Rios Pará e Amazonas e seus afluentes.
As canseiras da vida do sertão, as viagens
cortadas de perigos e grandes fadigas, outra vez atraíam o Capitão Pereira do
Lago para o interior do Brasil, e de certo muito teve que vencer e superar
naquela operosa Comissão em que gastou nada menos de quatro anos, 1872, 1873, 1874
e quase 1875, todo inteiro.
Dos valiosíssimos e penosos trabalhos que
executou em tão agreste e mal conhecida região, deixou importantes provas e
documentos, não tanto no Relatório apresentado em agosto de 1875 e infelizmente
demasiado resumido, como nos escrupulosíssimos e grandes mapas, secções,
cortes e plantas daqueles dois Rios, na parte das cachoeiras e corredeiras,
que neles impedem a franca e proveitosa navegação.
No terreno ainda ficaram melhores atestados
da sua atividade, pois abriu entre a povoação de S. Vicente no Araguaia e a de
Alcobaça no Tocantins uma estrada de 391 quilômetros e outras vias de
comunicação que logo e até agora aproveitadas pelo comércio ligam para sempre o
honrado nome de Pereira do Lago ao desenvolvimento e progresso dos belos e
fecundos vales do Araguaia e Tocantins.
Não se olvide o futuro da dívida de
gratidão que está e, sem dúvida, por muito tempo estará em aberto!
Promovido a Major por antiguidade a
26.06.1875, quando já fizera 50 anos, nem por isto se mostrava ele desanimado e
descontente.
Seu gênio se desanuviara, tornara-se até
jovial, costumando dizer, apesar da consciência que tinha do seu valor moral,
dos seus serviços e do muito que fizera: “Nunca
pensei poder chegar ao que sou”; filosófica acomodação de espírito de muito
alcance e elevado consolo.
Depois de pertencer à repartição do Arquivo
Militar por ano e meio, teve do Ministério da Agricultura nova Comissão, sendo
em maio de 1876; nomeado diretor do Serviço de Imigração e Colonização na
Província de Santa Catarina, funções que acumulou com as de encarregado das
obras militares.
Possuindo-se de entusiasmo pela magna
questão entregue aos seus cuidados numa das mais interessantes e apropriadas
zonas do Brasil, a imigração europeia e o estabelecimento da pequena propriedade
em Santa Catarina, tudo quis ver por si, em continuas viagens, sempre embarcado
ou a cavalo, a fiscalizar de perto o desembarque, primeiras acomodações e
localização dos recém-chegados e a divisão pronta das terras e equitativa
distribuição de lotes.
Em todos esses assuntos era, antes de tudo, prático,
preferindo deixar imigrantes bem colocados, contentes da situação presente e
esperançados em próximo futuro, do que enviar pomposos ofícios e passar telegramas
de efeito, desenhar bonitos mapas, que consomem sem proveito meses inteiros e
preparar trabalhos de gabinete, cuja realidade, com os processos oficiais
vigentes por tantos anos, tomava-se de todo ponto ilusório.
Para regularizar o serviço de recebimento, que ora se
fazia com extraordinário atropelo, ora cessava absolutamente, conforme as
remessas sem método, nem prudência do Rio de Janeiro, tomou providências
adequadas, mas até certo ponto falhas, enquanto não fosse aprovada e não
tivesse aplicação a série de medidas todas simples e intuitivas, que propôs e,
infelizmente não mereceram a menor atenção por parte de quem as deverá ter logo
adotado.
Estudado com o habitual afinco e consciência o difícil
problema e compenetrando-se da sua missão toda de humanidade e educação, era de
ver-se o carinho que o Major Pereira do Lago desenvolvia para com os infelizes
imigrantes, a sua imensa compaixão pelo infortúnio daquela pobre gente,
reduzida pelo desespero da vida na terra natal a sair dela, a deixá-la para
sempre, atirando-se com a família inteira, velhos, mulheres e crianças, aos mil
padecimentos de cruel azar, sem noção possível do destino com que teriam que
arcar e das desgraças a que se iam submeter!
Reclamava, protestava contra o desbarato dos dinheiros
públicos, muito mais pela desordem e desorganização dos serviços, do que por
outra qualquer causa, dinheiros que, melhor aplicados, poderiam suavizar e
estar atenuado um sem número de misérias e angústias e ao mesmo tempo
frutificando para o Estado de modo pasmoso e admirável; mas não era atendido, e
o sistema da repartição central dirigente, vicioso, rotineiro, esbanjador e
comodista aos hábitos de desleixo e inércia, continuava a florescer e a se
impor sem nenhuma modificação, nem alteração sensível.
Durante 2 anos arcou o incansável serventuário com
insuperáveis dificuldades e sempre renascentes tropeços. Afinal, desalentado e
verificando que as raízes do mal não podiam, de tão fundas e arraigadas, ser
extirpadas, pediu a 31.05.1878 dispensa daquela desanimadora comissão e
recolheu-se ao Rio de Janeiro.
Ninguém
neste mundo mais teimoso do que eu – disse ele como resumo de todo aquele
período –, mas, confesso, não pude vencer tantos erros e vícios acumulados e
inabaláveis, como se constituíssem um código de leis perfeitas e sem retoque
possível. (TAUNAY, 1893) (Continua...)
Bibliografia
TAUNAY, Alfredo de
Escragnolle. Coronel Antônio Florêncio
Pereira do Lago – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Revista Trimestral do
Instituto Histórico e Geográfico do Brasil – Tomo LVI – Parte Segunda –
Companhia Tipografia do Brasil, 1893.
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de
Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor
e Colunista;
Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do
Sul (1989)
Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre
(CMPA);
Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura
do Exército (DECEx);
Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério
Militar – RS (IDMM – RS);
Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando
Militar do Sul (CMS)
Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira
(SAMBRAS);
Membro da Academia de História Militar Terrestre do
Brasil – RS (AHIMTB – RS);
Membro do Instituto de História e Tradições do Rio
Grande do Sul (IHTRGS – RS);
Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia
(ACLER – RO)
Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio
Grande do Sul (AMLERS)
Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da
Escola Superior de Guerra (ADESG).
Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
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