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Hiram Reis e Silva

Terceira Margem – Parte DCXXI - Pereira do Lago ‒ Um Herói Anônimo Parte III


Planta de Desterro ‒ P. Lago (1879) - Gente de Opinião
Planta de Desterro ‒ P. Lago (1879)

04.08.2023

III

Não se refez por longo tempo de tantas fadigas, nomeado como foi, a 4 de março, para ficar à disposição do Diretor do Arsenal de Guerra da Corte encarregado, a 16 de abril, das funções de 2° Ajudante, as mais trabalhosas sem dúvida, principalmente naquela época, em que a Guerra do Paraguai tocava ao seu ponto culminante e exigia dos estabelecimentos militares todo o esforço, toda a dedicação.

As oficinas nem sequer paravam o trabalho alta noite! Apesar de tão extraordinárias circunstâncias e da vigilância veemente e severa dos chefes, quanto era respeitado dos seus operários e entre eles popu­lar o Capitão Lago!

Também o seu nome, apesar da interposição dos muitos anos, é ainda hoje lembrado com saudade e reconhecimento.

Condecorado por esses novos serviços com o Hábito de Cristo a 02.12.1870, foi, por convite do respectivo Ministro, posto a 05.09.1871, à disposição da Secretaria da Agricultura para ir estudar a zona encachoeirada dos Rios Araguaia e Tocantins, além de levar instruções de caráter militar no exame e inspeção das colônias e presídios dependentes do Ministério da Guerra e localizados nos Rios Pará e Amazonas e seus afluentes.

As canseiras da vida do sertão, as viagens cortadas de perigos e grandes fadigas, outra vez atraíam o Capitão Pereira do Lago para o interior do Brasil, e de certo muito teve que vencer e superar naquela operosa Comissão em que gastou nada menos de quatro anos, 1872, 1873, 1874 e quase 1875, todo inteiro.

Dos valiosíssimos e penosos trabalhos que executou em tão agreste e mal conhecida região, deixou importantes provas e documentos, não tanto no Relatório apresentado em agosto de 1875 e infe­lizmente demasiado resumido, como nos escrupu­losíssimos e grandes mapas, secções, cortes e plan­tas daqueles dois Rios, na parte das cachoeiras e corredeiras, que neles impedem a franca e proveito­sa navegação.

No terreno ainda ficaram melhores atestados da sua atividade, pois abriu entre a povoação de S. Vicente no Araguaia e a de Alcobaça no Tocantins uma estra­da de 391 quilômetros e outras vias de comunicação que logo e até agora aproveitadas pelo comércio ligam para sempre o honrado nome de Pereira do Lago ao desenvolvimento e progresso dos belos e fecundos vales do Araguaia e Tocantins.

Não se olvide o futuro da dívida de gratidão que está e, sem dúvida, por muito tempo estará em aberto!

Promovido a Major por antiguidade a 26.06.1875, quando já fizera 50 anos, nem por isto se mostrava ele desanimado e descontente.

Seu gênio se desanuviara, tornara-se até jovial, costumando dizer, ape­sar da consciência que tinha do seu valor moral, dos seus serviços e do muito que fizera: “Nunca pensei poder chegar ao que sou”; filosófica acomodação de espírito de muito alcance e elevado consolo.

Depois de pertencer à repartição do Arquivo Militar por ano e meio, teve do Ministério da Agricultura nova Co­missão, sendo em maio de 1876; nomeado diretor do Serviço de Imigração e Colonização na Província de Santa Catarina, funções que acumulou com as de encarregado das obras militares.

 

Possuindo-se de entusiasmo pela magna questão entregue aos seus cuidados numa das mais interes­santes e apropriadas zonas do Brasil, a imigração europeia e o estabelecimento da pequena proprie­dade em Santa Catarina, tudo quis ver por si, em continuas viagens, sempre embarcado ou a cavalo, a fiscalizar de perto o desembarque, primeiras acomodações e localização dos recém-chegados e a divisão pronta das terras e equitativa distribuição de lotes.

Em todos esses assuntos era, antes de tudo, prático, preferindo deixar imigrantes bem colocados, conten­tes da situação presente e esperançados em próximo futuro, do que enviar pomposos ofícios e passar tele­gramas de efeito, desenhar bonitos mapas, que consomem sem proveito meses inteiros e preparar trabalhos de gabinete, cuja realidade, com os pro­cessos oficiais vigentes por tantos anos, tomava-se de todo ponto ilusório.

Para regularizar o serviço de recebimento, que ora se fazia com extraordinário atropelo, ora cessava absolutamente, conforme as remessas sem método, nem prudência do Rio de Janeiro, tomou providências adequadas, mas até certo ponto falhas, enquanto não fosse aprovada e não tivesse aplicação a série de medidas todas simples e intuitivas, que propôs e, infelizmente não mereceram a menor atenção por parte de quem as deverá ter logo adotado.

Estudado com o habitual afinco e consciência o difícil problema e compenetrando-se da sua missão toda de humanidade e educação, era de ver-se o carinho que o Major Pereira do Lago desenvolvia para com os infelizes imigrantes, a sua imensa compaixão pelo infortúnio daquela pobre gente, reduzida pelo desespero da vida na terra natal a sair dela, a deixá-la para sempre, atirando-se com a família inteira, velhos, mulheres e crianças, aos mil padecimentos de cruel azar, sem noção possível do destino com que teriam que arcar e das desgraças a que se iam submeter!

Reclamava, protestava contra o desbarato dos dinheiros públicos, muito mais pela desordem e desorganização dos serviços, do que por outra qual­quer causa, dinheiros que, melhor aplicados, poderi­am suavizar e estar atenuado um sem número de misérias e angústias e ao mesmo tempo frutificando para o Estado de modo pasmoso e admirável; mas não era atendido, e o sistema da repartição central dirigente, vicioso, rotineiro, esbanjador e comodista aos hábitos de desleixo e inércia, continuava a florescer e a se impor sem nenhuma modificação, nem alteração sensível.

Durante 2 anos arcou o incansável serventuário com insuperáveis dificuldades e sempre renascentes tro­peços. Afinal, desalentado e verificando que as raízes do mal não podiam, de tão fundas e arraigadas, ser extirpadas, pediu a 31.05.1878 dispensa daquela desanimadora comissão e recolheu-se ao Rio de Janeiro.

Ninguém neste mundo mais teimoso do que eu – disse ele como resumo de todo aquele período –, mas, confesso, não pude vencer tantos erros e vícios acumulados e inabaláveis, como se constituíssem um código de leis perfeitas e sem retoque possível. (TAUNAY, 1893) (Continua...)

Bibliografia

 

TAUNAY, Alfredo de Escragnolle. Coronel Antônio Florêncio Pereira do Lago – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Revista Trimestral do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil – Tomo LVI – Parte Segunda – Companhia Tipografia do Brasil, 1893.

 


(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

 

Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)

Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);

Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);

Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)

Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);

Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)

Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);

Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)

Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).

Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).

E-mail: hiramrsilva@gmail.com.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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