Quarta-feira, 30 de agosto de 2023 - 06h05
Bagé, 30.08.2023
A MEDICINA NA
GUERRA DO PARAGUAI
(Mato Grosso)
LUIZ DE CASTRO SOUZA
Sócio efetivo do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro e Membro titular do Instituto Brasileiro de História da
Medicina.
IV
A RETIRADA DE
CORUMBÁ
Os bravos e heroicos defensores do Forte de Coimbra desembarcam em
Corumbá e encontram a vila dominada pelo terror, desde que ali chegara o
vaporzinho da flotilha “Jauru”, levando a notícia do ataque inimigo
àquela Praça de Guerra. O Comandante das Armas da província, Cel Carlos Augusto
de Oliveira, determina o embarque de todo o contingente nos vapores da flotilha
e a partida para Cuiabá, apesar da opinião contrária manifestada pelo chefe da
flotilha brasileira, Capitão-Tenente Francisco Cândido de Castro Menezes, e
pelo comandante do 29° Batalhão de Artilharia a Pé – Coronel Carlos de Moraes
Camisão que desejavam resistir ao invasor.
Essa resolução fez aumentar o
pânico já instalado há dias, principalmente junto ao elemento civil da
povoação. Em relatório oficial encaminhado ao Presidente da Província, dizia o
Cel Carlos Augusto de Oliveira que, após receber a comunicação do ataque
inimigo ao Forte de Coimbra, entrara em entendimentos com o chefe da flotilha,
enviando, então, um reforço de dois oficiais e cinquenta praças pelos vapores “Jauru”
e “Corumbá”. E acrescentava, que deixara de seguir com este contingente,
porque os médicos que o assistiam, Tenentes 2os Cirurgiões, Doutores
Dormevil José dos Santos Malhado e José Antônio Dourado, o impediram de assim
proceder, diante do seu grave estado de saúde. Narrava, ainda, que o Doutor
Dourado estava disposto, caso fosse desatendido, protestar até mesmo perante a
guarnição (OLIVEIRA, 1926).
O Tenente 2° Cirurgião, Doutor
Dormevil José dos Santos Malhado, que se achava com as Forças no Quartel do
Comandante das Armas, instalado em Corumbá, era natural da cidade do Salvador
[BA], nascido a 04.05.1837, e filho do Tenente Antônio José dos Santos Malhado
e de D. Joaquina Rosa dos Santos Malhado. Doutor em medicina pela Faculdade da
Bahia, onde defendeu tese, Ingressara no Corpo de Saúde do Exército, pelo
Decreto de 20.02.1864. Na retirada de Corumbá, fora designado pelo Cmt das
Armas da Província, como encarregado do hospital ambulante (OLIVEIRA, 1926).
O Doutor José Antônio Dourado havia ingressado no Corpo de
Saúde, pelo Decreto de 20.04.1864, no posto de Tenente 2° Cirurgião, quando
fora designado para servir na Província de Mato Grosso. Era doutor em medicina
pela Faculdade da Bahia, em 1848. Natural da cidade do Salvador [BA], nascido
aos 19.03.1824, filho de João Antônio Dourado e de D. Romana Maria dos Anjos. Com
a precipitação do embarque da guarnição para Cuiabá, a população desesperada
utiliza qualquer transporte a fim de acompanhar as Forças. Todos estão
dominados pela desolação e pela tristeza. Muitos não conseguem viajar pelos
naviozinhos da flotilha já superlotados de soldados, mulheres, crianças. O povo
toma de assalto as embarcações particulares e de todo tipo, e da escuna
argentina “Jacobina”, de propriedade de um italiano, partem vozes
aflitas suplicando a presença do Tenente João de Oliveira Mello, um dos heróis
do Forte de Coimbra, para organizar a retirada de paisanos e militares que se
encontravam a bordo do precário navio. Este bravo e destemido oficial do
Exército Brasileiro, atende ao apelo dos seus compatriotas, os conduz pelos
pantanais, após abandonar a escuna diante da proximidade do inimigo.
A travessia dura quatro meses, num percurso de 650
quilômetros, vencendo pântanos, desorientando o invasor, navegando por rios
caudalosos, palmilhando lugares jamais transitados e sem guia, porém, possuía
aquele oficial do Exército de Caxias, um coração resoluto de salvar aqueles
brasileiros que confiaram na sua coragem e predestinação. A 30 de abril,
chegava a Cuiabá, onde o povo em delírio recebia seus 479 patrícios e entes
queridos, carregando em triunfo o seu herói autêntico: Tenente Mello. Este
feito jamais foi igualado como exemplo de solidariedade humana, ficando
gravada, eternamente, uma das mais belas páginas de desprendimento, bravura
pessoal, resistência física e autoridade moral.
A 03.01.1865, entram os paraguaios em Corumbá, já abandonada
e continuam subindo o Rio Paraguai.
O vapor “Anhambhay”,
depois de desembarcar, a 05.01.1865, o Cel Oliveira e os demais passageiros no
porto do Sará, na margem direita do São Lourenço, retorna águas abaixo para
auxiliar as demais embarcações, de pequeno porte, que navegavam vagarosamente
porque iam superlotadas de passageiros. Na foz do Rio São Lourenço, a 6 de
janeiro, isto é, no dia seguinte, é a “Anhambhay” avistada por dois
navios de guerra paraguaios, “Iporá” e “Rio Apa”, que subiam o
rio em perseguição aos brasileiros. A canhoneira brasileira imediatamente
atacada pelo inimigo, faz vivo fogo sobre o “Iporá” que havia tomado a
dianteira, porém, pela superioridade do invasor, segue o naviozinho brasileiro
em retirada que se estendeu por seis léguas.
A “Anhambhay” se
encontrava armada com um canhão de 32 que no décimo terceiro tiro desmontou-se,
conforme acentua em sua parte, o Capitão-Tenente Castro Menezes. Em uma das
voltas mais estreitas do rio, às 14h30 do citado dia, foi a “Anhambhay”,
por infelicidade, sobre à barranca, perto do morro do Caracará, quando é
abordada pelo “Iporá” que mais de perto a seguia. Após uma resistência
impossível, alguns Imperiais Marinheiros e Oficiais saltam em terra e
salvam-se; outros, entretanto, permanecem no navio lutando contra o invasor. Em
seu posto de honra, lutando bravamente, encontrava-se o Segundo Tenente 2°
Cirurgião da Armada, Doutor José Cândido de Freitas e Albuquerque. A este
médico militar os selvagens paraguaios, depois de o matarem, degolam-no,
cortam-lhe as orelhas para enfiá-las em um cordel e levá-las suspensas no
mastro grande do “Iporá” para Assunção, como troféu horripilante. Morreu,
assim, o 2° Cirurgião Doutor Freitas e Albuquerque, como autêntico herói da
Imperial Armada e da Medicina Naval Brasileira, e primeiro médico, mártir da
Guerra do Paraguai. O Dr. Freitas e Albuquerque nasceu em Salvador [BA], no ano
de 1835, filho do magistrado e Conselheiro Dr. Francisco Maria de Freitas e
Albuquerque e de D. Constança Clara de Freitas e Albuquerque. Doutor em
medicina pela Faculdade da Bahia, em 26.11.1857, após defender tese.
Ingressou no ano seguinte no
Serviço de Saúde da Marinha, a 05.06.1858, na graduação de 2° Cirurgião.
Serviu no extremo norte do país, Província do Grão-Pará, e por punição é
removido para a flotilha de Mato Grosso, por designação do Cirurgião-Mor da
Armada, em 10.02.1864, quando foi ao encontro de sua gloriosa morte (CASTRO
SOUZA, 1963).
* * *
* *
*
O
Presidente da Província de Mato Grosso, Brigadeiro Alexandre Manuel Albino de
Carvalho, diante da rápida evolução dos acontecimentos, toma as providências
que o momento exigia, chamando às armas, a 09.01.1865, os 1°, 2° e 3° Batalhões
da Guarda Nacional e cria, sob a denominação de Voluntários Cuiabanos, um
Batalhão de quatro Companhias.
Organiza
uma Expedição sob o comando do Tenente-Coronel Porto Carrero que, a 14 de
janeiro, partia para fortalecer e guarnecer as colinas do Melgaço, posição
considerada estratégica, à margem esquerda do Rio Cuiabá e a 20 léguas à
jusante da capital da Província, formando uma linha de resistência para impedir
o avanço do inimigo, por via fluvial, contra a sede do Governo. Porém, as Forças
dominadas pelo pânico, após um alarma falso, abandonam a posição, depois de
dois dias de permanência e voltam para Cuiabá.
O Almirante Augusto Leverger, Chefe de Esquadra reformado,
apesar de alquebrado pelas lutas e pela idade, cientificado desse inesperado
regresso e sentindo a inquietação provocada no espírito do povo, apresenta-se
ao Gen Presidente da Província, oferecendo sua valiosa colaboração, que é
aceita incontinenti, sendo nomeado, a 20.01.1865, Comandante Superior de toda
a Guarda Nacional da Província, bem como das Forças fluviais e terrestres
incumbidas de ocupar e defender o ponto do Melgaço. Este precioso gaulês e
valente marinheiro brasileiro, apenas com sua presença, domina e eleva o moral
da tropa e consegue, finalmente, estabelecer, em Melgaço, com as mesmas Forças
que antes haviam se retirado, um baluarte contra a malta invasora.
Preparadas as fortificações e assentadas as baterias,
dominavam no acampamento a ordem e a disciplina, entre os 1.200 combatentes da
Guarda Nacional e do Exército, bem como nos pequenos vapores da flotilha, “Cuiabá”,
“Corumbá” e “Jauru”. Todas essas Forças permaneceram em Melgaço
até fins do mês de março, quando ficara constatada a impossibilidade de uma
ação guerreira dos paraguaios.
O Almirante
Augusto Leverger, Barão com grandeza de Melgaço, em 07.07.1865, contou desde o
início da expedição, com a presença dos médicos militares que colaboraram na
melhoria das condições sanitárias, que estiveram, em determinado momento,
ameaçadoras, provocando preocupações ao comandante-em-chefe das Forças. Foram
eles: o Segundo Tenente 2° Cirurgião do Corpo de Saúde da Armada, Dr. Augusto
Novis e o Tenente 2° Cirurgião reformado do Exército, Dr. João Adolfo Josetti,
médico contratado. A botica ([1]) esteve
entregue ao Alferes Farmacêutico, Reginaldo José de Miranda.
Apesar do pânico que a invasão
provocou, o patriotismo do povo cuiabano não se fez por esperar e todos os
homens válidos vêm engrossar as fileiras do Exército Provisório para defender o
solo pátrio. Os paraguaios procuram se aproximar de Cuiabá por via terrestre e
chegam até Coxim, em 25.04.1865, saqueando, matando, destruindo e aprisionando
a indefesa população mato-grossense. O Presidente Albino de Carvalho que só
contava com os recursos locais e esses bem precários, é cientificado, em 10 de
maio, da presença dos paraguaios naquele Distrito e receando um ataque à
capital da Província, organiza uma Divisão de Operações de 2.000 homens e
composta de duas Brigadas: uma, formada pela Guarda Nacional e a outra de toda
a Força de linha da Província. Estabelece um ponto de resistência, em Aricá,
cinco léguas ao Sul de Cuiabá, entregando o comando geral ao Cel Carlos de
Moraes Camisão. Para Chefe do Serviço de Saúde da Divisão, o Presidente da
Província de Mato Grosso designa o Ten Cel Cirurgião-Mor de Divisão, Dr. José
Antônio Murtinho, arbitrando a gratificação mensal em trezentos mil réis cuja
aprovação para esta despesa solicita ao Governo Imperial. Nesse acampamento de
Aricá, o Dr. Murtinho recebeu a colaboração do Dr. João Adolfo Josetti e do Dr.
Augusto Novis. O Comandante das Armas, ao dissolver a respectiva Divisão, a 16
de agosto, ressaltou o 2° Cirurgião Dr. Novis, em “Ordem do Dia”,
agradecido
pelo zelo, prontidão, pontualidade e humanidade com que soube exercer as
funções do seu ministério.
E o próprio Presidente da Província, adiante, em referência
ao Dr. Novis, atestaria:
que foi o suplicante o primeiro oficial de
saúde que empreguei nos pontos militares de Melgaço e Aricá; que o
comportamento oficial e humanitário do suplicante tanto em um como em outro
ponto foi excelente, e finalmente que, pelas ponderosas razões que ficam
exaradas, fiz e faço o melhor conceito possível e o tenho em conta de um digno
oficial de saúde da Armada, e assim o declaro. Cuiabá, 19.09.1865 – Alexandre
Manoel Albino de Carvalho.
Com a ocupação de Coxim pelos invasores, ficaram cortadas
por algum tempo, as comunicações através do correio, entre Cuiabá e a Capital
do Império.
O Presidente Albino de Carvalho mandava, em julho de 1865, o Batalhão de Artilharia de Mato Grosso, se juntar às Forças de Goiás, constituída do 20° Batalhão de Caçadores e da 8ª Companhia de Voluntários goianos, que desde o dia 17 de julho, haviam chegado a Coxim, sob o comando do Tenente-Coronel Joaquim Mendes Guimarães. Esse contingente tinha partido da cidade de Goiás, em 15.05.1865. Posteriormente, acampava no ponto de sempre, um Esquadrão de Cavalaria, também da Província de Goiás, sob o comando do Major Eliseu Xavier Leal. Os soldados goianos permanecem em Coxim, durante 17 longos meses, à espera das Forças que vinham de Minas Gerais e de São Paulo, formando a denominada “Coluna Expedicionária de Mato Grosso”. [...] (SOUZA)
Bibliografia
SOUZA, Luiz de Castro. A
Medicina na Guerra do Paraguai (I a V) – Brasil – São Paulo, SP – USP,
Revista de História, 1968, 1969 e 1970.
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de
Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor
e Colunista;
Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do
Sul (1989)
Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre
(CMPA);
Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura
do Exército (DECEx);
Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério
Militar – RS (IDMM – RS);
Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando
Militar do Sul (CMS)
Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia
Brasileira (SAMBRAS);
Membro da Academia de História Militar Terrestre do
Brasil – RS (AHIMTB – RS);
Membro do Instituto de História e Tradições do Rio
Grande do Sul (IHTRGS – RS);
Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia
(ACLER – RO)
Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio
Grande do Sul (AMLERS)
Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da
Escola Superior de Guerra (ADESG).
Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
Bagé, 20.12.2024 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 3.184, Rio, RJSexta-feira, 25.10.1963 Sindicâncias do Sequestro dão e
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – VI
Silva, Bagé, 11.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 224, Rio de Janeiro, RJ Quarta-feira, 25.09.1963 Lei das Selvas T
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV
Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III
Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira O jornalista H