Segunda-feira, 13 de março de 2023 - 06h20
Bagé, 13.03.2023
La Retraite de Laguna – Taunay
Correio
Paulistano n° 3.745
São
Paulo, SP ‒ Terça-feira, 01.12.1868
Publicações
Sob o título “La
Retraite de Laguna” principiou o Tenente Alfredo de D’Escragnolle Taunay a
publicar em língua francesa uma narração da memorável Retirada das forças
expedicionárias do Mato Grosso ao comando do Cel Camisão.
A descrição daquelas extraordinárias cenas a que
assistiu o mesmo autor, a quem sobre elas já devemos algumas boas páginas
escritas na nossa própria língua, será sem dúvida lida com interesse na Europa,
onde a verdade talvez pareça romance. (CP N° 3.745)
Diário
de S. Paulo n° 2.739
São
Paulo, SP ‒ Terça-feira, 22.12.1874
Literatura
– Carta de Lisboa
Lê-se em um dos folhetins do
Diário do Rio de Janeiro, o seguinte:
Quando
estudei com atenção, os documentos oficiais, e cotejando com todo o cuidado as
versões contraditórias dos dois beligerantes na guerra do Paraguai, um dos
episódios que mais me cativaram o espírito foi um dos que menos eco tiveram na
Europa – a Expedição de Mato Grosso. Na Europa falava-se nas grandes batalhas,
nos feitos de armas brilhantes, Uruguaiana, em Riachuelo, em Humaitá, em Lomas
Valentinas, na Batalha do Campo Grande; seguia-se com ansiedade a perseguição
das colunas cortadas do infatigável López, o “steeplechase” ([1])
infrene ([2])
em que o Visconde de Pelotas e o ditador do Paraguai procuravam à porfia
alcançar mais depressa os vastos desertos de Mato Grosso. Mas quem sabia entre
nós do martírio obscuro, da dedicação silenciosa e resignada dessa pequena
coluna, que, comandada pelo Coronel Camisão, penetrou no território do Paraguai
até Laguna, e teve de retirar-se, enfim, perseguida e dizimada, mais do que
pelo ferro do inimigo, pela peste, pela fome, pelo incêndio, pelo desalento? Eu,
pelo contrário, assim que o estudo dessas brilhantes campanhas me fez entrar no
conhecimento desse episódio ignorado, senti uma profundíssima simpatia por
esses heróis que afrontavam a morte, não nos campos de batalha gloriosos, que a
luz da história têm de iluminar em cheio, mas nos desvios ignorados de Mato
Grosso; nessas vastas solidões sem ecos, por esses mártires sublimes que
morriam silenciosamente em torno da Bandeira Auriverde, não quando ela se
desfraldava triunfante às auras da vitória, entre os clamores entusiásticos da
luta, mas quando ela batia tristemente na haste escalavrada.
Quando
simbolizava, não a Pátria triunfante, mas a Pátria chorosa e em luto; quando
esse símbolo augusto fazia latejar nas veias dos soldados, não a febre dos
grandes lances patrióticos; mas a cruel morbidez da nostalgia. Contribuíra
decerto para esse sentimento de admiração profunda, de comoção simpática, o
formoso livro que me narrara as peripécias dessa tragédia “La Retraite de Laguna”, escrito em francês pelo oficial brasileiro
Alfredo D’Escragnolle Taunay, não é simplesmente a história militar da
Expedição, é a narrativa comovida e palpitante das angústias e dos desalentos
dessa marcha lúgubre. Com ele não se seguem unicamente os movimentos
estratégicos de tropas sem individualidades, que não representam mais do que
peças de xadrez movendose no tabuleiro vastíssimo do Teatro da Guerra; mas
penetra-se na intimidade da coluna, conhece-se a fundo o valente Cel Camisão,
tão cheio de brios, tão pundonoroso, mas não hesitante.
Como que assistimos às angústias que lhe dilaceram o
espírito indeciso, como que o vemos a marchar, silencioso, triste e
desalentado, no meio dos soldados, que todas as misérias acabrunham, a pensar
na imensa responsabilidade que assumiu, e a pedir a Deus a morte, que seja para
ele ao mesmo tempo expiação e alívio.
Desenrolam-se diante de nós as amplas e imponentes
paisagens de Mato Grosso, vemos a coluna vaguear perseguida pelo fogo que
devora as altas ervas, contemplamos a figura imponente do velho guia José
Lopes, que o Sr. Taunay tão justamente compara com Nathaniel Poe, de Cooper ([3]).
Ouvimos
os gritos dos enfermos abandonados, e como que sentimos também uma alegria
imensa dilatar-nos o espírito, quando se divisa a fazenda do Jardim, o laranjal
sombrio carregado com os frutos vermelhos, que é, para esses infelizes, terra
de promissão, mais ainda, a salvação e a vida. O escritor que pintava com tão
vigorosa e ao mesmo tempo dramática pena as paisagens, os caracteres e os
episódios patéticos dessa desventurada tragédia, tinha por força altas
qualidades de romancista, e esta minha suspeita confirmou-se plenamente, quando
soube que era o Sr. Alfredo D’Escragnolle Taunay quem escreveu, com o
pseudônimo, de certo já hoje transparente para os leitores brasileiros, de
Sylvio Dinarte.
Um romance que em tempo lera com sumo prazer; a “Mocidade de Trajano”, e dois livros que
acabo de ler agora, um recentíssimo – “Histórias
Brasileiras”; outro, datado de 1872, “Inocência”.
O romance, tal como hoje se entende, é o complemento indispensável da história,
e o romancista, ao passo que proporciona aos seus leitores um prazer mais ou
menos frívolo com os seus fantasiados enredos, tem também de cumprir mais alta
missão, a de contribuir com elementos indispensáveis para o estudo de uma época
ou de uma sociedade.
Ao passo que a história narra os acontecimentos políticos, as molas
secretas da diplomacia, os planos das campanhas; o romance introduz-nos nos
segredos da vida íntima, denuncia-nos as paixões os preconceitos que atuam nos
caracteres. A história compendia as leis, o romance os costumes; a história
narra os fatos que se desenrolam na praça pública, os romances os mistérios do
lar doméstico; a história conta-nos as agitações da turba anônima, inconstante
e caprichosa, o romance dá um nome a cada um dos elementos da multidão,
analisa-o e descreve-o, e assim contribui para nos explicar os caprichos que
para a história são enigmas cuja chave não possui. [...] Pois bem! Taunay
escapou a este escolho, em que muitos naufragaram [...]
Repetimos ainda hoje, contra
os escritores brasileiros, a velha acusação de virem procurar na Europa os seus
modelos e as inspirações, quando a cada instante aparecem agora nos jardins
literários do Brasil flores nativas e opulentas, que têm na fragrância o hálito
do solo inflamado em que nasceram, e no colorido o reflexo do céu brilhante que
derramou sobre os seus cálices as suas torrentes de luz. O Brasil tem sem
dúvida hoje uma literatura verdadeiramente nacional, mais ou menos abundante,
mas em que imprime o cunho especialíssimo da Pátria. Os seus poetas bebem a
inspiração nas torrentes natais; romancistas estudam o modo de ser da sociedade
brasileira, e entre estes últimos ocupa sem dúvida um lugar importante o
escritor que se esconde debaixo de pseudônimo de Sylvio Dinarte um nome já
ilustrado por louros diversos dos que enramam a fronte dos filhos diletos da
fantasia, mas louros não menos viçosos e perduráveis. [Pinheiro Chagas] (DSP N°
2.739)
Guerra
(Augusto dos Anjos)
Guerra é esforço, é inquietude, é ânsia, é transporte...
E a dramatização sangrenta e dura
Vir Deus num simples grão de argila errante,
Da avidez com que o Espírito procura
É a Subconsciência que se transfigura
Em volição conflagradora... E a coorte
Das raças todas, que se entrega à morte
Para a felicidade da Criatura!
É a obsessão de ver sangue, é o instinto horrendo
De subir, na ordem cósmica, descendo
A irracionalidade primitiva...
É a Natureza que, no seu arcano,
Precisa de encharcar-se em sangue humano
Para mostrar aos homens que está
viva!
O Nadador II
(Castro Alves)
[...] Vagas! Curvai-vos tímidas!
Abri fileiras pávidas ([4])
Às mãos possantes, ávidas
Do nadador audaz!
Belo, de força olímpica
‒ Soltos cabelos úmidos ‒
Braços hercúleos, túmidos... ([5])
O rei dos vendavais!
Mas ai! Lá ruge próxima
A correnteza hórrida,
Como da zona tórrida
A boicininga ([6]) a urrar...
É lá que o Rio indômito,
Como o corcel da Ucrânia,
Rincha a saltar de insânia,
Freme ([7]) e se atira ao mar.
Tremeste? Não! Que importa-te
Da correnteza o estrídulo?
Se ao longe vês teu ídolo,
Ao longe irás também...
Salta à garupa úmida
Deste corcel titânico...
‒ Novo Mazeppa ([8]) oceânico ‒
Além! Além! Além!
Bibliografia
CP N° 3.745. Publicações – Brasil – São Paulo, SP ‒ Correio
Paulistano n° 3.745, 01.12.1868.
DSP N° 2.739. Literatura – Carta de Lisboa – Brasil –
São Paulo, SP ‒ Diário de S. Paulo n° 2.739, 22.12.1874.
(*)
Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas,
Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do
Sul (1989)
Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre
(CMPA);
Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura
do Exército (DECEx);
Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério
Militar – RS (IDMM – RS);
Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando
Militar do Sul (CMS)
Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira
(SAMBRAS);
Membro da Academia de História Militar Terrestre do
Brasil – RS (AHIMTB – RS);
Membro do Instituto de História e Tradições do Rio
Grande do Sul (IHTRGS – RS);
Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia
(ACLER – RO)
Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio
Grande do Sul (AMLERS)
Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da
Escola Superior de Guerra (ADESG).
Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
[1] Steeplechase: corrida de obstáculos. (Hiram Reis)
[2] Infrene: desenfreada. (Hiram Reis)
[3] James Fenimore Cooper, autor de “O Último dos Moicanos” e seu personagem Nathaniel “Olho de Águia” que fora criado pelos índios.
(Hiram Reis)
[4] Pávidas: tímidas. (Hiram Reis)
[5] Túmidos: grossos. (Hiram Reis)
[6] Boicininga: cascavel. (Hiram
Reis)
[7] Freme: brame. (Hiram Reis)
[8] Mazeppa: título de um poema do Lorde
George Gordon Byron que descreve a lenda do revolucionário ucraniano Ivan
Mazeppa que, depois de seduzir uma nobre, foi amarrado nu a um cavalo xucro que
disparou em selvagem galope. (Hiram Reis)
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
Bagé, 20.12.2024 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 3.184, Rio, RJSexta-feira, 25.10.1963 Sindicâncias do Sequestro dão e
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – VI
Silva, Bagé, 11.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 224, Rio de Janeiro, RJ Quarta-feira, 25.09.1963 Lei das Selvas T
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV
Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III
Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira O jornalista H