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Hiram Reis e Silva

Terceira Margem – Parte DLVII - Jornada Pantaneira A Mídia Pretérita e a Expedição Parte III


Terceira Margem – Parte DLVII - Jornada Pantaneira A Mídia Pretérita e a Expedição Parte III - Gente de Opinião

Bagé, 08.03.2023

Diário de S. Paulo, n° 585

São Paulo, SP – Quarta-feira, 31.07.1867

 

Diário de S. Paulo

Em seguida publicamos uma carta que nos enviou de Jundiaí o nosso amigo, Dr. Pinto Júnior, narrando os lastimáveis, porém gloriosos sucessos da nossa Expedição Militar na Província de Mato Grosso. A notícia desses sucessos, que ontem demos, é inexata na parte relativa à retomada de Nioaque pelas nossas forças, visto que esta posição não havia sido por nós abandonada.

Nioaque servia de Base de Operações para a Expedição, que, passando o “Apa”, adiantara-se pelo território paraguaio, tomando o Forte de Bela Vista e destruindo o da Rinconada. Foram terríveis os sofrimentos por que passou esse punhado de bravos, que, durante vinte e tantos dias, lutaram em retirada contra o inimigo, a braços com o terrível flagelo da cólera, e serpeado os rigores da fome, através de ínvios sertões! Nessa retirada, sob o fogo incessante do inimigo, os oficiais lutaram com os soldados para que estes conduzissem os feridos e coléricos, que, abandonados, eram degolados pelos paraguaios, à vista das nossas forças!

Ao passo que essa Expedição infeliz lutava contra todos os perigos e misérias, o delegado do Governo Imperial, o Sr. Couto de Magalhães, na capital da Província, ocupava-se exclusivamente de eleições, ordenava festas, mandava iluminar a cidade, promovia bailes e jantares nos arrabaldes, e mudava os nomes dos navios de guerra! Pobre Brasil, à que gente estão entregues os teus destinos!

Meu amigo. As notícias do Mato Grosso que há pouco recebemos são falsas, e se bem que as verdadeiras sejam dolorosas em relação às perdas sensíveis que tivemos pelo terrível flagelo da cólera que acometeu a coluna, contudo são de muita honra e glória para os nossos bravos soldados, que através das mais horríveis calamidades resistiram galhardamente ao inimigo em vinte o tantos dias de continuado fogo, entrando nesses dias os combates de 6, 8, 9 e 11 de maio.

A coluna tinha avançado além do “Apa” até a fazenda da Laguna, do Presidente López, em procura de gado, havendo anteriormente destruído os Fortes de Bela Vista e Rinconada, o qual não tendo sido possível obter-se, foi mister regressar para a Base de Operações que era o ponto de Nioaque, situado a 35 léguas daquela fazenda.

Antes desta operação, o Chefe da Expedição, Coronel Camisão, resolveu atacar o acampamento paraguaio, formado a 2 léguas do nosso, mandando para esse fim no dia 6 de maio 2 Batalhões, o 21° de infantaria, comandado pelo muito valente Major José Thomaz Gonçalves e o Corpo de Caçadores a Cavalo, ao mando do intrépido Capitão Pedro José Rufino.

Ao romper d’alva ([1]), caíram os 2 Batalhões sobre o acampamento e começaram um nutrido fogo que obrigou o inimigo à uma retirada precipitada, ficando em poder dos nossos grande porção de arreios, cavalhada, armamento, etc., e salvando o inimigo a sua artilharia a muito custo. Neste ataque, os nossos soldados portaram-se com todo o valor, notavel­mente os dois oficiais comandantes, sendo esta ação protegida pela nossa artilharia, postada em uma eminência ([2]) onde se achava o Coronel Camisão, seu Estado-maior e o Batalhão dos Voluntários da Pátria n° 17.

Depois de assim debandado o inimigo começou a retirada em direção a Nioaque, durante a qual ainda voltou o inimigo com grande porção do cavalaria e artilharia no empenho de embaraçar a marcha, que era sempre feita debaixo de contínuo fogo. Ao passar os campos do “Apa” no combate de 11 do maio, ao estrondo da artilharia e fuzilaria, desembestou toda a boiada de munição, ficando assim a coluna desprovida de mantimento.

O Guia José Francisco Lopes, vendo que pela estrada por onde tinha vindo a coluna eram precisos 14 dias pelo menos para chegar à Nioaque, propôs-se a dirigi-la em 8 dias pelos campos a rumo direito, e acordando nisso o Comandante, puseram-se a caminho, rompendo espessos macegais aos quais dia e noite o inimigo lançava fogo, tornando assim quase impossível a marcha. Nesse trajeto, manifestou-se desgraçadamente o cólera, que fez as primeiras vítimas no dia 17 de maio em número do três, e seguindo-se em progressão ascendente, tomou proporções tão medonhas e assustadoras, que em 10 dias sucumbiram 300 e tantos acometidos, entrando nesse número o Coronel Camisão, Tenente-coronel Juvêncio, Alferes Muniz [de S. Paulo], Alferes de Comissão Martins da Cunha e outros oficiais cujos nomes ignoramos. Além destes, todos os que faziam parte da coluna sofreram mais ou menos da terrível peste.

Seria impossível descrever o estado de prostração, de sofrimento e de agonia com que lutaram nossos bravos patrícios, acossados pela mais terrível fome, pelo flagelo da cólera, pelo encarniçamento do inimigo, enfraquecidos pelo árduo serviço da guerra, e afinal, quase perdidos e sem rumo, porque o sertanejo Lopes que os guiava naquele deserto, apesar da sua reconhecida prática, do seu tino, de sua coragem e do ardente desejo que tinha de cumprir a promessa que fizera de colocar a coluna na estrada do Canindé, quase desanimado pela morte de um filho, expirou do terrível flagelo no momento em que, alcançando a dita estrada, cumprira o seu dever salvando toda a coluna. A morte do bravo Coronel Camisão há de ficar eternamente gravada na memória de seus camaradas. Este valente soldado, depois de tantos sofrimentos, de tantos atos de resolução e bravura, de tanta abnegação, no momento do expirar pediu a espada, cingiu-a à cinta, deu ordem de marcha e desapertando o talim ([3]) empalideceu e expirou. No mesmo dia faleceu o seu imediato, Tenente-Coronel Chefe da Comissão de Engenheiros Juvêncio Manoel Cabral de Menezes; em consequência do que tomou o comando o resoluto paulista, Major José Thomaz Gonçalves, que imediatamente providenciou o prosseguimento da marcha, ativando a passagem do Rio Miranda e restabelecendo a disciplina enfraquecida por um conjunto de circunstancias tão extraordinárias.

No dia 1° de junho, achando-se toda a coluna na margem direita do Rio Miranda, ordenou aquele valente cabo de guerra uma marcha forçada a qual se efetuou na noite daquele mesmo dia, apesar do copiosíssima chuva, completando-se às 14h00 do dia 2, seis léguas, e em seguida mais três até o Porto de Nioaque.

No Canindé achando-se vários carros de munições de boca, os quais pelo desencontro da tomada da nova direção pelas Forças, já se achavam em poder dos paraguaios, que, em consequência da fuga dos carreiros, principiavam a estragar os mantimentos, quando a chegada da coluna impediu esse ato de vandalismo. É impossível pintar a voracidade com que os nossos soldados esfaimados se lançaram aos víveres espalhados pelo campo, e em parte pelos próprios carreiros para inutilizá-los no ato do abandono.

À chegada de Nioaque, tendo-se retirado o destacamento, conjuntamente com o Coronel Lima e Silva, mandou o Major Comandante seguir para o Rio Aquidauana, a 13 léguas de Nioaque, onde encontrou a coluna os víveres que haviam sido levados pelo Coronel Chefe da Repartição Fiscal.

A 17 do mês passado, ficaram as nossas forças em perfeito estado sanitário, munidas de muitos mantimentos e gado, ocupando uma boa posição no lugar denominado – Dois Irmãos. Estas notícias foram-nos fornecidas pelos Srs. 1° Tenente de engenheiros Alfredo de D’Escragnolle Taunay o Alferes João Luiz do Prado Mineiro, que hoje chegaram à esta cidade, com 42 dias de viagem, e amanhã seguem para a capital no trem das 06h00.

Jundiaí, 29.07.1867.

Dr. Joaquim Antônio Pinto Júnior. (DSP N° 585)

 

Bibliografia

 

DSP, N° 585. Diário de S. Paulo – Brasil ‒ São Paulo, SP ‒ Diário de S. Paulo, n° 585, 31.07.1867.

 


 

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

 

Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)

Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);

Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);

Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)

Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);

Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)

Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);

Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)

Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).

Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).

E-mail: hiramrsilva@gmail.com.



[1]    Ao romper d’alva: ao romper da aurora, ao alvorecer. (Hiram Reis)

[2]    Eminência: elevação. (Hiram Reis)

[3]    Talim: Correia, presa à cinta e de onde pende a espada. (Hiram Reis)

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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