Quarta-feira, 15 de março de 2023 - 07h12
Bagé, 15.03.2023
Aprendi quando criança que o
Comunismo era um sistema político, social e econômico baseado no princípio da
igualdade, onde supostamente não existiriam classes sociais distintas e onde o
Estado assumiria um papel preponderante na distribuição igualitária da riqueza.
A prática e a história, porém, mostraram que se tratava apenas de uma ideologia
ultrapassada, retrógrada e utópica.
É deprimente verificar o que
professam os historiadores de hoje, comportando-se como legítimos órfãos do
muro de Berlim, insistindo em manter vivo um sistema político desde há muito
morto, enterrado e putrefato. São sociólogos, ideólogos, filósofos, professores,
clérigos e políticos que procuram moldar os corações e mentes de jovens e
despreparados estudantes, de uma população onde impera o analfabetismo
funcional e anestesiada pelas benesses patrocinadas por uma máquina pública
corrupta através de famigeradas, virulentas e aliciadoras bolsas
assistenciais.
A historiografia moderna está de tal forma impregnada pela
ideologia ParTidária que se torna cada vez mais difícil ter acesso à versão real
dos fatos. Os novos “historiadores”
se preocupam, por demais, em atrelar suas convicções ideológicas aos eventos
históricos comprometendo, com isso, a veracidade dos acontecimentos.
Felizmente alguns jornalistas, mais esclarecidos, cuja vivência
e estudo lhes apresentou uma realidade diferente daquela apregoada por pseudo-salvadores
da Pátria, surgem e se destacam desta massa ignara que domina os órgãos de
comunicação e de ensino de nosso pobre País. Reproduziremos um interessante
artigo do Jornalista, Filósofo e Cientista Político Olavo de Carvalho
publicado no dia 31.12.2000 no seu Blog oficial ‒ www.olavodecarvalho.org:
Militares e a
Memória Nacional
Como todos os meninos da escola na minha época, eu não podia cantar o Hino
Nacional ou prestar um juramento à bandeira sem sentir que estava participando
de uma pantomima. A gente ria às escondidas, fazia piadas, compunha paródias
escabrosas. Os símbolos do patriotismo, para nós, eram o suprassumo da
babaquice, só igualado, de longe, pelos ritos da Igreja Católica, também
abundantemente ridicularizados e parodiados entre a molecada, não raro com a
cumplicidade dos pais. Os professores nos repreendiam em público, mas, em
segredo, participavam da gozação geral. Cresci, entrei no jornalismo e no
Partido Comunista, frequentei rodas de intelectuais. Fui parar longe da
atmosfera da minha infância, mas, nesse ponto, o ambiente não mudou em nada: o
desprezo, a chacota dos símbolos nacionais eram idênticos entre a gente letrada
e a turminha do bairro. Na verdade, eram até piores, porque vinham reforçados
pelo prestígio de atitudes cultas e esclarecidas. Graciliano Ramos, o grande
Graciliano Ramos, glória do Partidão, não escrevera que o Hino era “uma estupidez”? ([1])
Mais tarde, quando conheci os EUA, levei um choque.
Tudo aquilo que para nós era uma palhaçada hipócrita os americanos levavam
infinitamente a sério. Eles eram sinceramente patriotas, tinham um autêntico
sentimento de pertinência, de uma raiz histórica que se prolongava nos frutos
do presente, e viam os símbolos nacionais não como um convencionalismo oficial,
mas como uma expressão materializada desse sentimento.
E não imaginem que isso tivesse algo a ver com riqueza e bem-estar social.
Mesmo pobres e discriminados se sentiam profundamente americanos, orgulhosamente
americanos, e, em vez de ter raiva da pátria porque ela os tratava mal,
consideravam que os seus problemas eram causados apenas por maus políticos que
traíam os ideais americanos.
Correspondi-me durante anos com uma moça negra de Birmingham, Alabama. Ali
não era bem o lugar para uma moça negra se sentir muito à vontade, não é mesmo?
Mas se vocês vissem com que afeição, com que entusiasmo ela falava do seu país!
E não só do seu país: também da sua igreja, da sua Bíblia, do seu Jesus. Em
nenhum momento a lembrança do racismo parecia macular em nada a imagem que ela
tinha da sua pátria. A América não tinha culpa de nada. A América era grande,
bela, generosa. A maldade de uns quantos não podia afetar isso em nada. Ouvi-la
falar me matava de vergonha.
Se alguém no Brasil dissesse essas coisas, seria exposto
imediatamente ao ridículo, expelido do ambiente como um idiota-mor ou condenado
como reacionário um integralista, um fascista. Só dois grupos, neste país,
falavam do Brasil no tom afetuoso e confiante com que os americanos falavam da
América.
O primeiro era os imigrantes: russos, húngaros, poloneses, judeus,
alemães, romenos. Tinham escapado ao terror e à miséria de uma das grandes
tiranias do século [alguns, das duas], e proclamavam, sem sombra de
fingimento:
– Este
é um país abençoado!
Ouvindo-nos falar mal da nossa terra, protestavam:
– Vocês
são doidos. Não sabem o que têm nas mãos.
Eles tinham visto coisas que nós não imaginávamos, mediam a vida humana
numa outra escala, para nós aparentemente inacessível. Falávamos de miséria,
eles respondiam:
– Vocês
não sabem o que é miséria.
Falávamos de ditadura, eles riam:
– Vocês
não sabem o que é ditadura.
No começo isso me ofendia. “Eles
acham que sabem tudo”, dizia com meus botões. Foi preciso que eu estudasse muito, vivesse muito, viajasse muito,
para entender que tinham razão, mais razão do que então eu poderia
imaginar. A partir do momento em que
entendi isso, tornei-me tão esquisito, para meus conterrâneos como um estoniano
ou húngaro, com sua fala embrulhada e seu inexplicável entusiasmo pelo Brasil,
eram então esquisitos para mim.
Digo, por exemplo, que um
país onde um mendigo pode comer diariamente um frango assado por dois dólares é
um país abençoado, e as pessoas querem me bater. Não imaginam o que possa ter
sido sonhar com um frango na Rússia, na Alemanha, na Polônia, e alimentar-se de
frangos oníricos.
Elas acreditam que em Cuba os frangos dão em árvores e
são propriedade pública. Aqueles velhos imigrantes tinham razão: o brasileiro
está fora do mundo, tem uma medida errada da realidade. O outro grupo onde
encontrei um patriotismo autêntico foi aquele que, sem conhecê-lo, sem saber
nada sobre ele exceto o que ouvia de seus inimigos, mais temi e abominei
durante duas décadas: OS MILITARES. Caí no meio deles por mero
acaso, por ocasião de um serviço editorial que prestava para a Odebrecht que me
pôs temporariamente de editor de texto de um volumoso tratado “O Exército na História do Brasil”. A
primeira coisa que me impressionou entre os militares foi sua preocupação
sincera, quase obsessiva, com os destinos do Brasil. Eles discutiam os
problemas brasileiros como quem tivesse em mãos a responsabilidade pessoal de
resolvê-los.
Quem os ouvisse sem saber que eram militares teriam a impressão de estar
diante de candidatos em plena campanha eleitoral, lutando por seus programas
de governo e esperando subir nas pesquisas junto com a aprovação pública de
suas propostas.
Quando me ocorreu que nenhum
daqueles homens tinha outra expectativa ou possibilidade de ascensão social
senão as promoções que automaticamente lhes viriam no quadro de carreira, no
cume das quais nada mais os esperava senão a metade de um salário de jornalista
médio percebi que seu interesse pelas questões nacionais era totalmente independente
da busca de qualquer vantagem pessoal. Eles simplesmente eram patriotas, tinham
o amor ao território, ao passado histórico, à identidade cultural, ao
patrimônio do país, e consideravam que era do seu dever lutar por essas coisas,
mesmo seguros de que nada ganhariam com isso senão antipatias e gozações.
Do mesmo modo, viam os
símbolos nacionais – o Hino, a Bandeira, as Armas da República – como
condensações materiais dos valores que defendiam e do sentido de vida que
tinham escolhido. Eles eram, enfim, “americanos”
na sua maneira de amar a pátria sem inibições. Procurando explicar as razões
desse fenômeno, o próprio texto no qual vinha trabalhando me forneceu uma
pista.
O Brasil nascera como
entendida histórica na Batalha dos Guararapes, expandira-se e consolidara sua
unidade territorial ao sabor de campanhas militares e alcançara pela primeira
vez, um sentimento de unidade autoconsciente por ocasião da Guerra do Paraguai,
uma onda de entusiasmo patriótico hoje dificilmente imaginável.
Ora, que é o amor à Pátria, quando autêntico e não convencional, senão a
recordação de uma epopeia vivida em comum?
Na sociedade civil, a memória
dos feitos históricos perdera-se, dissolvida sob o impacto de revoluções e
golpes de Estado, das modernizações desaculturantes, das modas avassaladoras,
da imigração, das revoluções psicológicas introduzidas pela mídia.
Só os militares, por força da continuidade imutável das suas instituições e
do seu modo de existência, haviam conservado a memória viva da construção
nacional.
O que para os outros eram
datas e nomes em livros didáticos de uma chatice sem par, para eles era a sua
própria história, a herança de lutas, sofrimentos e vitórias compartilhadas, o
terreno de onde brotava o sentido de suas vidas.
O sentimento de “Brasil”, que para os outros era uma excitação
epidérmica somente renovada por ocasião do carnaval ou de jogos de futebol [e
já houve até quem pretendesse construir sobre essa base lúdica um grotesco
simulacro de identidade nacional], era para eles o alimento diário, a
consciência permanentemente renovada dos elos entre passado, presente e futuro.
Só os militares eram patriotas porque só os militares tinham consciência da
história da pátria como sua história pessoal.
Daí também outra diferença. A
sociedade civil, desconjuntada e atomizada, é anormalmente vulnerável a
mutações psicológicas que induzidas do Exterior ou forçadas por grupos de
ambiciosos intelectuais ativistas apagam do dia para a noite a memória dos
acontecimentos históricos e falseiam por completo a sua imagem do passado.
De uma geração para outra, os
registros desaparecem, o rosto dos personagens é alterado, o sentido todo do
conjunto se perde para ser substituído, do dia para a noite, pela fantasia
inventada que se adapte melhor aos novos padrões de verossimilhança impostos
pela repetição de slogans e frases-feitas. Toda a diferença entre o que se lê
hoje na mídia sobre o regime militar e os fatos revelados no site de Ternuma ([2])
vem disso.
Até
o começo da década de 80, nenhum brasileiro, por mais esquerdista que fosse, ignorava
que havia uma revolução comunista em curso, que essa revolução sempre tivera
respaldo estratégico e financeiro de Cuba e da URSS, que ele havia atravessado
maus bocados em 1964 e tentara se rearticular mediante as guerrilhas, sendo
novamente derrotada.
Mesmo o mais hipócrita dos comunistas, discursando em favor da “democracia”, sabia perfeitamente a
nuance discretamente subentendida nessa palavra, isto é, sabia que não lutava
por democracia nenhuma, mas pelo comunismo cubano e soviético, segundo as
diretrizes da Conferência Tricontinental de Havana.
Passada uma geração tudo isso se apagou. A juventude, hoje, acredita
piamente que não havia revolução comunista nenhuma, que o governo João Goulart
era apenas um governo normal eleito constitucionalmente, que os terroristas da
década de 70 eram patriotas brasileiros lutando pela liberdade e pela
democracia.
No Brasil, a multidão não tem memória própria.
Sua vida é muito descontínua, cortada por súbitas mutações modernizadoras,
não compensadas por nenhum daqueles fatores de continuidade que preservava a
identidade histórica do meio militar. Não há cultura doméstica, tradições
nacionais, símbolos de continuidade familiar.
A memória coletiva está inteiramente à mercê de duas forças estranhas: a
mídia e o sistema nacional de ensino. Quem dominar esses dois canais mudará o
passado, falseará o presente e colocará o povo no rumo de um futuro fictício.
Por isso o site de Ternuma é algo mais que a reconstituição de detalhes
omitidos pela mídia. É uma contribuição preciosa à reconquista da verdadeira
perspectiva histórica de conjunto, roubada da memória brasileira por
manipuladores maquiavélicos, oportunistas levianos e tagarelas sem consciência.
Perguntam-me se essa contribuição vem dos militares? Bem, de quem mais poderia
vir? (Olavo de Carvalho – www.olavodecarvalho.org)
Sabe. Moço
(Chico Alves)
Sabe, moço
Que no meio
do alvoroço
Tive um
lenço no pescoço
Que foi
bandeira pra mim
Que andei
em mil peleias
Em lutas
brutas e feias
Desde o
começo até o fim.
Sabe, moço
Depois das
revoluções
Vi
esbanjarem brasões
Pra
caudilhos coronéis
Vi
cintilarem anéis
Assinatura
em papéis
Honrarias
para heróis.
É duro,
moço
Olhar agora
pra história
E ver
páginas de glórias
E retratos
de imortais.
Sabe, moço
Fui guerreiro
como tantos
Que andaram
nos quatro cantos
Sempre
seguindo um clarim.
E o que
restou? Ah, sim
No peito em
vez de medalhas
Cicatrizes
de batalhas
Foi o que sobrou pra mim [...]
(*)
Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas,
Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do
Sul (1989)
Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre
(CMPA);
Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura
do Exército (DECEx);
Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério
Militar – RS (IDMM – RS);
Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando
Militar do Sul (CMS)
Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia
Brasileira (SAMBRAS);
Membro da Academia de História Militar Terrestre do
Brasil – RS (AHIMTB – RS);
Membro do Instituto de História e Tradições do Rio
Grande do Sul (IHTRGS – RS);
Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia
(ACLER – RO)
Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio
Grande do Sul (AMLERS)
Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da
Escola Superior de Guerra (ADESG).
Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
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