Sexta-feira, 17 de março de 2023 - 06h05
Bagé, 15.03.2023
Operações Ativas do Exército e Fatos
Ocorridos no Teatro da Guerra
[...] Releva, entretanto,
dizer-vos alguma coisa da Expedição, que pelo Sul da Província de Mato Grosso
opera no intuito de desalojar o inimigo, nessa Província ainda senhor de
importantes posições.
Na paciência, e na resignação
com que tem afrontado as intempéries, os trabalhos e as provações de uma ingrata
campanha, tem-se tornado ela digna do reconhecimento nacional.
Segundo a máxima do maior
Capitão do século, a primeira qualidade do soldado é a constância em suportar
as fadigas e as privações; o valor é a segunda: a primeira, exuberantes provas
já tem dado de que possuem, em alto grau, as praças da Expedição; quanto à
segunda, somente aguardam com ansiedade o momento de encontrarem o inimigo para
patenteá-la.
No importante e minucioso relatório da respectiva comissão de engenheiros,
que figura entre os anexos, e para o qual chamo a vossa atenção, achareis
todos os pormenores da longa marcha rodeada de perigos, e cheia do
contrariedade, que fez a mesma Expedição até o Coxim, e deste ponto até a Vila
de Miranda, onde ela chegou, às 13h00, do dia 17 de setembro do ano próximo
findo.
Até o Coxim lutou ela com muitas dificuldades de toda a espécie; naquele
ponto, porém, dura e cruel foi a provação por que passou.
Além de uma epidemia, que arrebatou a muitos oficiais, contando-se entre
eles o seu digno comandante, Brigadeiro José Antônio da Fonseca Galvão,
falecido a 13 de junho do ano passado, viu-se a Expedição a braços com a
penúria e a fome; pois que por causa das grandes distâncias, em Sertões
inóspitos, e de se tornarem intransitáveis as estradas em consequência das
abundantes chuvas, não puderam ali chegar a tempo os recursos de antemão
preparados pelo governo.
Tomou conta do comando das Forças o Tenente-coronel Joaquim Mendes
Guimarães, tendo logo procurado remover todas as dificuldades para mudar o acampamento
de um lugar que tão fatal estava sendo aos seus comandados.
A 13 de julho, apresentou-se e assumia o comando da Expedição o Coronel
José Joaquim de Carvalho, e tratou logo do estabelecimento de uma enfermaria, e
deu providências em ordem a proporcionar melhor cômodo às praças da Expedição.
E, reconhecendo a urgente necessidade de uma estrada fácil ao transporte
dos recursos inteiramente indispensáveis à Expedição, e acumulados em diversos
depósitos, por estarem de todo intransitáveis as estradas de comunicação entre
esses depósitos e Coxim, e se inutilizarem nas estações invernosas, mandou o
Coronel Carvalho proceder aos estudos, exames e reconhecimentos convenientes, e
deliberou, à vista dos esclarecimentos obtidos, ordenar a abertura de uma estrada
que, passando por Coxim, se dirigisse a Nioaque por bons terrenos, poupando-se
assim trinta léguas de trânsito por caminhos difíceis.
Em 13 de dezembro último, comunicou-me o referido Coronel estar concluída a
obra, e entregue ao trânsito público a estrada, que já era frequentada por
carros e tropas com víveres e fardamento, gastando-se apenas a quantia de
2:652$000 com tão importante melhoramento.
A 24 de julho, pôs-se a Expedição em marcha, e passando sempre pelos mesmos
transes ([1]),
chegou no fim do 10 dias ao Rio Taboco, em cuja margem direita acampou a espera
de víveres, para depois prosseguir na sua marcha; no entanto fizeram-se os
reconhecimentos, explorações e preparativos necessários.
Felizmente chegaram os
recursos esperados; à carestia ([2])
substituiu tal ou qual abundando; e as praças da Expedição restabelecerão as
suas forças físicas, e receberam o necessário fardamento.
À vista de tão lisonjeiro
estado, ordenou-se o prosseguimento da marcha, levantando-se acampamento, no
dia 5 de setembro; a 6, chegou a Expedição à margem direita do Rio Aquidauana,
no lugar fronteiro do denominado ‒ Porto do Souza –; até o dia 14, consumiu-se
o tempo na passagem do Rio, e, no dia 15, continuou a Expedição a sua marcha
até a Vila de Miranda, onde, como já vos informei, entrou, no dia 17.
À medida que nossas forças
avançavam, os paraguaios iam abandonando as posições mais próximas, por eles
ocupadas na sua traiçoeira invasão, e fugiam deixando somente, como prova de
sua existência, vestígios do seu canibalismo ([3]).
Quando as nossas forças
chegaram à Vila de Miranda, estava completamente livre da invasão todo o
Distrito, desde o Coxim até a margem direita do “Apa”, que inteiramente evacuados se achavam os pontos do Souza [no
Aquidauana], Espenidio [no Taquaraçu], Santa Rosa [no Brilhante], Vacaria,
Forquilha, Nioaque, Colônia dos Dourados e Miranda, Desbarrancado e outros
pequenos postos tomados pelos invasores.
Tendo-se notícia de estar
ainda ocupado por forças inimigas o ponto de Albuquerque, e por conseguinte
interceptada a comunicação fluvial entre a cidade de Cuiabá e Miranda,
deliberou o comandante da Expedição preparar-se para avançar sobre aquele
ponto, para o que pedia a cooperação do Presidente da Província, tomando várias
providências, e organizando uma pequena flotilha de botes e canoas.
O
Governo, porém, tinha ordenado por aviso de 30 de abril do ano passado que o
Cel José Joaquim de Carvalho respondesse a Conselho de Guerra; e, não tendo
ainda o Presidente da Província conhecimento da resolução mandando suspender os
processos militares enquanto durar a guerra, ordenou o mesmo Presidente que o
Cel Carlos de Moraes Camisão seguisse a tomar conta do comando da Expedição, a
fim de ser cumprida a ordem do Governo; e o Cel Carvalho ciente da deliberação
a seu respeito, passou a 24 de dezembro o comando da Expedição ao
Tenente-coronel Juvêncio Manoel Cabral de Menezes, e seguiu logo para a
capital da Província.
No dia 1° de janeiro do corrente ano, chegou o Cel Camisão ao acampamento
das Forças Expedicionárias, tomou o seu comando, e tratou de dar-lhe nova
organização, tirando-lhes o caráter de um Corpo de Exército, e trazendo com
isso não pequena economia para os cofres públicos.
Naquela época compunham-se as referidas Forças de 2.081 praças; e, mediante
a solicitude e atividade do Presidente de Goiás na remessa de recursos, nada aí
lhe faltou; o estado sanitário, porém, era o pior possível: uma epidemia
rebelde a todos os esforços empregados pelos médicos dizimou em grande número
as fileiras da Expedição, circunstância esta que aconselhava a mudança do
acampamento o quanto antes.
Por isso ordenei-a, indicando o ponto de Nioaque como o mais conveniente
para nele estacionar a Expedição, ficando ela ali mais próxima do Rio Apa, onde
o inimigo conserva alguns pontos fortificados e possíveis de serem batidos e
ocupados pelas nossas Forças além da grande vantagem resultante da aproximação
destas Forças à nossa fronteira, cobrindo ao mesmo tempo o Sul da Província de
Mato Grosso, e prevenindo a continuação das correrias dos vândalos por aquele
lado.
Para tão conveniente transferência de acampamento fizeram-se todos os
preparativos, tomando-se as devidas providências, e ordenaram-se as necessárias
explorações; em uma das quais o Capitão de índios, Lapagate, com alguns dos
seus, seguiu até o “Apa”, encontrando
na fronteira um ponto ocupado por 20 paraguaios que foram batidos
completamente, escapando-se somente cinco.
Segundo comunicou-me o Coronel Camisão, pôs-se ele em marcha, a 7 de
janeiro, para Nioaque, e em 27 do mesmo mês tinha chegado àquele ponto e
predispunha-se, em cumprimento das ordens do Governo, a marchar sobre o “Apa” com as forças do seu comando, que,
inflamadas de sentimentos patrióticos, desejam cruzar as suas armas com as do
inimigo.
Sem combater, sem despender um só tiro, e unicamente com a sua aproximação,
conseguiram essas Forças fazer o inimigo desertar de posições importantes; e
muito se deve esperar de uma Expedição, que tão sobranceira e resignada se mostrou
nos diversos transes por que tem passado.
O inimigo a teme, pois consta ter ele fortificado Corumbá com um navio do
guerra e 109 praças, conforme o Presidente de Mato Grosso participou ao Governo
em ofício, de 23 de fevereiro último.
Na cidade de Cuiabá existia pronta uma força de 3.000 homens com 8 bocas de
fogo de Calibre 4 raiadas; bem armadas e municiadas, em breve se reuniram as
forças expedicionárias ao Sul da Província, para com elas obrar contra o
inimigo.
Cumpre-me declarar-vos que ao
Governo Imperial não tem sido indiferente a dedicação, constância e resignação
nos sofrimentos, e bem assim o valor nos combates, patenteados pelos defensores
do Estado no teatro dos acontecimentos: aos que se distinguem por ações
meritórias, segundo as Ordens do Dia dos respectivos chefes, remunera com
postos de acesso, ou com condecorações honoríficas do Império; aos
inutilizados, voluntários ou de linha, a ponto de dificilmente proverem os
meios de sua subsistência, concede pensões; as praças de pret ([4]),
que regressam inválidas, são recolhidas no respectivo asilo, onde, com toda a
humanidade, recebem alimento, o curativo de suas moléstias e o fardamento necessário;
os oficiais Voluntários da Pátria, inutilizados por ferimentos, tem as honras
do posto: as viúvas e filhos dos bravos, que sucumbem por moléstias adquiridas
em serviço de campanha, são amparados da miséria, pois além do meio soldo a que
têm direito; recebem uma pensão equivalente; e ultimamente Sua Majestade o
Imperador, querendo dar uma prova de quanto considera os serviços relevantes
dos mais bravos das nossas Forças em operações, houve por bem por Decreto n°
3.853, do 1° de maio deste ano, criar uma medalha de bravura.
Na órbita de suas
atribuições, o Governo Imperial nada tem esquecido dos serviços daqueles que,
com sacrifício de todas as suas comodidades, com sacrifício até da própria
vida, longe da sua Pátria, e de tudo quanto lhes é caro, defendem com denodo os
direitos e a honra do Império.
É um dever sagrado que o
Governo cumpre, solicitando, por meu intermédio, vos digneis de aprovar o mais
breve possível as pensões concedidas, a fim dos agraciados poderem entrar no
gozo deste benefício, que de algum modo os abriga da miséria.
Ao terminar esta sucinta
narração dos principais fatos ocorridos desde maio do ano passado em relação às
operações militares das forças do Império, apresento-vos o resumo dos
contingentes remetidos da Corte, desde aquele mês, para engrossarem as fiteiras
do nosso Exército em operações.
Resumo da Força Remitida da Corte |
|||
1866 |
Maio |
70 |
Praças |
Junho |
161 |
||
Julho |
315 |
||
Agosto |
374 |
||
Setembro |
1.599 |
||
Outubro |
1.550 |
||
Novembro |
1.186 |
||
Dezembro |
1.422 |
||
1867 |
Janeiro |
2.346 |
|
Fevereiro |
988 |
||
Março |
909 |
||
Abril |
1.640 |
||
Maio |
1.579 |
||
Total Parcial |
14.139 |
||
|
|||
3° Corpo de Exército |
4.338 |
||
Do RS (desde agosto, 1866) |
476 |
||
De SC (desde agosto, 1866) |
816 |
||
Total Geral |
19.769 |
De
onde se vê que somente de agosto até hoje, tem ido engrossar as Forças em
operações, por parte do Ministério da Guerra, 19.223 praças. (RMG, 1867)
Bibliografia
RMG, 1867. Operações Ativas do Exército e Fatos
Ocorridos no Teatro da Guerra – Brasil – Rio de Janeiro ‒ RJ – Relatório do
Ministério da Guerra – Tipografia Nacional, 1867.
(*)
Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas,
Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do
Sul (1989)
Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre
(CMPA);
Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura
do Exército (DECEx);
Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério
Militar – RS (IDMM – RS);
Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando
Militar do Sul (CMS)
Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia
Brasileira (SAMBRAS);
Membro da Academia de História Militar Terrestre do
Brasil – RS (AHIMTB – RS);
Membro do Instituto de História e Tradições do Rio
Grande do Sul (IHTRGS – RS);
Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia
(ACLER – RO)
Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio
Grande do Sul (AMLERS)
Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da
Escola Superior de Guerra (ADESG).
Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
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Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV
Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
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Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira O jornalista H