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Hiram Reis e Silva

Terceira Margem – Parte DLXVI - Jornada Pantaneira - A Retirada da Laguna –Parte IV


Terceira Margem – Parte DLXVI - Jornada Pantaneira - A Retirada da Laguna –Parte IV - Gente de Opinião

Bagé, 29.03.2023

IV

Marcha Sobre a Fronteira Paraguaia. Conselho de Guerra.

Arrancou a coluna a 25.02.1867, indo acampar a uma légua da Vila, à margem do Rio Nioaque. Logo que pudemos, visitamos o Comandante. Tinha a barraca sobre um montículo pedregoso, a meio abrigado por palmeiras que torna­vam aprazível aquele local. Estava agitado: já para o rancho da tarde faltava gado.

A 26.02.1867 estávamos no Canindé; a 27.02.1867 no Desbarrancado.

Dois dias demorou a coluna neste lugar, 28.02.1867 a 01.03.1867. A 02.03.1867 marchava até o Feio, Rio da vizinhança, onde, devido ao mau tempo, pas­sou o dia 3. Nesse mesmo dia voltou José Francisco Lopes de sua estância do Jardim trazendo-nos, mais ou menos, duzentos e cinquenta cabeças de gado, circunstância que naturalmente veio aumentar a grande confiança que nele e em sua palavra já depo­sitávamos.

A 04.03.1867, à uma hora da tarde, ocupamos o lugar onde fora a colônia de Miranda, distante 80 km S.S.O. de Nioaque. Apenas ali restavam alguns vestígios de construções incendiadas.

Principiou o Coronel Camisão por fazer explorar os diversos pontos que se ligavam à nossa posição e ordenou que, em todas as direções, se abrissem picadas através das matas, mandando ocupar as estradas do Apa e da colônia por piquetes.

Ao mesmo tempo eram as trincheiras da frente e da retaguarda resguardados por destacamentos consi­deráveis.

O que teria convindo seria investir com as fortifica­ções paraguaias e tomá-las. Na primeira confusão desta surpresa, poderíamos devastar o Norte da Re­pública antes que o governo de Assunção soubesse de nossa marcha. Deu-se inteiramente o contrário: teve o inimigo tempo de perceber a diretriz e o al­cance da empresa.

Continuava sempre iminente a fome. Segundo reba­nho de duzentas cabeças, que Lopes ainda trouxera de suas terras, estava a acabar. Nenhuma remessa nova se anunciava e a Intendência em ofício, datado de Nioaque, declarava achar-se incapaz de prover, daí em diante, ao abastecimento de gado.

Nesta contingência acentuaram-se as hesitações do Coronel com maior frequência. Deixou mesmo pres­sentir a necessidade que talvez o compelisse a recu­ar até Nioaque e abandonar provisoriamente os pro­jetos de ofensiva. Como fazia praça em observar, tal ideia, aliás, jamais fora favoravelmente acolhida. Quis em todo o caso pôr a salvo a responsabilidade, por meio de documento oficial com que, oportuna­mente, pudesse justificar-se, quer perante o go­verno, quer perante o público.

Assim, pois, a 23.03.1867, oficiou ao presidente da Comissão de engenheiros, determinando-lhe que convocasse os colegas para deliberarem sobre a possibilidade de um movimento ofensivo e os meios de o executarmos.

A tarde desse mesmo dia, graças a um contraste, cuja recordação nos ficará inapagável à mente, reu­niu-se este Conselho carregado de tantas desgraças, quando a luz crepuscular enchia os espaços de paz e alegria. A princípio solene, acabou por violências nascidas da exaltação conscienciosa.

Por diversas vezes esforçaram-se três dos membros da Comissão em pintar a posição do Corpo do Exér­cito tal qual realmente era; a insuficiência de víve­res; a penúria absoluta dos meios de transporte; a ausência da cavalaria e a escassez das munições; a impossibilidade de angariar reforços ou socorros para um punhado de homens internados em terra inimiga.

Daí a eventualidade infalivelmente próxima de uma retirada a executar-se, sem dados de antemão estu­dados, e sob condições em que as tentativas só po­diam conduzir a um desastre, e isto com a deplorável consequência de atrair novamente para o território brasileiro, a ocupação paraguaia, acompanhada de todos os horrores.

Razão, mais que sobeja, assistia incontestavelmente aos que assim pensavam. Dois dos colegas, porém, encarando a questão sob um ponto de vista diverso, e buscando argumentos em mais elevada esfera, pretenderam que ao Corpo de Exército assistia uma missão que, a todo o transe, devia cumprir.

Tornara-se-lhe a marcha para o Norte do Paraguai absolutamente indispensável no plano de conjunto da guerra. Era sem dúvida a coluna mais fraca e talvez sucumbisse, mas útil e gloriosamente. Dir-se-ia, pelo menos, que se compunha de valentes brasileiros.

Éramos todos moços; tais pensamentos, tais modos de sentir invocados a propósito de opi­niões contrárias, trouxeram troca de palavras áspe­ras e afinal recriminações pessoais.

Até então mantivera-se calado o Tenente-Coronel Juvêncio ([1]), Chefe da Comissão de engenheiros, sem contudo conseguir dominar a comoção que de vez em quando o agitava. De seu voto, preponderante, devia depender, o des­fecho do debate. Resumiu o parecer, colocando-se exclusivamente no terreno prático: “Não podia a coluna avançar sem víveres e já não dispunha de mais gado”. Exatamente em tal momento ocorreu um destes incidentes que nas combinações das coi­sas humanas surgem para lhes encaminhar o curso.

Um rebanho que o infatigável Lopes, a instâncias do nosso Comandante, juntara nos campos de sua es­tância do Jardim e tangera para o acampamento, ali entrava tumultuosamente, respondendo os mugidos dos animais aos clamores dos vaqueiros e peões.

Desde então tudo se decidiu, como outrora em Roma expedições militares se detiveram ou precipitaram-se segundo os gemidos das vítimas ou os gritos dos frangos sagrados. Levantou-se o Presidente do Con­selho e, voltando-se para o secretário encarregado de redigir a ata da sessão, o próprio autor desta nar­rativa, encarregou-o de comunicar ao Comandante que a Comissão unânime reconhecia a possibilidade da marcha para a frente, sobre a fronteira inimiga, apressando-se em oferecer toda a sua boa vontade para a execução deste plano. Em seguida, exclamou:

  Deixo viúva e seis órfãos. Terão como única herança um nome honrado.

Assim se encerrou este conselho sobre o qual se fi­xara a atenção de toda a oficialidade e cujo resul­tado; todos surpreendeu; a ninguém tanto, contudo, quanto ao Comandante, por se ver arrastado pelo obstáculo que acreditara anteceder à sua pessoa e os riscos do primitivo projeto.

O sentimento do decoro pessoal, nele poderoso des­de o despertar, preservou-o, contudo, de outros tes­temunhos da impressão, além de alguns gestos, inopinados e involuntários. Esforçou-se desde então em bem realizar o que fatalmente se tornara impossível deixar de empreender. (TAUNAY, 1874) (Continua...)

Bibliografia

 

TAUNAY, Alfredo de Escragnolle. A Retirada da Laguna: Episódio da Guerra do Paraguai – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Tipografia Americana, 1874.

 


 

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

 

Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)

Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);

Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);

Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)

Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);

Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)

Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);

Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)

Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).

Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).

E-mail: hiramrsilva@gmail.com.



[1]    Juvêncio: Juvêncio Manoel Cabral de Menezes. (Hiram Reis)

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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