Segunda-feira, 22 de maio de 2023 - 06h25
Bagé, 22.05.2023
IV
Houve um oficial
a quem o ditador sobre todos prezava e distinguia e que sempre se mostrou digno
de tão grande confiança. Entretanto, se não houvesse morrido em 1867, era pouco
provável que chegasse ao fim da campanha sem incorrer no desagrado de López. Como
quer que fosse, este teve especial estima por José Eduvigis Díaz Vera, Chefe de
Polícia e Capitão Comandante do 40° Batalhão de Infantaria, quando a Guerra foi
declarada. Diaz
era um valente e destemido oficial, inteligente e perspicaz e talvez o único auxiliar
consciente do Marechal. Tinha 33 anos e levou para o Campo de Batalha todo seu
entusiasmo de moço e de patriota.
Foi uma das figuras proeminentes da campanha e praticou atos
de verdadeiro heroísmo em todos os combates em que entrou. Verdadeiro tipo do
espanhol, visionário e audaz, há um pequeno episódio curiosíssimo que dá a
medida de seu caráter arrojado e fogoso. Em fevereiro de 1865, o Presidente,
após uma visita que fez ao 40° Batalhão, há pouco organizado e disciplinado
pela perícia e energia de José Diaz, como sinal de satisfação pelo que viu,
convidou o comandante para jantar em sua mesa, onde também se sentaram, entre
outros distintos oficiais, o Coronel Barrios que chegara da Expedição de Mato
Grosso, Francisco Sanchez, Presidente do Conselho de Ministros e o Major
Estigarribia.
Em meio da conversa, que era toda sobre a próxima campanha,
o Marechal perguntou ao capitão Diaz se já tinha meditado algum Plano de Guerra
e que o expusesse.
‒ Nenhum,
senhor! Respondeu o oficial, porque nada mais quero senão conhecer o que V.
Exª tenha resolvido, para o executar.
López, lisonjeado com a resposta do seu subordinado,
voltando-se para os oficiais, observou que eram eles os Generais de amanhã e os
depositários de sua confiança; que apesar do alto apreço que lhe merecia a
modéstia de seus amigos e servidores, contudo ouviria com prazer a opinião
deles franca e sincera.
‒ Nesse
caso, senhor!
Exclamou
Diaz, erguendo-se, direi que o mais ardente anseio de minha vida seria receber
de V. Exª ordem para escolher sete mil homens do Exército e, embarcando-os nos
melhores vapores da nossa Armada, tomar sem perda do tempo o rumo do Atlântico;
passar pelo Rio da Prata, iludindo a vigilância dos navios brasileiros surtos
ai; apresentar-me à vista do Rio do Janeiro, no nono dia.
Penetrar
na baía à meia noite por entre os Fortes cujos canhões não me fariam danos;
desembarcar, em trinta minutos, debaixo das maiores precauções, atravessar a
cidade rapidamente, cercar o Palácio de S. Cristovão e cair sobre ele, arrebatando
a família imperial inclusive D. Pedro II; voltar para bordo trazendo bem
guardada a minha presa e vinte dias depois entregá-la a V. Exª, nesta capital,
de onde imporíamos a paz!
O assombroso projeto do moço desvairado foi ouvido em meio
do maior silêncio. López, visivelmente comovido, ao terminar o Capitão Diaz a
incisiva narração, levantou o copo de champanhe e saudando o sonhador mancebo
brindou ao patriotismo paraguaio ([1]).
De um relance López devia ter visto a inexequibilidade do
projeto alucinado do seu oficial; mas, certamente esse plano de se apoderar do
soberano brasileiro, cuja autoridade e prestígio o ditador tanto ambicionava
ferir e abalar, deveria ter emocionado profundamente a vaidade do orgulhoso
caudilho.
Daí, desse simples fato, talvez proviesse a grande afeição que consagrou
a Diaz, em quem, aliás, sempre encontrou a mais dedicada resolução para todas
as empresas que fantasiava a ilusão em que entretinha o espírito do General a
corte aduladora e imprevidente que o cercava.
Assim é que Diaz vai
aparecendo sempre em todas as mais notáveis peripécias da guerra, sucessivamente
promovido, até que após a sanguinolenta Batalha de 24.05.1866 ([2]),
Tuiuti, para os aliados, Estero-Bellaco, como a chamam os paraguaios, o vemos
elevado ao alto posto de General de Brigada.
A esse tempo, já a fama levara
aos quatro cantos do país o nome glorioso do valente soldado. Era o mais
popular dos guerrilheiros de López e a crônica dos seus feitos, engrandecidos
pela ardente imaginação popular, era repetida com entusiasmo de boca em boca.
Entretanto, depois que José
Diaz se viu General, foi que manifestou em sua plenitude as raras qualidades de
homem de Guerra. Posto que sempre gozasse da confiança absoluta do Marechal, a
inferioridade da patente em relação a outros com quem servia, embarcava-lhe a
externação completa do seu pensamento, e tirava-lhe toda a iniciativa fora
daquilo que lhe era especialmente cometido.
Só depois que entrou para o
quadro dos oficiais generais é que se sentiu com inteira liberdade e autoridade
para intervir nas combinações de importância e emitir franca e
desassombradamente suas ideias. Breve seu conselho tornou-se necessário em
todas as deliberações, e em Passo Pucú houve momento em que exercia de fato a
Superintendência Geral dos Exércitos em operações.
Apenas ele e o Coronel Aveiro
eram os conhecedores dos mais pequenos detalhes da situação, guardados por
López no mais meticuloso sigilo. Encontrava-se quotidianamente com o Marechal,
quase sempre a horas tardias da noite. Era ele quem levava ao chefe a parte
oficial das derradeiras notícias, omitidas nas comunicações telegráficas.
Penetrava na tenda sem
formalidade alguma, nem prévio aviso, apenas apeava do cavalo com as armas na
cintura e o chicote de prata pendente do pulso, chegando, se López já estava
recolhido, até a rede em que ele na campanha repousava sempre.
Mas, era o único que gozava de
semelhante liberdade, como também era o único que conversava com o ditador
sobre os acontecimentos da guerra e o único que em algumas ocasiões ousava
emitir observações em sua presença.
López, por seu turno,
confiava-lhe as suas mais íntimas confidências. Foi com Diaz que se entendeu
após a memorável conferência que, em Yataity-Corá, teve com Bartholomeu Mitre,
Presidente da Confederação Argentina e então Generalíssimo dos Exércitos
Aliados.
Pela meia
noite, de 12.09.1866, fez López chamar com urgência o seu valido ao quartel
general. O Presidente estava Betado em frente à mesa de trabalho,
completamente só e absorvido na mais profunda meditação; constantemente
entregava-se a essas longas concentrações, que duravam horas, ou sentado,
imóvel em uma cadeira, ou passeando automaticamente ao comprido de uma sala.
Diaz
penetrou no alojamento, fez ao Marechal a continência devida e conservou-se a
dois passos de distância, o seu quepe na mão. López, com a intimidade que só
se permitia com o antigo Comandante do 40°, narrou ao General a entrevista com
Mitre, os pensamentos que o tinham levado a solicitá-la, e as disposições que
trazia desse encontro original.
Num momento
do reflexão previdente López conseguira furtar-se à ilusão enganadora em que
fazia viver uma Corte viciada de aduladores sem coração. Pode bem avaliar a
gravidade do momento pela rememoração de alguns dos desastres irremediáveis que
o já o tinham vitimado.
A perda dos
doze mil veteranos nas mãos de Estigarribia e Duarte; a ruína da esquadra no
Combate Naval de Riachuelo; o desbarato quase total do Exército na Batalha
Campal de 24 de maio e agora a tomada de Curuzu pelo valoroso Barão de Porto
Alegre.
A consciência amortecida do ditador foi subitamente
iluminada pela situação dificílima em que se achava. Bem via que real perigo
correra após a ação de 3 de setembro. Se Porto Alegre, animado pela esplêndida
vitória, talvez o triunfo de maior transcendência das nossas armas depois da
passagem do Paraná, tivesse continuado a avançar com as forças que lhe
restavam, teria surpreendido o ditador pela retaguarda, dominado todas suas
fortificações e abreviado consideravelmente a Guerra, se porventura lhe não
desse termo.
Ao espírito
de López apresentou-se nitidamente o aperto da situação; o ditador resolveu
provocar uma conferência com o General em Chefe dos Exércitos Aliados e
propor-lhe um acordo.
Alimentava
intimamente a esperança de conseguir arredar do Teatro da Guerra Mitre e o
Exército Argentino, rompendo-se assim a Tríplice Aliança e ficando apenas ele
em luta contra o' Império que lhe merecia um ódio implacável.
Em todo o
caso, si nada obtivesse na conferência, teria sempre ganho algum tempo para
completar as fortificações de Curupaití.
Aceitando o
generalíssimo a conferência, a que aliás não quis comparecer o General
Polydoro, então Chefe das Forças Brasileiras, foi designado para sua realização
o dia 12 de setembro, às onze horas da manhã, no lugar denominado Yataity-Corá,
entre as guardas avançadas dos dois Exércitos.
Nessa
manhã, às 7 horas, López, tomou a sua carnagem e acompanhado de um piquete do
vinte cinco homens da sua escolta e de um luzido e numeroso Estado-Maior de chefes
e oficiais, dirigiu-se ao lugar da entrevista. Em Passo Gomez tomou o seu
fogoso cavalo branco e galopou só pela campina, mas não antes de haver com o
binóculo percebido na orla do um capão, a dois quilômetros afastados, a sombra
de um contingente de homens.
Realmente,
precaução maquiavélica, mil soldados destacados do mais seleto das suas forças
e municiados com cem tiros cada um, tinham sido colocados, à meia-noite, sob o
maior silêncio, em ponto estratégico e prontos ao primeiro sinal. A conferência
foi extremamente amistosa. A princípio o General Oriental esteve também
presente.
Mas Flores não quis ouvir as
recriminações que López lhe fazia de haver aceito o concurso estrangeiro para
invadir o território de sua Pátria e depor o governo legal, responsabilizando-o
pela “Tríplice Aliança” e pelo sangue
que se estava derramando. O valente caudilho não levantou a discussão e,
tomando o seu cavalo, seguiu em direção ao acampamento de suas Forças.
Ao retirar-se D. Venâncio
Flores, López, fixando a atenção, percebeu que um numeroso Destacamento
Argentino fazia exercícios militares nas cercanias de Yataity-Corá e
compreendeu que o seu adversário também tomara as precauções de que ele não se
havia esquecido.
O ditador se havia apresentado
vestido na mais rigorosa etiqueta: casaca bordada do Marechal, botas de
verniz, espada com os copos cinzelados de ouro, e um ponche de seda tricolor
ricamente bordado. Mitre tinha apenas uma blusa militar sem galões, um chapéu
desabado de feltro e uma espada comum.
A conferência prolongou-se e
aqueles dois homens, ambos na culminância do poder, mas provindo de origens tão
diversas, de caráter e tendências tão desarmônicas, de sentimentos e costumes
tão radicalmente opostos, debateram por cinco horas a Paz e a Guerra.
Rememorando os incidentes que determinaram as hostilidades e o direito
positivo de cada um dos estados beligerantes; as ofensas, os agravos, as provocações
que se trocaram de parte a parte; os atos irregulares, violadores do direito
das gentes e das leis da Guerra que levaram ao Tratado da “Tríplice Aliança”, pacto solene garantido pela fé pública das
nações contratantes e que de modo algum poderia ser quebrado sem prévio e comum
acordo.
Em todo o caso Mitre chegou a apresentar a possibilidade da
Paz assentando na separação definitiva de López do governo e da terra
paraguaia.
‒ Isso só me imporão, atalhou com vivacidade o
ditador, sobre a minha última trincheira, nos confins de minha, terra!
Finda a conferência, consignaram a notícia dela em um
memorando, escrito em três vias pelo Coronel Alem, antigo Chefe da Secretaria
de López; ao se separarem, depois de frases de amável cortesia, Mitre aceitou
um cálice de rum que o ditador lhe ofereceu, e, saudando a próxima terminação
da Guerra, trocaram os rebenques de uso em lembrança do memorável
acontecimento. (LANGGAARD MENESES) (Continua...)
Bibliografia
LANGGAARD MENESES, Rodrigo Octavio de. Homens e Coisas do Paraguai – Solano López e José
Diaz – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Revista Brasileira – Sociedade Revista
Brasileira – Segundo Ano – Tomo VI, 1896.
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de
Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor
e Colunista;
Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do
Sul (1989)
Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre
(CMPA);
Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura
do Exército (DECEx);
Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério
Militar – RS (IDMM – RS);
Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando
Militar do Sul (CMS)
Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira
(SAMBRAS);
Membro da Academia de História Militar Terrestre do
Brasil – RS (AHIMTB – RS);
Membro do Instituto de História e Tradições do Rio
Grande do Sul (IHTRGS – RS);
Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia
(ACLER – RO)
Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio
Grande do Sul (AMLERS)
Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da
Escola Superior de Guerra (ADESG).
Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
[1] É curioso
saber-se que apesar do senso crítico que se lhe nota, tomou a sério o original
projeto do capitão Diaz. Em seu livro o autor Sr. D. Silvano Godoy o comenta da
seguinte forma: “Não podia ser mais
transcendental o plano apresentado pelo Comandante do 40°, nem mais
propriamente, digno da sangrenta Epopeia Paraguaia. Com a metade de sua gente
que conseguisse desembarcar, não havia obstáculo humano que o impedisse de
levar a termo, até o último detalhe, seu arriscado cometimento. A vontade,
energia e entusiasmo incontestáveis, ao lado da indiscutível competência – amplamente
justificada na duração da guerra – auguravam pressentimentos felizes quanto ao
resultado do gigantesco pensamento. E se atentarmos à qualidade da tropa
encarregada de sua realização e que não existiam linhas telegráficas, redes de
torpedos, nem encouraçados e que as baterias do Rio estavam artilhadas com
canhões de sistema velho, ainda admitindo o caso de que ele preferisse forçar a
barra ao desembarque fácil e simples na Praia Vermelha, Copacabana ou Gávea, o
êxito não podia ser duvidoso. A experiência, todavia, encarregou-se de
comprovar nossa afirmação em época recente, por ocasião da sublevação do
Sargento Silvino de Macedo em 29.01.1892. A Fortaleza de Santa Cruz,
considerada inexpugnável, foi atacada, dominada e tomada à baioneta por quatro
companhias do 7° e 10° Batalhões às ordens do Tenente-Coronel Carlos Olympio
Ferraz, e a ilha da Lage levantou a bandeira de parlamentar, rendendo-se à
descrição, ao primeiro tiro de canhão da esquadra”. (LANGGAARD MENESES)
[2] A respeito
dessa importantíssima Batalha, assim se exprime o autor Sr. D. Silvano Godoy: “A batalha de 21 de maio
foi das mais sangrentas de toda a Guerra e seu resultado um completo
desastre. Cinco horas consecutivas de furiosa e desigual peleja quase
exterminaram o Exército de López, que teve cinco mil mortos e sete mil feridos,
enquanto as perdas aliadas chegaram apenas à metade. Os chefes superiores das três Divisões paraguaias
tinham comando independente, o único porém, que cumpriu irrepreensivelmente o
seu dever, porque esgotou os recursos desesperados de sua atividade e energia,
foi o Coronel Diaz que dirigiu pessoalmente os seus Batalhões, combatendo ao
lado do último de seus soldados. O General Resquin, que comandava a ala
esquerda, se portou covardemente, desaparecendo desde o primeiro momento da
ação ‒ sem dar uma só ordem ‒ e sem que os ajudantes dos Comandantes de Brigada
que solicitavam instruções dele, conseguissem descobrir o seu paradeiro. López
rugiu de cólera ao ter conhecimento disso, e o manifestou em termos duros, e se
não fuzilou o General, foi unicamente porque seu cunhado, o General Barrrios,
merecia a mesma pena pela supina inépcia com que se havia portado na ala
direita. Além disso, o feito de armas de Tuiuti foi o maior erro do Marechal
López”. (LANGGAARD MENESES)
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
Bagé, 20.12.2024 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 3.184, Rio, RJSexta-feira, 25.10.1963 Sindicâncias do Sequestro dão e
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – VI
Silva, Bagé, 11.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 224, Rio de Janeiro, RJ Quarta-feira, 25.09.1963 Lei das Selvas T
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV
Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III
Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira O jornalista H