Sexta-feira, 19 de maio de 2023 - 06h20
Bagé, 19.05.2023
III
Durante a longa campanha, López
teve ocasião de desenvolver toda a energia e tenacidade de que era capaz uma
têmpera de ferro. Não foi propriamente um guerreiro; sempre se conservou fora
das linhas de combate e não dirigia pessoalmente a ação dos seus exércitos. E
ele tinha razão para colocar a sua pessoa ao abrigo das contingências da
Batalha.
Realmente,
concentrando em si todos os poderes da Nação, era o símbolo vivo do Governo,
encarnava todo o seu sistema administrativo e uma vez suprimido o ditador ou
desaparecido do Teatro da Guerra, estava tudo acabado.
Ele era sobretudo um audaz e um
voluntarioso, de tal sorte que exercia entre seus súditos uma influência
dominadora e absoluta. Todos tremiam ao seu aspecto e ninguém ousava falar em
sua presença sem ser interrogado. Cruel e sanguinário, era muito irregular nas
suas afeições.
Tão facilmente cumulava de
honras e proventos a um obscuro soltado, como desautorizava e rebaixava o mais
prestimoso e reputado General. Desconfiava de todos, não acreditava na honra do
cavaleiro, na lealdade militar. Tinha um número muito pequeno de íntimos;
nunca fazia elogios aos soldados e oficiais e ostentava não ligar importância
alguma aos Generais.
Nada comunicava do que ocorria
de notável nem permitia que qualquer pessoa, sem exceção, comunicasse a outrem
os sucessos de que tinha notícia ou fizesse a quem quer que fosse perguntas a
respeito do que porventura soubesse. No Exército apenas cumpriam-se, às vezes
mecânica e inconscientemente, as ordens do ditador assim se explica como
acontecimentos de grande importância não se tornavam públicos e sobretudo não
chegava notícia deles ao campo dos aliados senão muito tempo depois de
ocorridos. Mesmo sobre questões de detalhe, cujo conhecimento interessava à
boa administração das Forças, López guardava a mais absoluta reserva.
O chefe do Estado Maior não
soube jamais a cifra exata das forças efetivas do Exército. Desta e de outras
circunstâncias que López queria conservar secretas, apenas ele e mais um ou
dois íntimos tinham ciência e se porventura qualquer de seus Generais houvesse
cometido a indiscrição de pretender devassar qualquer destes segredos, teria
sido imediatamente fuzilado.
A essa atmosfera pesada, a esse regime de terror que o
Marechal infundia em torno de sua autoridade, correspondia uma obediência
incondicional e tácita que não era a subserviência podre dos tímidos e covardes
porque era o fruto de uma educação religiosa absolutamente passiva e do um
exaltamento patriótico levado ao delírio que faziam da pessoa do ditador a
simultânea encarnação de Deus e da Pátria.
Alguns fatos se deram que
pintam caracteristicamente a intensidade da força autoritária do ditador. Certo
dia, em 20.07.1865, López ordenou a um dos Generais que fosse prender o General
Robles, Chefe Superior da Divisão do Sul e o trouxesse com segurança à sua
presença.
‒ Que
forças levo, senhor?
Perguntou o emissário, que era
o General Barrios, cunhado do ditador.
‒ Um
Ajudante de Ordens e esta nota escrita, respondeu o Marechal entregando-lhe um
pedaço de papel dobrado e lacrado.
O emissário partiu, embarcou no
vapor “Igurei” e saltando no porto do
Empedrado dirigiu-se à tenda do General em Chefe, que ao avistá-lo veio ao seu
encontro de mãos estendidas.
‒ Alto
lá, disse Barrios, entregando-lhe o papel, não aperto a mão de quem venho
prender por ordem superior.
O General Robles, quebrou o selo da carta e leu
tranquilamente a ordem do ditador. Achava-se ele no meio de trinta mil homens a
que disciplinara e que lhe votavam uma dedicação extrema. Era a única
autoridade a que obedeciam havia três anos, desde a formação do acampamento de
Cerro Leon.
Pois bem, terminada a leitura, o velho General, cheio de
serviços e fadigas, tirou calmamente a espada do cinturão e a entregou ao
companheiro. Ao outro dia, chegava à presença de López e era fuzilado como réu
de alta traição à Pátria.
Esse mesmo Barrios pouco tempo sobreviveu ao infeliz
camarada. Era o cunhado do López, então General de Divisão e Ministro da Guerra
e da Marinha; na manhã de 12.08.1866, apresentou-se ele, em S. Fernando, ao
Presidente que estava escrevendo; cortejou polidamente e esperou a dois passos
de distância. Decorridos quinze minutos, López, que não lhe havia correspondido
ao cumprimento, levantou a cabeça e, fulminando-o com o olhar formidável dos
maus momentos, rugiu:
‒ Fiz-lhe
depositário de minha confiança, supondo-o um leal servidor; estou persuadido do
que você é indigno dela. Retire-se de minha presença.
Barrios, o homem então de mais importância no Exército, tremeu dos pés
à cabeça, dificilmente encontrou a porta e seguiu pela rua cambaleando como um
ébrio. Em casa atirou-se como um louco à esposa, que era irmã de López;
segurando-a pelos cabelos, arrastou-a pelo chão, pisou-lhe o rosto com o tacão
das botas até ensanguenta-la toda e, deixando-a prostrada e desfalecida,
degolou-se com uma navalha. (LANGGAARD MENESES) (Continua...)
Bibliografia
LANGGAARD MENESES, Rodrigo Octavio de. Homens e Coisas do Paraguai – Solano López e José
Diaz – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Revista Brasileira – Sociedade Revista
Brasileira – Segundo Ano – Tomo VI, 1896.
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de
Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor
e Colunista;
Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do
Sul (1989)
Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre
(CMPA);
Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura
do Exército (DECEx);
Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério
Militar – RS (IDMM – RS);
Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando
Militar do Sul (CMS)
Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia
Brasileira (SAMBRAS);
Membro da Academia de História Militar Terrestre do
Brasil – RS (AHIMTB – RS);
Membro do Instituto de História e Tradições do Rio
Grande do Sul (IHTRGS – RS);
Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia
(ACLER – RO)
Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio
Grande do Sul (AMLERS)
Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da
Escola Superior de Guerra (ADESG).
Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
Bagé, 20.12.2024 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 3.184, Rio, RJSexta-feira, 25.10.1963 Sindicâncias do Sequestro dão e
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – VI
Silva, Bagé, 11.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 224, Rio de Janeiro, RJ Quarta-feira, 25.09.1963 Lei das Selvas T
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV
Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III
Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira O jornalista H