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Hiram Reis e Silva

Terceira Margem – Parte DXCII - Jornada Pantaneira


Terceira Margem – Parte DXCII - Jornada Pantaneira - Gente de Opinião

Bagé, 29.05.2023


Quarta Carta à Tia Chica

(João Nicodemos)

Tia Chica

 

Maldito mil vezes seja

Solano López Francisco!

Danado o perro se veja

Até morrer sobre o cisco

Ou em fogo de carqueja!

 

Seja seu nome notado

Como o de febre maligna,

Como o de lobo esfaimado.

Como o de ave de rapina,

Como o de tigre assanhado!

 

Cego de negra ambição

Quis ostentar de valente,

Perdido em tanta ilusão,

Julgou-se, pobre demente! ‒

Igual a Napoleão.

 

Não lhe bastou ter atado

Ao equileo (*) da tortura

O peso seu desgraçado;

Na sua feroz loucura

Inda mas quis o malvado.

 

Seu futuro é um presente

Jogando ao azar da sorte,

Mandou a mesquinha gente

A certeira crua morte

Da guerra na luta ardente.

 

Ah! minha tia e senhora,

É lei de verdade eterna –

Que do mau chegando a hora

O sizo mais não governa:

Mais que nunca vê-se agora.

 

López no mal, que sofrer,

De si se queixe somente

Se na forca padecer,

Foi sua mão imprudente,

Que quis a corda tecer.

 

Não pode encontrar piedade

Quem tem gosto em ser cruel

Indulgência, humanidade,

Mercê, guarida, quartel

Pode esperar, na verdade?

 

Com Solano, compassivo

Não pode ser o Brasil:

Provém dele o nosso dano;

Os nossos desgostos mil

Provém do feroz tirano.

 

Ai! minha tia, esta guerra

É penosa provação,

Se a minha razão não erra,

Em tão crua entalação ([1])

Nunca se viu nossa terra.

 

Já o País caminhando,

A passo lento, é verdade

De um Rei justo sob o mando,

Podia a prosperidade

Ir pouco a pouco alcançando.

 

Dos anos no rodear,

Não muito longo, podia

Os altos cimos galgar,

Onde as nações, minha tia,

Mais possantes tem lugar.

 

Dessa vereda formosa

Foi de súbito afastado:

Na porfia gloriosa

Infelizmente estorvado,

Cessa-lhe a ação poderosa.

 

As forças, que ele aplicava

Da paz às belas feituras;

O vigor, com que arrostava

Revezes e desventuras

E, vencedor, os domava:

 

De seu destino fecundo

Transviados de repente

Se vão sorver no profundo

Abismo, que a mão furente ([2])

Abriu de López Segundo.

 

Eu bem sei, tia e senhora,

Que em breve da punição

Soará tremenda hora

Para o tigre de Assunção,

Por quem tanto a forca chora;

 

Eu bem sei que a Pátria nossa

Possui recursos bastantes

Para que de novo possa

Tornar ao que era de antes,

Sem dos golpes ficar mossa.

(SEMANA ILLUSTRADA N° 257)

 

(*) Equileo

(O Jardim Literário)

A estampa que hoje apresentamos dá uma sucinta ideia do horroroso suplício que em Roma-pagã se infligia aos considerados criminosos, especialmente sectários da sólida e verdadeira doutrina cristã.

Era uma espécie de cavalete de pau, a que os roma­nos bárbaros, adoradores das falsas divindades, deram o nome de Equileo. Só em o imaginar conce­bemos terror.

Ao padecente, deitado sobre duas traves unidas, com a cara voltada para cima, e as pernas cruzadas, eram ligados os braços e pernas com cordas, a que chamavam Fidiculœ, e puxando-as por meio de roldanas, ou serilhos, as apertavam de sorte que lhe torciam ou deslocavam os membros, esmagavam-lhe os pés e mãos, e pelo cruel apertão, até lhes saltavam muitas vezes fora as unhas dos dedos; para depois lhes rasgarem os lados com ganchos do ferro, e curarem suas feridas com fachos acesos. (O JARDIM LITTERARIO, 1949)

 

Bibliografia

 

O JARDIM LITTERARIO, 1949. Equileo – Portugal – Lisboa – O Jardim Litterario, 2° Semestre de 1949.

 

SEMANA ILLUSTRADA N° 257. Quarta Carta à Tia Chica – João Nicodemos – Brasil – Rio de Janeiro, RJ ‒ Semana Illustrada n° 257, 12.11.1865.

 


 

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

 

Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)

Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);

Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);

Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)

Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);

Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)

Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);

Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)

Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).

Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).

E-mail: hiramrsilva@gmail.com.



[1]    Entalação: situação crítica, embaraço. (Hiram Reis)

[2]    Furente: enfurecida. (Hiram Reis)

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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