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Hiram Reis e Silva

Terceira Margem – Parte DXCIV - Jornada Pantaneira - Decisiva Batalha – Parte I


História da Guerra do Brasil, 1870 - Gente de Opinião
História da Guerra do Brasil, 1870

Bagé, 02.06.2023


O mal que os homens cometem sobrevive depois de suas mortes; o bem que fizeram quase sempre enterra-se junto com seus ossos.
(William Shakespeare)

O conflito não é entre o bem e o mal, mas entre o conhecimento e a ignorância.

Seus inimigos podem tentar te magoar, mas se você não acreditar em você mesmo, estará deixando eles te derrubarem. (Sidarta Gautama)”

O Combate da Ilha da Redenção (também conhecida como Ilha de Carvalho, Ilha do Cabrita ou Ilha da Vitória) teve lugar no dia 10.04.1866, durante a Guerra do Paraguai, e foi o ponto de inflexão da Guerra contra o tirano Solano López.

É minha opinião inabalável que não houve nunca soldado que mais fizesse do que os da guarnição desta ilha; soldados que depois de quatro dias de bombardeamento vivo, suportando toda sorte de incômodos e privações, acabrunhados de fadigas, elevam tão alto a Bandeira Nacional, merecem toda a consideração e respeito dos seus concidadãos.

Eu direi sempre com orgulho que comandei uma bateria no dia 10 de abril de 1866, na ilha de Itapiru. (Capitão Francisco Antonio de Moura)

Ninguém superava na técnica e no espírito de ofício o indômito Tenente-Coronel Cabrita. Bruguez ([1]), prostrando Villagran Cabrita, criava o Patrono – daí por diante exaltado nos quartéis, e celebrado pelo patriotismo, como o exemplo e o guia: acima das vicissitudes históricas, o padrão do vigor moral, a quem o sacrifício sublima, na galeria dos brasileiros imperecíveis. (Pedro Calmon Moniz de Bittencourt)

Villagran Cabrita (S.A. Sisson) - Gente de Opinião
Villagran Cabrita (S.A. Sisson)

TCel João Carlos de Villagran Cabrita

O Decreto n° 51.429, de 13 de março de 1962, consagra o Tenente-Coronel João Carlos de Villagran Cabrita, Patrono da Engenharia Militar Brasileira. O site do Exército Brasileiro assim o apresenta:

João Carlos Villagran Cabrita nasceu em Montevidéu, onde seu pai – oficial brasileiro – estava a serviço, no dia 30.12.1820. Vinte e dois anos mais tarde, foi declarado Alferes-aluno. O 1° Batalhão de Enge­nheiros, em junho de 1865 – tendo Villagran como fiscal administrativo, partiu de seu quartel na Praia Vermelha [RJ] para o Teatro de Operações da Guerra da Tríplice Aliança, vindo a empenhar-se em sérios embates no final daquele ano.

Em 1866, o Major Villagran Cabrita assumiu o co­mando do Batalhão em decorrência do afastamento do comandante efetivo que fora comandar uma Brigada auxiliar de Artilharia. [...]

Deixemos, porém, o Dr. Francisco Pinheiro Guimarães, mais adiante, fazer a apresentação devida de nosso Patrono, através dos eventos ocorridos no “Ataque da Ilha do Cabrita” através de artigo publicado no “O Globo n° 97”. 

Dr. Francisco Pinheiro Guimarães - Gente de Opinião
Dr. Francisco Pinheiro Guimarães

Dr. Francisco Pinheiro Guimarães

O poeta, jornalista e dramaturgo Dr. Francisco Pinheiro Guimarães nasceu no Rio de janeiro, em 24.12.1832, e faleceu, com 44 anos, na sua cidade na­tal, em 05.10.1877. Formou-se na Faculdade de Medi­cina do Rio de Janeiro, em 1856, defendendo a tese “Pântanos do aterrado e sua influência sobre a saúde dos vizinhos”. Foi um dos redatores, de 1862 e 1864, do perió­dico “Gazeta Médica” do Rio de Janeiro e colaborador das folhas do “Comércio Mercantil” e do “Jornal do Comércio”. Atuou como Deputado pela província do Rio de Janeiro e pelo Município Neutro ([2]).

Em 1859, foi médico substituto da Seção Médica e, em 1860, Chefe da Clínica Médica, e, em 1870, lente catedrático de Fisiologia na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Foi 1° Cirurgião da Armada Nacional e, quando o Paraguai declarou guerra ao Brasil, alistou-se volunta­riamente no posto de 2° Tenente, sendo promovido, na ativa, sucessivamente até o posto de Coronel e, depois de reformado, ao de Brigadeiro Honorário do Exército. Participou de diversos combates, tendo sido ferido, em 24.05.1866, na Batalha de Tuiuti, vindo a fenecer, mais tarde, em consequência dessas lesões. Recebeu diversas condecorações, dentre as quais a de “Oficial da Ordem do Cruzeiro do Sul”, “Dignitário da Ordem da Rosa”, além das Medalhas da “Rendição de Uruguaiana” e de “Recompensa à Bravura Militar”. É Membro Honorário da Academia Nacional de Medicina e Patrono da cadeira 26.

O historiador Francisco Felix P. da Costa, no seu livro “História da Guerra do Brasil Contra as Repúblicas do Uruguai e Paraguai”, faz uma série de menções ao Bravo Dr. Pinheiro Guimarães que reproduzimos:

PARTE DO CHEFE DO ESTADO-MAIOR GENERAL ([3])

Quartel-General do Chefe do Estado-Maior em Tuiuti, 26 ([4]) de maio de 1866.

Ilm° e Exm° Sr. – Assaz lisonjeiro me é comunicar a V. Exª que o Exército Imperial, sob o digno comando de V. Exª, na Batalha de 24 de maio corrente execu­tou as manobras por V. Exª determinadas, concor­rendo a sua bravura para a completa vitória que alcançaram as armas aliadas sobre o ousado inimigo, que atacou-nos com todo o seu exército pela frente e flancos.

 

Os soldados do Exército Imperial procuraram imitar em valor ao seu distinto chefe, que foi incansável em bem dirigi-los, acudindo de pronto a todos os recla­mos que exigiam as circunstâncias e percorrendo todas as linhas da frente, onde pela sua temeridade, foi ferido e perdeu o cavalo que montava. [...]

Ainda encontrámos alguns detalhes sobre a Batalha de 24 de maio, na correspondência de Buenos Aires de 27 daquele mês, que convém transcrever: [...]

Essa batalha, a mais sanguinolenta da América do Sul, durou mais de 4 horas, fugindo afinal em com­pleta desordem os batalhões inimigos, abandonando artilharia, armamento, diversas bandeiras, como 5.000 mortos e mais de 500 feridos, que não tinham, forças para marchar.

Observou-se que, apesar da temeridade que o plano da batalha da parte dos paraguaios revelava que eles não mostraram grande denodo em sustentar-se, mas desde a primeira resistência trataram de abrigar-se em suas posições, onde se empenhou mais renhido e duradouro o combate.

Não há palavras para ponderar a bravura que nessa jornada mostraram as tropas brasileiras, desde o General em Chefe até o último soldado. Os batalhões do Voluntários da Pátria mais novos, rivalizaram com os mais antigos veteranos.

A artilharia sustentou um fogo infernal, e a cavalaria, especialmente um esquadrão da brigada brasileira, que primeiro carregou sobre o inimigo, fez prodígios de bravura. Desta vez quase não há a mencionar, pelo seu brilhante comportamento, este ou aquele Corpo, todos portaram-se bizarramente ([5]).

O Sr. Vice-Almirante escreve isto: “Eles rivalizaram em valor e denodo em todos os lugares, e causa entusiasmo o prazer com que nossos chefes e oficiais feridos relatam as façanhas de seus soldados. Honra o gloria ao soldado brasileiro! Ao Voluntário da Pátria e ao intrépido veterano do Império honra e glória!”

Todavia há uma menção de justiça a fazer: o 4° Batalhão de Voluntários, com seu comandante, o Dr. Pinheiro Guimarães, à frente, justificou as mais brilhantes esperanças que nele se fundavam. Quase só, teve de fazer frente a dois ou três batalhões inimigos, mas sustentou sua posição, e, se saiu dizimado ([6]) dessa prova suprema, saiu também coberto da maior glória e com a fama militar que não pôde mais ser excedida.

O glorioso combate, o esplendido triunfo, não se alcançou, porém, sem perdas muito sensíveis para os Exércitos Aliados, e em maiores proporções para o brasileiro.

O Marechal Ozório, além de ter seu cavalo morto, saiu contuso do uma bala.

O intrépido Brigadeiro Antônio de Sampaio, coman­dante da 3ª Divisão, saiu com três ferimentos de bala que todavia não se julgam mortais.

Morreu gloriosamente no combate o Tenente-Coronel José da Rocha Galvão, Comandante do 3° de Voluntários.

O Tenente-Coronel Dr. Pinheiro Guimarães tem três ferimentos, que não se julgam mortais. Este jovem herói depois de ferido conservou-se sempre à frente do seu Batalhão. [...]

Considerações Sobre a Guerra Entre a Prússia e a Áustria em 1860 [...]

Também não devemos deixar de mencionar os servi­ços prestados pelo Dr. Francisco Pinheiro Guimarães, comandante do 4° Batalhão de Voluntários, na bata­lha de 24 de maio.

Sendo médico e 1° cirurgião do Corpo de Saúde da Armada, deixou a sua profissão e ofereceu-se para ir servir no Exército.

Nomeado comandante daquele Batalhão, instrui-se na Tática Militar, e instruiu os seus soldados de um modo tão distinto, que mereceu elogios do General Ozório; na Batalha de 24 de maio conduziu seu Batalhão ao fogo de um modo admirável, como se fosse um oficial habituado aos combates, e ai recebeu dois ferimentos graves.

Eis aqui como homens de outras profissões, médicos, advogados, lavradores, negociantes, etc., fizeram-se militares valentes e aguerridos, e prestaram serviços distintos e importantes na Campanha que acabou. Grande foi na verdade o heroísmo de tão distintos brasileiros, e o desejo de vingar a sua Pátria das ofensas recebidas do tirano do Paraguai. [...]

Ordem do dia n° 5 [...]

Mandei então avançar sobre a fortificação e a passo acelerado a 5ª Brigada de Infantaria, tendo à frente seu valente comandante, o Coronel Dr. Pinheiro Gui­marães, mandando ao mesmo tempo seguir com a maior presteza as escadas do assalto e os salsichões ([7]), que a esse tempo haviam já chegado. [...]

São dignos de elogios, e eu os faço com grande contentamento, os Coronéis João do Rego Barros Falcão e Dr. Francisco Pinheiro Guimarães, não só pelo denodo e perícia com que se houveram no comando de suas respectivas Brigadas na ocasião de assaltarem os fossos e trincheiras do inimigo, apesar do fogo nutrido de metralha, que contra suas tropas fazia a artilharia do Forte, como pelo entusiasmo, que com seu exemplo souberam imprimir em seus soldados, tomando ambos as mais enérgicas providências para que a gloriosa missão de que foram encarregados tivesse o mais feliz e brilhante êxito. (DA COSTA, 1870)

Bibliografia

 

DA COSTA, Francisco Felix Pereira. História da Guerra do Brasil Contra as Repúblicas do Uruguai e Paraguai – Volume III – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Livraria de A. G. Guimarães & C., 1870.

 

 

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

 

Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)

Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);

Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);

Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)

Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);

Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)

Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);

Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)

Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).

Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).

E-mail: hiramrsilva@gmail.com.

 



[1]    José Maria Bruguez: General paraguaio, Comandante da Artilharia que vitimou o Tenente-Coronel Villagran Cabrita. (Hiram Reis)

[2]    Município Neutro: unidade administrativa criada no Império, de 12.08.1834 a 15.11.1889, correspondente ao território do atual do município do Rio de Janeiro. (Hiram Reis)

[3]    Brigadeiro Jacintho Pinto de Araújo Corrêa. (Hiram Reis)

[4]    Impresso erroneamente, no original, como dia 20 no original. (H. Reis)

[5]    Bizarramente: extraordinariamente, singularmente. (Hiram Reis)

[6]    Dizimado: alquebrado. (Hiram Reis)

[7]    Salsichões: carros muito compridos, em forma de caixa e por isso apelidados com a palavra alemã “Wurst” (salsichão). (Hiram Reis)

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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