Quarta-feira, 8 de fevereiro de 2023 - 06h10
Bagé, 08.02.2023
Há cerca de 30
anos, a psicologia passou a empregar o termo “Resiliência
Humana” para descrever indivíduos que têm a capacidade de enfrentar
problemas, aprender com as derrotas e crescer emocionalmente.
Assim,
entendemos que a resiliência é uma
habilidade e pode ser treinada e desenvolvida em qualquer fase da vida.
Então, mesmo
que não se considere resiliente, é possível, a partir de agora, começar a
fortalecer esta capacidade. (Érika Stancolovich)
20.08.2019 (Santa
Maria do Boiaçu / AC 05)
Levantei às 03h40, carreguei as
poucas tralhas para o caiaque que deixara na véspera estacionado junto à
embarcação do “I COPAM 2019”,
aprontei o “Argo I” e auxiliado pelo
sentinela nos deslocamos até a rampa de concreto à margem do Rio Branco.
Parti às 04h18, a Lua minguante
iluminava meu destino apenas o suficiente para que eu pudesse compará-lo com
as cartas. A saída de madrugada tinha 2 motivações:
1ª Como
não choveu no dia anterior consequentemente a névoa que normalmente se formava
ao alvorecer não ia acontecer;
2ª A
noite clara prenunciava uma canícula terrível.
Precisava aproveitar, ao máximo,
esta temperatura, ainda razoavelmente agradável, antes que o Astro Rei
surgisse no horizonte. Tinha decidido alcançar o Rio Negro num tiro de uns 110
km e lá, orientado pelo pessoal da Polícia Ambiental, deveria procurar o
flutuante do Toninho que me daria total apoio. As margens tomadas pelas águas
e a necessidade de ultrapassar meus limites ([1])
embalavam minha determinação. Quanto mais me aproximava do Rio Negro menor a
velocidade das águas do Rio Branco. Numa das paradas, sem sair do caiaque,
controlei a velocidade de arrasto do caiaque e o GPS marcou apenas 1,0 km/h. A
aproximação da foz do Rio Negro dava um novo alento a este velho marujo, o Sol
abrasador tentava minar minha resiliência,
as costas doíam e a musculatura do braço direito se ressentia do esforço
prolongado.
Não achei o
flutuante do Toninho, e não estava em condições de navegar mais 30 km para
aportar na praia do Destacamento de Apoio da COMARA. Fui acostando na margem
direita Rio Negro procurando um local para pousar e ao avistar uma prainha,
depois de remar 12 horas sem descer do caiaque resolvi estacionar, às 16h20.
Mantive minha rotina costumeira me hidratando, montando a barraca, lavando as
roupas e comendo mais uma castanha, apenas 5 no dia de hoje.
A primeira vez
que ouvi o termo “resiliência” foi
através de meu caro amigo e mentor de longa data Cristian Mairesse Cavalheiro.
O Mairesse foi meu Tenente, na derradeira década do século XX, no então Centro
de Informática N° 3, em Porto Alegre, RS. Além de excepcional profissional é
uma figura humana modelar e pedi-lhe, então, para falar um pouco sobre o tema:
RESILIÊNCIA
Por
Cristian Mairesse Cavalheiro
O que faz
alguém salvar mais de 70 companheiros arriscando sua vida no campo de batalha,
retratado no filme “Até o último homem”,
sem pegar numa única arma, usando apenas de sua fé moral e bradando “Just one more”? O que faz alguém estudar
a vida toda para ter a possível e remota chance de ir ao espaço um dia e talvez
jamais voltar?
O que faz
um médico enfrentar 48h de turnos em Hospitais abarrotados de doentes, chegar
em casa para o sono dos justos e receber uma ligação de um caso urgente que seu
colega não está conseguindo solucionar e ter que voltar para ajudar? O que faz
alguém suportar 4 anos de holocausto, a poucos passos entre os campos de
concentração e as salas de tortura ou extermínio e ainda encontrar esperança de
viver?
O que faz alguém atravessar o
oceano em um bote sem água potável ou mantimentos para provar sua teoria que é
possível sobreviver tomando água salgada em doses pequenas sem ter nefrite?
Dizem que quando se está à deriva no oceano, a metade do tempo se passa temendo
a morte. A outra metade, a desejando-a.
O que faz alguém estudar durante
10 anos para concursos públicos extremamente difíceis e concorridos, com
disputas na segunda casa decimal, rodar em uma dezena deles e ainda ter a
determinação de tentar novamente até passar?
O que faz
alguém cruzar a nado o Canal da mancha ou a subir o Everest até o topo do
mundo?
O que faz
um empreendedor enfrentar a árdua missão de crescer sua empresa, atravessando
por gerações de adversidades internas e externas, empregando milhares de
pessoas, sendo justo e ao mesmo tempo ousado?
O que faz
uma pessoa de origem humilde, morando em uma favela acordar as 5h todo o dia,
3h de deslocamento para ir e mais 3h para voltar de seu trabalho, ganhando uma
remuneração digna, mas insuficiente para o sustento de sua família e ainda
assim não sucumbir ao crime?
O que faz
uma mãe perder seus dois filhos e marido em um acidente e ter que seguir sua
vida?
O que faz
alguém navegar em uma canoa por 15 mil km neste Brasil, passando por toda forma
de perigo a sua vida, longe de sua família e, mesmo assim, todo ano enfrentar
um novo desafio pessoal que hora estamos tendo a oportunidade de conhecer pelos
seus livros? Qual a bússola interna que ele possui que diariamente o faz querer
mais e melhor de si mesmo?
São heróis? Possuem necessidade
de aventuras, adrenalina ou de querer se sentir vivos? Talvez, mas todas
carregam em sua essência uma característica, são pessoas altamente resilientes,
preocupadas que o “End” é tão
importante quanto o “Start”.
Vemos
muitos sempre começarem alguma coisa, mas poucos vão além do que inicialmente
planejaram, a despeito das dificuldades que se apresentam. Uma vez um líder me
disse: Cristian, somos pagos para resolver problemas, o dia que não tivermos
um, somos dispensáveis. Então, vamos enfrentá-los.
Aprende-se
muito com os acertos, mas muito mais ainda com os erros. Existem escolas que
ensinam o planejamento ao extremo, nos mínimos detalhes. Mas o inusitado te
apresenta situações que somente sairá delas se estudar o que já deu errado em
outras vezes com os outros.
A certeza
da punição que o erro provoca é altamente educativa. Dias atrás, participando
de um grupo de WhatsApp que buscava a meditação por mantras e reflexões, fui
convidado a escolher 50 pessoas que de alguma forma influenciaram em minha
formação e vida e, ao lado de cada nome informar o porquê.
Foi fácil, pois havia feito uma
lista de convidados para os meus 50 anos recentemente, sobrando nomes.
Obviamente o Cel Hiram estava nesta lista, é um dos meus mentores e uma grande
referência não só de resiliência, mas de liderança. Contudo, resolvi ao final,
retirar 5 nomes dos que havia influenciado por bons motivos, por outros 5 nomes
que foram meus maiores desafetos em termos de relacionamento pessoal ou
profissional e dois que me assaltaram em momentos de distração.
E foram estes enfim os que mais
provocaram minha resiliência. Resiliência significa que você enfrenta
estressores e desafios da vida e ao cometer erros na sua evolução, terá se
recuperado e voltado ainda mais confiante para o próximo desafio. Lidar com
relacionamentos tóxicos, ambientes de trabalho, familiar ou de estudo oprimentes
pode prejudicar inclusive sua saúde física, além da mental.
O estresse
está associado a diminuição do sistema imunológico, a problemas de raciocínio e
até cardiológicos. Agora, tentar suprimir o stress que atrapalha sua convicção
de seguir em frente é uma tarefa inglória.
Imagine
agora que ao ler esse texto eu digo que vocês não devem pensar no Covid19, mas
como não pensar, está inserido na vida, e na morte também, de cada indivíduo
dos 4 cantos do mundo neste momento. E imagine que precisamos resolver isso
primeiro para seguir em frente.
Todos nós
conhecemos algumas pessoas que são mais propensas a enfrentar experiências
adversas e, por normalmente serem pessoas mais preparadas para lidar com a
ansiedade e a incerteza, possuem taxas superiores de sucesso.
Por quê?
Pelo simples fato que elas estão dispostas a mudar seu comportamento, a sair da
zona de conforto e a entender que a grande vitória é uma sucessão de pequenas
vitórias. Não se vira um maratonista de um dia para o outro, são meses e anos
de treino dedicado para qualquer simples mortal.
Não se vira
um médico com um ou dois livros ou poucas provas bem-sucedidas, são centenas,
milhares. É preciso ter compaixão consigo, te dar o direito de errar, se
recuperar dos fracassos e aprender. Mas mais do que isso, qual é o real
significado para o que está se propondo. A alegria de viver o caminho e se
divertir com a jornada é o que motiva a seguir em frente.
Meu amigo Mr. Walker, parceiro
do Caminho de Compostela e amigo há 30 anos, me falava que os 800 km que nos
separava do destino, entre os Pirineus na França e a famosa igreja de Santiago
na Espanha, seria um passeio.
Ver a leveza
e a forma que ele encarava este desafio, para mim quase sobre-humano, me deu a
energia que precisava para superar minhas dores e cumprir nosso propósito. Ao
fim não foi propriamente um passeio, mas foi a maior prova de resiliência de
nossas vidas, senão física, mental ou espiritual.
Não conheço
nenhuma destas pessoas fictícias ou reais acima citados que tenham realizado
seus feitos de forma fortuita. Todas acordam muito cedo, enfrentam uma jornada
de muito sacrifício pessoal, se cuidam de forma especial, derramam muitas
lágrimas, sangue e suor em busca do seu sonho.
Normalmente
são pessoas que na busca incansável de seu objetivo, arriscam mais que os
outros, pois possuem uma psique admiravelmente elevada para superar os
obstáculos.
A
convivência com o que dá errado faz dar certo quando realmente se precisa,
através da constante visão do contexto se empenhando ao máximo possível para
aproveitar o êxito das situações que se apresentam, negociando com o medo e com
os meios disponíveis.
Essas
pessoas se concentram, no que conseguem mudar e aceitam o que não é possível.
Sabem diferenciar bem os pontos negativos dos positivos, mas de certa forma
olham para os negativos não conhecidos ainda como neutros. Ser mais
cooperativo, avaliar quais as outras dificuldades que teve na vida e foram
superadas, procurar apoio e intensificar seus pontos fortes ao invés dos fracos
são outras Na solidão do seu caminho, não há como não encarar seus demônios
internos. Coragem, determinação, sacrifícios, visão obstinada? O fracasso não é
uma opção, você ir até o extremo, ao limite do impensado, com a força de Deus
até seu último suspiro, isso é resiliência.
A pergunta que fica aqui para
reflexão é: É possível replicar esta qualidade para outros seres humanos? É
hereditária? (MAIRESSE)
(Lis
Nogueira)
[...]Curvo-me diante da vida
A vida me obriga a remar,
Mesmo quando há vento contra,
Mesmo quando eu não acredito
Que existe Sol para brilhar.
Eu bem que sou pura tormenta.
Entre falésias e angústias,
Procuro o farol ou o porto,
Para descarregar os meus gritos.
Coloquei todos no barco;
Cabeça, coração e tempo.
Mas a minha essência marinha
Não vê acordo entre eles.
E nesse barco que emborca,
Tumultos e ondas são o meu lar.
Só peço a Deus para ter sorte,
E meu braço um pouco mais forte,
Pois preciso navegar. [...]
No afã de
atingir o objetivo esqueci-me por completo da alimentação. Dei, pela primeira
vez, nos acampamentos, uma atenção especial ao banho, imergi nas águas
relaxantes do Rio Negro e, sem pressa dediquei-me à minha higiene pessoal.
Por volta das
19h00, deitei-me e, como não hávia sinal de chuva, deixei a barraca sem a lona
externa para ventilar, poder admirar o firmamento e por questão de segurança
também. Acordei apenas três vezes com o ruído das ondas quebrando na praia –
provocadas pelas embarcações que passavam ao largo.
Madrugada silente,
nenhum solo de pássaro barítono, celebração festiva dos guaribas ou sarau
soturno dos cururus, uma noite sem maiores manifestações sonoras enfim.
Total 7° Dia ‒ S. M. do
Boiaçu / AC 05 = 118,0 km
Total Geral ‒ P. Macuxis /
AC 05 = 542,0 km
(*)
Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas,
Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do
Sul (1989)
Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre
(CMPA);
Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura
do Exército (DECEx);
Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério
Militar – RS (IDMM – RS);
Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando
Militar do Sul (CMS)
Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia
Brasileira (SAMBRAS);
Membro da Academia de História Militar Terrestre do
Brasil – RS (AHIMTB – RS);
Membro do Instituto de História e Tradições do Rio
Grande do Sul (IHTRGS – RS);
Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia
(ACLER – RO)
Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio
Grande do Sul (AMLERS)
Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da
Escola Superior de Guerra (ADESG).
Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
[1] Meu recorde,
até então, tinha sido alcançado em 03.03.2013, por ocasião de minha descida,
de quase 4.000 km, pelos Rios Juruá e Solimões. Parti de Coari, AM, às 04h45, e
aportei em Codajás, às 15h05, depois de percorrer 141 km. As duas paradas, sem
descer do caiaque foram de dez minutos cada uma, uma para reabastecer os cantis
no meio do Rio e outra, na margem esquerda do Solimões para deixar uma tormenta
passar. A média horária, graças à correnteza foi de 14,1 km/h sem considerar as
duas breves paradas. Mais de seis anos se passaram, na Descida do Juruá eu
estava no auge da forma física e agora a correnteza do Rio Branco era muito
fraca, o ombro direito ainda se ressentia da recente cirurgia... (Hiram Reis)
Galeria de Imagens
* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
Bagé, 20.12.2024 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 3.184, Rio, RJSexta-feira, 25.10.1963 Sindicâncias do Sequestro dão e
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – VI
Silva, Bagé, 11.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 224, Rio de Janeiro, RJ Quarta-feira, 25.09.1963 Lei das Selvas T
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV
Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III
Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira O jornalista H