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Hiram Reis e Silva

Terceira Margem – Parte DXXXIX - Boa Vista – AC 01 (12.08.2019)


Rio Branco (12.08.2019) - Gente de Opinião
Rio Branco (12.08.2019)

Bagé, 25.01.2023

 


Um Sopro de Vida (Pulsações)

(Clarice Lispector)

Meu Deus, me dê a coragem de viver trezentos e sessenta e cinco dias e noites, todos vazios de Tua presença.

Me dê a coragem de considerar esse vazio como uma plenitude.

Faça com que eu seja a Tua amante humilde, entrelaçada a Ti em êxtase.

Faça com que eu possa falar com este vazio tremendo e receber como resposta o amor materno que nutre e embala.

Faça com que eu tenha a coragem de Te amar, sem odiar as Tuas ofensas à minha alma e ao meu corpo.

Faça com que a solidão não me destrua.

Faça com que minha solidão me sirva de companhia.

Faça com que eu tenha a coragem de me enfrentar.

Faça com que eu saiba ficar com o nada e mesmo assim me sentir Como se estivesse plena de tudo.

Receba em teus braços o meu pecado de pensar.

Adiei a partida, para causar menos transtorno aos meus apoiadores, e, em vez de partir no final de semana, resolvi iniciar a jornada na segunda-feira. Enviei esta mensagem para os amigos e familiares no dia 11 de agosto:

Parto segunda-feira (12 de agosto) para Manaus.

Ligarei o rastreador às 05h30 (06h30 de Brasília).

Que o Grande Arquiteto do Universo vos abençoe, ilumine e guarde são os votos deste humilde Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.

12.08.2019 (Ponte dos Macuxis / Ilha S. Vicente)

O caminhão e os militares de apoio chegaram, pontualmente, às 05h00, na Casa de Apoio do 6° BEC. Embarcamos o caiaque e a tralha toda e partimos, às 05h07, para a Cerâmica Kotinscki, à jusante da Ponte dos Macuxis. Parti, antes do alvorecer, às 05h40, quase uma hora antes do Sol nascer, mas como faltavam apenas três dias para a Lua Cheia, eu podia, portanto, contar com quase 90% da luminosidade plena dela. Era mais que o suficiente para eu poder me guiar pela corrente do Rio Branco sem perder de vista as margens que mantém uma média até Caracaraí de 2 km ampliando-se nas cachoeiras do Bem Querer para 3 km.

Considerando que as margens dilatam-se em sua plenitude apenas quando a torrente esbarra aqui e ali em algumas ilhas, multiplicando seu curso, a distância das margens, volta e meia, cai para poucas dezenas ou centenas de metros. Esta é a terceira vez que tenho, na Amazônia, como parceiros de jornada tão somente o Grande Arquiteto e meu valoroso “Argo I”. São jornadas mágicas em que minha alma imerge literalmente no seio da mãe natureza e extasiada se deixa embalar pelo sinfonia do amanhecer produzida por inúmeras gargantas.

Mas quem beber da água que eu lhe der nunca mais terá sede. Pelo contrário, a água que eu lhe der se tornará nele
uma fonte de água a jorrar para a Vida Eterna. (João 4:14)

Navegava embalado por este mágico concerto e benzido por um chuvisqueiro constante que, embora prejudicasse a tomada de imagens, arrefecia meu corpo que procurava manter aquecido picando a voga inter­mitentemente.

Por volta das 07h50, passei pela bela Serra Grande, na margem esquerda à montante da Ilha Santarenzinho, avistando a cachoeira do Véu de Noiva. A Serra possui uma vegetação arbórea densa e diversificada, orquídeas, bromélias e uma fauna variada. Neste período, das chuvas, a região se transfigura gerando inúmeras cachoeiras e piscinas naturais.

Das 09h05 às 09h20, golpeou-nos uma chuva e vento forte na passagem pela margem Oriental da Ilha Santarenzinho. Busquei abrigo do vento acostando na margem esquerda da ilha. Foi uma borrasca forte e rápida e a única dificuldade gerada por ela foi a visibilidade que caiu para uns 200 metros.

A navegação continuava muito tranquila e, às 11h00, passei pela Foz do Rio Mucajaí debaixo de um refrescante e constante chuvisqueiro. Aportei para me alimentar no sítio Beijo do Sol, depois de remar 60 km, ao meio-dia, os encarregados chegaram, logo depois, e foram bastante gentis. Conversando com os mesmos indaguei à respeito da cachoeira do Véu da Noiva e ambos afirmaram desconhecer sua existência. Na minha primeira descida, em 2018, pelo Rio Solimões, verifiquei que os ribeirinhos só se afastavam de sua sede uns dez quilômetros à montante e à jusante e só se atreviam a alongar suas jornadas em casos emergenciais.

Depois do meio dia, comecei a focar minha aten­ção no entorno com o objetivo de achar um local ideal para acampamento. A distância entre Boa vista e Cara­caraí girava em torno dos 140 km e eu precisava encon­trar um acampamento a meio caminho.

Rumei, então para a Ilha S. Vicente, exatamente a meio caminho de Caracaraí. As diversas instalações de pescadores e turistas estavam vazias e não achei conveniente pernoitar, sem a devida autorização, na varanda de alguma delas. Continuava colado na mar­gem esquerda sondando os pesqueiros quando, já ul­trapassando a ponta Norte da Ilha S. Vicente, decidi voltar a proa para o extremo de Montante dela onde ti­nha avistado, de longe, algo que parecia ser um telhei­ro. Tive de picar a voga, pois estava na mesma Latitude da construção. Novamente não encontrando ninguém, resolvi acantonar assim mesmo. O céu estava carrega­do e eu precisava de um abrigo seco e protegido para montar a barraca. Concluí a operação às 14h30 e de­pois de um “simulacro” de banho, hidratação e alimen­tação deitei um pouco para descansar.

Sapal

(Fátima Vivas)

Eu sou margem.

Eu sou rio.

Eu sou espuma de oceano.

Não me cavalga o navio.

Não me doma, nem o Estio.

Não conheço qualquer amo.

Sou selvagem.

Sou salgado.

Sou quem sou, por meu direito.

Neste meu chão que é sagrado,

Há ninhos por todo o lado

E a nenhum deles enjeito.

Lanço meus braços ao vento

E as marés dançam comigo.

Sou santuário e sustento.

Sou paisagem.

Sou abrigo.

Por volta das 16h00, caiu forte pé d’água acom­panhado de uma vendaval que durou até às 16h30. De­pois disso, a chuva amainou e continuou noite afora. O telheiro foi providencial, graças a ele, apesar da chuva e da dificuldade em achar locais secos para acampar neste inverno amazônico (período das chuvas no Hemisfério Norte), lembrei-me da poetisa lusa Fátima Vivas.

Dieta Espartana

O Coronel Ivan Carlos Gindri Angonese indagou-me à respeito da dieta e respondi-lhe:

Na alvorada como 5 bananas e, durante o percurso, castanhas do Pará. Tenho estoque de castanhas de caju, avelãs, frutas cristalizadas e uma mistura especial, que estou guardando para quando precisar de mais energia ‒ proteínas, vitaminas, granola especial, frutas cristalizadas, leite em pó e cacau 60%.

Total 1° Dia ‒ Ponte dos Macuxis / AC 01 =   69,0 km


 

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

 

Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)

Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);

Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);

Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)

Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);

Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)

Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);

Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)

Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).

Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).

E-mail: hiramrsilva@gmail.com.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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