Sábado, 14 de julho de 2012 - 12h16
Mesmo depois de tanto tempo, lembro-me muito bem da bolha assassina. Provavelmente os leitores da minha geração já ouviram falar dela; talvez os jovens, não. Quem a conheceu não a esquece, ah... isso não!
Eu era menina em Porto Velho, e morávamos na Rua Campos Sales, quase esquina de 7 de Setembro. Próximo a nossa casa, ficava a casa do Sr. Lacerda, de sua esposa, Dona Francisca, e muitos filhos, tantos que não consigo enumerar.
Era uma família maravilhosa! Seu Lacerda, como era conhecido aquele homem gentil e de olhar sereno, principiou a construção de um grande cinema, um cinema que faria frente ao Cine Resk e ofereceria à população de Porto Velho as maravilhas da modernidade da época. Encontrei anúncio do Cine Lacerda em jornal de Porto Velho datado de 1953. A obra a que me refiro, porém, remonta ao início dos anos sessenta.
A construção ia subindo, e o espaço era realmente grandioso. Porém, talvez em virtude das dificuldades que uma obra de tal porte representa, Seu Lacerda resolveu exibir os filmes com a obra inacabada. Mas não se tratava apenas da fachada do cinema ou de uma ou outra parede: faltava fazer o telhado!...
Assim, o Cine Lacerda entrou em funcionamento, e a fila para os ingressos era enorme. Ninguém parecia se importar com a ausência do teto; isto era apenas um pequeno detalhe.
Lembro-me muito bem que nós, as meninas das ruas Campos Sales e Afonso Pena, nos reuníamos aos domingos na porta do Cine Lacerda, para a matinê: vestidinho novo feito pela costureira do bairro, “bombom” de hortelã (assim chamávamos, por aqui, as balas) e muita, muita animação.
Num domingo, uma surpresa: o filme era proibido para menores de 12 anos. O nome do filme? A BOLHA ASSASSINA.
Depois de muito choro e negociação, tentando provar que já tínhamos a idade exigida (não tínhamos, claro!), conseguimos entrar no cinema. Era incrível a sensação de liberdade que se tinha ali, pois ao contrário das herméticas salas de cinema, aquela era a céu aberto, uma beleza!... Menos quando chovia; mas esta é outra história.
Começa o filme: É noite. Lugar ermo. Um casal de namorados dos anos cinquenta aparece sentado displicentemente nos vistosos assentos do carro do rapaz. O carro, tipo conversível rabo de peixe sem capota, reluz de tão novo. Em meio aos beijos inocentes do cinema da época, o casal repara em um estranho risco colorido que cruza o céu, rápido como um raio: seria uma estrela? seria um meteoro? seria um avião? Não, não era nada disso.
A namorada, loiríssima, de penteado alto e duro de laquê, vestida com saia rodada e blusinha decotada, lança um olhar de curiosidade ao rapazola, o namoradinho dono do conversível rabo de peixe. Ele ajeita o topete ensopado de gomalina, lança-lhe um olhar quarenta e três (a la James Dean) e levanta a sobrancelha direita numa expressão de muita, muita preocupação: que diabo será aquilo que passou no céu?
Próximo dali, um velho de macacão jeans desbotado, sentado na varandinha de sua casa na zona rural americana, embala-se em uma também velha cadeira de balanço e fuma seu cigarro de palha, sossegado. De repente, o tal risco colorido cruza o céu sobre sua casa no meio do nada. O velho fica intrigado: o que será aquilo? Mal concluiu o pensamento, ouve um estrondo: o troço, seja lá o que for, caiu no seu quintal!
O velho corre pra ver, claro, e descobre, em meio a uma fumacinha, um profundo buraquinho no chão. Então, aproxima-se, olha daqui, olha dali, e não resiste à curiosidade. Pega uma vara e cutuca o buraquinho; é aí que surge uma pequena gosma. A gosma gruda na ponta da vara e escorre em direção à mão do velho.
O velho tenta soltar a vara, porém é tarde, muitíssimo tarde: o troço gosmento, de uma textura densa e pegajosa, espalha-se rapidamente pela mão, pelo braço, pelos ombros, enfim, pelo corpo inteiro do pobre homem, esmagando seu corpo como uma gigantesca jiboia. O homem grita, pede socorro, clama por ajuda, mas ninguém o ouve.
Depois de consumado o ato, ou seja, depois de pasteurizar literalmente o coitado do velhinho, a gosma (que é a “bolha”) cresce e parte em busca da próxima vítima.
O mais terrível de tudo era que nada detinha a “bolha”: ela infiltrava-se por baixo das portas, subia nos carros, nos prédios, enfim, era invencível. E ninguém conseguia escapar à sua fome devoradora - homens, mulheres, crianças e animais. Cada vez que devorava alguém, tornava-se maior e mais forte.
Nem preciso dizer que nós, as crianças, sentadas nas cadeiras do Cine Lacerda, quase morremos de tanta emoção. Aliás, não apenas nós, mas todos os que assistiam A BOLHA ASSASSINA, o filme mais assustador de minha infância. Gostei tanto do filme que o assisti nada menos do que cinco vezes, duas delas à noite, acompanhada das irmãs mais velhas.
Fico aqui a pensar na Bolha Assassina, no ingênuo cinema de antigamente e nas noites do Cine Lacerda, tempo em que o céu, todo bordado de estrelas, servia-nos de cobertor; era uma espécie de proteção contra o medo da bolha assassina.
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