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Gente de Opinião

Sandra Castiel

A CASA DE NOSSA INFÂNCIA



Ponho-me a pensar nas mudanças pelas quais passa a vida da humanidade. Antigamente, vivia-se em espaços maiores, não obstante a condição social e financeira das famílias; mesmo modestas, as casas tinham cômodos de maior proporção, os quintais eram mais extensos.

Nas cidades maiores da Amazônia, como Belém e Manaus, as casas antigas possuíam porões, onde se guardavam móveis e utensílios sem serventia, e os porões abrigavam algo mais entre suas paredes cobertas de mofo: uma espécie de magia sinistra que amedrontava a criançada da casa e da vizinhança.

Em Porto Velho, onde nasci e cresci, as casas não possuíam porões, mas algumas entre as casas modestas, de tabuas, eram erguidas sobre colunas de madeira e formavam assim um ambiente aconchegante para galinhas, pintos, galos, patos e até porcos, os quais passavam o dia a caminhar por ali à procura de restos de comida que, eventualmente, despencavam do jirau onde as donas de casa lavavam louças e panelas.

A sala de visitas era um lugar de grande destaque na casa, porém, como o próprio nome indicava, era apenas para as visitas. Os móveis eram desconfortáveis, normalmente de jacarandá e palhinha, com assentos revestidos em veludo: criança mal entrava na sala de visitas; não obstante a curiosidade, quando estas chegavam, um olhar dos pais significava que era hora de ir brincar no interior da casa. Os quadros eram itens importantes, e comumente a foto do casal, em preto e branco, claro, adornava a sala numa moldura ovalada, do mesmo modo que a foto dos avôs e avós; nas casas mais modestas, de madeira, as paredes da sala eram completamente forradas com gravuras de santos católicos.

Antigamente, almoçava-se e jantava-se na copa, já que a sala de jantar era reservada para ocasiões especiais: ceia natalina e de virada de ano, aniversários, jantares ou almoços para convidados, coisas assim. Há que se ressaltar um aspecto macabro da sala de jantar de antigamente: quando morria alguém da família, o caixão do morto ficava sobre a mesa de jantar, e ali era velado a noite inteira; cabe lembrar que nessa época não havia funerárias, e apenas os mortos muito importantes na escala social eram velados em lugares públicos, tais como igrejas e afins. Os quartos eram cômodos à parte, em nossa região identificados imediatamente pela presença dos mosquiteiros ou cortinados, como eram chamados; as camas normalmente possuíam um encosto alto em madeira de lei e eram forradas com colchas de babados; em algumas casas as camas eram forradas com colchas de retalhos, caprichosamente confeccionadas pela dona da casa. Nas residências mais ricas, as colchas de cama e as toalhas de mesa vinham da Ilha da Madeira, em Portugal. Aliás, a dona da casa costumava bordar com muito capricho os panos de prato, nomeando-os pelo dia da semana: segunda-feira, terça-feira etc.; os paninhos de sábado e domingo costumavam ter um aspecto mais festivo. Na sala de visitas, havia o que se chamava pano de adorno; estes eram redondos ou retangulares, podiam ser de crochê ou de organdi, ornados com delicados bordados. Sobre eles, ficavam abajours, bibelôs, porcelanas, objetos de prata e cinzeiros, pois àquela época fumava-se muito já que os malefícios do cigarro não eram ainda conhecidos e difundidos. Porém um lugar importantíssimo na casa de antigamente era o quintal. Quando alguém procurava uma casa para comprar, preocupava-se logo em perguntar: o quintal é grande?

Casa que se prezasse tinha que ter árvores no quintal, uma que fosse; lembro-me de uma azeitoneira (jamelão no sudeste) que manchava o chão e as roupas da criançada. Como não havia máquinas de lavar roupa, os tanques eram robustos e grosseiros: os varais, nos quintais, pareciam bandeiras hasteadas, balançando-se ao vento; havia, também, nos quintais, uma peça importante para a época: o galinheiro. Recordo-me de que, do quintal, a gente sentia o cheiro do café coado no coador de pano e dos ovos mexidos, de manhã cedinho, cheiro maravilhoso que vinha da cozinha.

Os jardins costumavam ser pequenos, mas casa que se prezasse tinha que ter uma roseira no jardim, para perfumar o ar e alegrar o coração da dona da casa, que, afinal, era a rainha do lar! Saudades das casas de antigamente...

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