Sábado, 24 de setembro de 2011 - 08h52
Nos anos sessenta, era comum em Porto Velho a ida aos balneários, os Banhos, como se chamavam os locais rurais de caudalosos igarapés, e também os passeios até as cachoeiras. A vida social era deveras intensa, o convívio entre as pessoas era significativamente maior. Com frequência, escolas organizavam saídas com estudantes e professores a balneários. E isso representava um acontecimento especial na rotina das mocinhas e rapazes que integravam o grupo.
Nessa época, quase tudo era feito em casa ou sob encomenda. Roupas? Modista para as damas, e alfaiate para os cavalheiros; todos preferiam o Mario Alfaiate, sempre. Tecidos? Casa Saudade ou Pernambucanas, claro. Sapatos da moda? Sapataria Moderna, na Sete de Setembro, ora. Móveis? Duas ou três lojas onde se podia comprá-los; no mais, carpintaria. Doces? Era preciso encomendá-los a quem entendia do assunto, as doceiras locais. Perfumaria, objetos de toucador e lindos esmaltes? Só na Gardênia Azul, na mesma calçada do Seu Abdon, como era conhecido o armarinho da cidade.
Poucas lojas vendiam roupas de banho: maiôs, biquínis etc. A principal era a Boutique da Dona Nega, como era chamada a loja daquela distinta comerciante, na Rua José de Alencar. Portanto, a ida a um balneário mais concorrido representava corrida de senhoras e senhoritas às compras, à difícil tarefa de encontrar maiô e saída de banho que combinassem direitinho. Tudo era muito chic. Aliás, sempre que havia uma festa no Bancrévea Clube ou no Ipiranga, locais da alta sociedade, mães e filhas iam obrigatoriamente ao Salão de Beleza Eline, para fazer as unhas e preparar o cabelo. Isso depois de pegar o traje na costureira e conferir se o modelo ficara idêntico ao do figurino. O penteado era um capítulo à parte.
Na véspera da festa, ensopava-se o cabelo com cerveja antes de enrolar as madeixas com bobes e milhões de grampos; a dormida era infernal. No dia da festa, voltava-se ao salão para fazer o penteado. Então, era preciso eriçar todos os fios para moldar o cabelo de acordo com o gosto da cliente. Quando o penteado estava igualzinho ao escolhido na revista, vinha a parte final: muito laquê. Feito isso, a freguesa podia sair dali tranquila e chiquérrima, vestida com seu tubinho floral e usando seus óculos gatinho: nada desmancharia seu coque banana, nem um furacão. Comumente o laquê era feito artesanalmente, em casa, com pedras de breu diluídas em álcool. Isso mesmo.
Foi numa segunda-feira que duas de minhas irmãs mais velhas chegaram da aula com a novidade: iriam, em passeio escolar, à cachoeira de Santo Antônio. Por conta disso passaram a semana ocupadas, providenciando a indumentária: maiô com saída de banho etc. Ainda havia a cesta de alimentos que cada uma precisava levar: ovos cozidos, sanduíche de queijo, limonada, coisas assim.
O sábado chegou e lá foram elas, contentes da vida, ao banho na Cachoeira de Santo Antônio. Porém, o passeio terminou em tragédia: uma das alunas, aliás, moça belíssima, desaparecera nas águas e provavelmente fora tragada pela força da cachoeira. O corpo não foi encontrado.
O episódio abalou a cidade e minhas irmãs ficaram inconformadas. Dias depois, uma delas teve um sonho bastante interessante: Era uma noite enluarada, e minha irmã estava de volta ao local da tragédia, sozinha, sentada no galho mais alto de uma árvore que ficava bem à margem do rio. Dali podia avistar toda a paisagem. Foi quando ouviu a voz da moça desaparecida a chamá-la pelo nome. Minha irmã virou-se e a viu. Ela estava de pé, linda, translúcida, à beira d’água. Sua roupa, observou minha irmã, era diferente de qualquer traje que havia visto em toda sua vida: um longo e justo vestido tecido em fios de prata que brilhavam intensamente à luz do luar. Seus cabelos claros, soltos e muito longos, estavam salpicados de delicadas e reluzentes estrelas que lhes adornavam o rosto sereno e de belo semblante. Depois de alguns segundos de silêncio, a aparição falou com minha irmã. Disse-lhe que não havia morrido. Realmente, afogara-se, fora levada para as profundezas, mas não estava morta: estava apenas encantada!...
- Vem, maninha, pula dessa árvore e vem comigo para o fundo do rio, vamos descer a cachoeira!... Estás vendo a minha roupa como é bonita? Onde moro agora, tem muitas roupas assim. Lá é que é bom! ... - clamava a encantada à minha irmã que, paralisada pelo medo, só conseguia repetir baixinho que não queria juntar-se a ela, não desejava mergulhar nas águas barrentas e profundas do Madeira.
Diante da negativa de minha irmã, a encantada irritou-se, escalou a árvore onde ela estava, confrontou-a e deu-lhe uma sonora bofetada no lado direito da face. Nesse exato instante, minha irmã despertou do sono pesado em que se encontrava, com o rosto em brasas. Levantou-se da cama e correu para o espelho. Ali constatou, aterrorizada, que havia uma marca vermelha e ardente do lado direito do seu rosto.
A história da encantada da cachoeira de Santo Antônio ganhou as ruas da cidade. Desde então, acabaram-se os banhos por lá...
Fonte: Fonte: Sandra Castiel - sandracastiell@gmail.com
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