Domingo, 30 de julho de 2017 - 19h04
Há poucos dias, liguei para uma velha amiga que mora distante a fim de cumprimentá-la. Curiosamente, seu rosto veio-me à lembrança com frequência nas últimas semanas: É o chamado da amizade, pensei com meus botões. Porém, a voz que me atendeu do outro lado da linha não era a dela. Era uma de suas filhas que, com voz embargada pela emoção, repetia: - Mamãe faleceu... Mamãe faleceu... Bem que tentaram avisar, explicava a filha, porém, houve desencontros, recados não dados etc. O fato é que muitas amigas ainda não haviam tomado conhecimento da morte inesperada, e, assim como eu, dizia a moça, outras amigas seriam surpreendidas pela notícia.
Pus-me a pensar no fato e na fragilidade de todos nós, seres viventes. Pus-me a pensar na vida e na morte. E a concluir que para alguma coisa serviram-me os anos. Daqui de onde estou posso contemplar minha vida inteira, minha infância e juventude, a idade adulta, a maturidade.
Na juventude, quando a gente se apaixona, a presença do parceiro (ou da parceira) em nossa vida nos proporciona um bem-estar tão intenso que pensamos pouco em nossa fragilidade e na finitude de todas as coisas; seguir a vida ao lado de quem amamos certamente nos fortalece. Quando vêm os filhos, tememos por eles e começamos a nos dar conta de que o mundo pode não ser um parque de diversões.
Mas é apenas na maturidade que conseguimos enxergar a vida sem a névoa das paixões e de outras ilusões. A maturidade faz com que nos enxerguemos como de fato somos: consciências que habitam um corpo finito com validade variável. E essas consciências se relacionam umas com as outras, de acordo com regras criadas pela coletividade. Comumente, essas consciências esquecem-se de que o corpo que habitam vai morrer e exercitam a arrogância e outros defeitos que carregam em sua personalidade (e quantos defeitos temos!); frequentemente, essas consciências armazenam em sua memória mágoas terríveis, sentimentos que produzem danos à sua afetividade e ao seu corpo físico. Essas consciências habitam o mesmo planeta; porém, de acordo com as regras sociais (regras que criaram) vivem num mundo plural, mundos muito diferentes.
Dois fatos, porém, igualam todas as consciências, lembrando-as de que são regidas por uma lei maior: o Nascimento e a Morte. Todos nascemos de uma mulher e, um dia, vamos morrer; neste quesito em nada nos diferenciamos dos outros animais; todos nascem de uma fêmea e igualmente morrem. Se conseguirmos chegar à velhice, preservados da demência, assistiremos a nossa própria decadência física e a decadência de nossos contemporâneos, algo nada bonito de se ver ou viver. Mas e as flores, os pássaros e as borboletas, a fauna e a flora, os mares, as fontes e os caudalosos rios? E o céu de veludo negro sobre o qual resplandecem a lua e as estrelas? E o brilho do sol nascendo no infinito azul do céu e se pondo ao fim do dia? E o odor maravilhoso dos alimentos, as frutas, o pão, o café quentinho, a família e os amigos? E a música, a poesia, a dança, as artes plásticas, o teatro, o cinema, enfim, a arte que nos encanta a alma?
Assim é a vida, tristezas e alegrias. Dualidade complexa. Assim funciona a Lei Maior. De nada adianta questioná-la ou tentar explicá-la racionalmente à luz das inúmeras religiões, não há unanimidade nesse aspecto. Portanto, o melhor a fazer é ouvirmos nossa própria consciência, partícula de Outra, grandiosa, a quem chamamos Deus.
Se estivermos atentos, perceberemos que ela nos diz para vivermos um dia de cada vez, aproveitando cada nascer do sol e contemplando cada anoitecer, de preferência em paz com nós mesmos e com o próximo. Afinal, podemos não estar mais aqui daqui a pouco, ao próximo toque do telefone...
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