Sábado, 6 de agosto de 2011 - 05h50
A vida nos demonstra, através de experiências únicas, individuais e subjetivas, o quão é difícil em determinadas fases de nossa existência viver em sociedade. Quem com mais de quarenta anos ainda não passou pela dolorosa experiência de trabalhar em um ambiente adverso? Quem não foi obrigado pelas circunstâncias a conviver com pessoas com as quais nada tem em comum? Quem não teve como cidadão de suportar durante longos anos o pesado ônus de um voto equivocado?
Se pararmos para refletir sobre a conduta humana com relação a esse tema, vamos perceber que as pessoas mais jovens reagem mais rapidamente e manifestam de forma explícita seu descontentamento para com a sociedade, partindo para atitudes extremas. Daí os movimentos políticos e sociais - ou encabeçados ou encampados quase sempre por jovens, independentemente de sua localização no planeta.
O mais comum quando se atinge certa idade é o cansaço: a vida às vezes cansa!... E o ser humano se permite o direito de permanecer quieto, em seu canto, suportando, por exemplo, um casamento fracassado há muito; cumprindo a rotina de um trabalho que não o realiza; convivendo com pessoas que não suporta; vivendo na mesma cidade há décadas, porém saudoso de outra. Essa atitude de passividade no plano pessoal geralmente se estende ao social, fazendo com que o indivíduo se torne aparentemente insensível às mudanças da sociedade, indiferente ao que acontece em sua volta. Normalmente nessa alma mora a amargura. Isso é triste, mas existe e é frequente.
Muitos usam o argumento de que cada um deve carregar a sua cruz, ou seja, acreditam que é inútil lutar contra as dificuldades, para superá-las. Conceitos como este são, em tese, representações sociais, valores que o indivíduo incorpora principalmente no processo de sua construção identitária.
As representações sociais podem ser incorporadas em diferentes fases da vida, já que este é um fenômeno complexo. O que a teoria nos revela é que as representações sociais provêm normalmente do grupo social de origem do indivíduo ou de diferentes grupos sociais aos quais o indivíduo passa a pertencer.
O fato é que o desalentado, aquele que não luta para transformar o que é passível de mudança, é conformista.
Gosto de gente que aceita desafios. Identifico-me com pessoas que não permanecem de braços cruzados diante da injustiça, diante do que consideram errado, diante do desrespeito. E isso é cada vez mais raro em gente avançada nos anos.
Na manhã do sábado passado, participei de uma reunião nas ruínas da antiga Câmara Municipal de Porto Velho. Aliás, local mais conhecido pelos portovelhenses de mais idade como Prefeitura de Porto Velho, tanto que a rua onde fica localizada era conhecida como Ladeira da Prefeitura. A Ladeira foi a primeira rua a receber pavimentação em paralelepípedos na cidade. Era uma beleza!...
Nasci e cresci perto da Ladeira da Prefeitura. Morávamos naquele bairro, numa época em que todos se conheciam em Porto Velho. Aquela rua era o acesso mais próximo de nossa casa à área comercial. Quando alguém da casa ia fazer compras, costumava dizer: - Vou lá embaixo! E, assim, descia a ladeira da Prefeitura. Aliás, criança, visitei várias vezes aquele prédio, quando meu pai foi prefeito do município. Ainda hoje, guardo na memória detalhes do gabinete do prefeito: o assoalho encerado, as fotos nas paredes, a imponente escrivaninha de jacarandá, a cadeira de espaldar alto, tudo de acordo com os padrões da época.
Prédio de saudosa e riquíssima memória, as ruínas da prefeitura de Porto Velho falam por si, são emblemáticas: uma evidência concreta do desconhecimento, do descaso, da falta de respeito para com a história dos pioneiros, pessoas que construíram o pujante município de Porto Velho. E a gente se pergunta: por que as autoridades permitiram que aquele prédio histórico chegasse ao ponto que chegou? Certamente há mandatários comprometidos com a História deste lugar.
O prédio, que pertencia ao Município, foi doado no passado à Câmara de Vereadores. E por isso tornou-se órfão?! De quem é a responsabilidade? Ninguém o protegeu,ninguém o preservou ao longo de todo esse tempo, relegando-o ao mais absoluto abandono. Aliás, esse prolongado abandono das edificações históricas em Porto Velho é algo revoltante para aqueles que de fato amam esta terra. Em alguns momentos, a revolta é tanta que a gente se pergunta se esse descaso não é proposital e criminoso, se não está relacionado a uma intenção mórbida de deixar ruir, desmoronar mesmo, sepultar de vez os nossos bens mais preciosos, nosso passado, nossa identidade, nossa cultura, nossa História.
É como se tentassem passar uma borracha em tudo aquilo que lembra a alma de nossa cidade: sua memória. O que se observa é que quando um prédio antigo ainda se mantém de pé mudam-lhe o estilo ou a cor original, numa demonstração absoluta de desrespeito à tradição do lugar. Certamente a intelectualidade local assiste a isso tudo com indignação.
Mas há luz no fim do túnel. O que presenciei sábado passado deixou-me deveras comovida. No meio das ruínas da antiga Câmara, num pequeno cômodo (o único com cobertura) cujo teto é uma espécie de laje confeccionada com dormentes da Madeira-Mamoré, um grupo de pessoas se reúne num belo exemplo de luta contra o conformismo. Essa gente há algum tempo se empenha em um movimento voltado à restauração daquela importante edificação. Há que se reconhecer que é uma batalha difícil.
Ao longo de toda a manhã, as pessoas que chegavam eram efusivamente recebidas pelo presidente da ACRM- Associação Cultural Rio Madeira, Professor William Martins, grande entusiasta da causa. Havia cantores e instrumentos musicais.
A reunião foi iniciada com o hino Céus de Rondônia. O sentimento que unia todos, ali, era um sentimento de luta pelo resgate de nossa identidade, pelo resgate daquela relíquia em ruínas, pelo resgate de nossa cultura e pelo respeito à nossa História.
O jovem arquiteto Lorenzo Villar, rondoniense de Guajará Mirim, apresentou mais dois jovens arquitetos e falou sobre o trabalho minucioso que, juntos, começariam a desenvolver, reproduzindo em seu projeto cada detalhe da construção original. Outras pessoas presentes também manifestaram a força de sua determinação, como o jornalista Zola Xavier, e como o próprio presidente da ACRM, William Martins. Enfim, os membros dessa importante instituição demonstraram seu comprometimento com a causa, prestaram informações sobre as providências que já estavam sendo tomadas, as partes que estão aderindo a pleito tão nobre etc.. Tudo isso, intercalado com números musicais, lindas canções entoadas por Rose, Almir Paz e Ênio Melo.
O que me causou agradável surpresa foi verificar que algumas daquelas pessoas engajadas à causa não são jovens. Esta é uma evidência de que a luta contra o conformismo não é privilégio da juventude. Aliás, a experiência que vem junto com a idade nos permite enxergar a vida com mais clareza.
Se não conseguimos enfiar a linha na agulha sem o auxílio das lentes, certamente somos capazes de lutar de maneira mais competente pelas nossas causas, por mais difíceis que nos pareçam.
Esperamos sinceramente que nossas autoridades se sensibilizem com causa tão justa. Que a sociedade diga não ao conformismo e atente para o fato de que o passado merece respeito. Deixo para reflexão dos leitores versos do poema No Caminho com Maiakovski, do poeta carioca, Eduardo Alves da Costa:
Na primeira noite eles se aproximam,
roubam uma flor do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não dizemos nada.
Fonte: Fonte: Sandra Castiel - sandracastiell@gmail.com
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