Sábado, 8 de outubro de 2011 - 17h11
Uma profissão muito comum no Brasil de 1950 e 1960 era a de caixeiro viajante. Assim eram chamados os homens que trabalhavam com vendas por este país afora. Os caixeiros viajantes negociavam de tudo um pouco. O lojista podia escolher as mercadorias numa espécie de álbum e recebê-las depois. Mas havia também alguns produtos disponíveis para pronta entrega. De cidade em cidade, vendiam fiado e, posteriormente, voltavam ao local para receber o pagamento da freguesia. Por aqui, andavam normalmente de navio, lancha, canoa, enfim, percorriam, numa verdadeira peregrinação, as localidades ao longo dos rios amazônidas.
Meu pai tinha um dileto amigo que era caixeiro viajante; morava no interior do Pará e, quando vinha a Porto Velho, hospedava-se em nossa casa. Lembro-me dele, chegando com sua bagagem modesta. Caboclo genuíno, de traços fortes e sotaque carregado, ele falava guaranan em vez de guaraná. Acredito que essa característica de nasalizar os sons abertos seja uma influência indígena. Acho que o paraense é o povo de maior identidade linguística de toda a região amazônica.
Seu Polión, assim se chamava o amigo de meu pai, era um viúvo de cinquenta e poucos anos, e pai de uma filha. Para viajar, deixava a menina em casa de parentes numa localidade próxima a Belém. Porém, reconhecia, isso não era bom para a filha, já entrando na adolescência; desejava dar-lhe uma educação formal, numa boa escola. Foi assim que teve a ideia de trazê-la para Porto Velho e arranjar-lhe um internato.
Na época, os colégios religiosos ofereciam essa opção, mas o internato não era barato. As freiras costumavam manter algumas internas de famílias pobres, que ajudavam nos serviços de limpeza, na cozinha, na rouparia e assim por diante. Trabalhavam, sim, mas frequentavam as salas de aula do colégio e participavam, em condição de igualdade com as demais alunas, de todas as atividades escolares.
Um dia, o Sr. Polión apareceu em nossa casa, trazendo pela mão sua filha. Era uma caboclinha muito interessante: brejeira, engraçada e tagarela. Banhava-se com um perfume terrível, chamado Feitiço Marajoara, que guardava como uma preciosidade no fundo da mala; uma vez aberto o frasco, o ambiente era infestado por horas. Dois laçarotes vermelhos, presos em pequenos pentes, adornavam-lhe a cabeleira negra e farta. Seus vestidos apresentavam sempre um babado no decote ou na saia, como se já não lhes bastassem as estampas coloridas. Nos pés pequenos, alpercatas de couro, de acordo com a moda do lugar de onde vinha. Assim era Safira. Este era seu nome. Aliás, como enfatizava seu pai, com a voz embargada e cheia de orgulho: nome de pedra preciosa!...
Safira ficou em nossa casa durante algum tempo, até ser aceita no Internato do Instituto Maria Auxiliadora, em Porto Velho. Um dia, mala na mão, lá se foi a caboclinha, feliz da vida, levada pelo pai, para o tradicional colégio salesiano no alto da Rua Irmã Capelli.
A rotina de Safira no colégio seguiu seu curso. Além das aulas, havia os afazeres domésticos. Acostumada à liberdade do interior em que vivia, a menina ressentia-se da disciplina e do cumprimento das tarefas em horários preestabelecidos. Porém, o que mais incomodava Safira era a fome. Fazia todas as refeições, é verdade, mas tudo lhe parecia tão pouquinho!...
No meio da tarde batia-lhe uma fome quase insuportável. Por isso Safira resolveu que, na tarde seguinte, subiria na frondosa mangueira do colégio, para comer manga verde com sal, hábito comum à época entre as crianças e os jovens do interior.
Diariamente, à tardinha, as internas eram levadas para a Capela. No meio do caminho, Safira escapou da vigilância e correu até o local onde ficava a mangueira. Com sal no bolso do uniforme, escalou a árvore e comeu até não poder mais. Foi então que as irmãs sentiram sua falta e a surpreenderam no alto da mangueira.
Descoberta, Safira tratou de esconder as evidências do crime. Naquela hora, contava, a imagem de seu pai e suas recomendações para que se comportasse bem vieram-lhe à cabeça. E se fosse expulsa do Internato? Meu Deus... Mataria seu pai de desgosto!... Então, rápida como um raio, chegou-lhe a ideia salvadora. Quando uma das irmãs, a mais enérgica e temida de todas, ordenou-lhe que descesse imediatamente da árvore e explicasse o que estava fazendo ali, Safira respondeu, séria e compenetrada:
- Eu estava passando para ir à Capela, Irmã, quando uma voz de mulher chamou meu nome. Olhei na direção da voz e vi. Era uma Senhora. Ela estava lá em cima, no alto da mangueira, rodeada de luz...
A freira tornou-se pálida e mudou completamente o tom de voz. Afável, conduziu Safira à diretoria do Colégio, para que ela narrasse à Irmã Diretora o que havia acontecido. A Irmã Diretora ouviu o relato, emocionada, e quis saber mais detalhes da história. Diante de seu plácido semblante, Safira caprichou e acrescentou: - Irmã, no alto da mangueira, chamando meu nome, estava Nossa Senhora Auxiliadora. Ela disse que vai voltar para revelar um segredo muito importante.
Naquele dia, Safira foi deitar mais cedo, dispensada das tarefas domésticas. Dormiu feliz da vida e de barriga cheia.
Fonte: Fonte: Sandra Castiel - sandracastiell@gmail.com
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