Sábado, 15 de outubro de 2011 - 09h13
Era muito comum em Porto Velho do passado a existência de cacimbas, poços escavados no solo para obtenção de água. Só havia água encanada nos bairros principais, mesmo assim, o abastecimento era bastante deficiente. Daí o hábito de se furar um poço no quintal, não artesiano, porque isso nem existia na época; o que se usava era cacimba mesmo. Nas casas das famílias mais abastadas, a cacimba tinha uma tampa de madeira para a proteção das crianças e ficava acima do nível do chão, com um acabamento cimentado. Além disso, contava também com uma bomba para facilitar a retirada da água do poço. Porém, nas residências mais humildes, não havia nada disso. Poços muito profundos, sem nenhuma proteção, eram abertos nos quintais, e acidentes, não raramente trágicos, aconteciam. As vítimas costumavam ser crianças, que caíam por distração ou na hora de retirar água.
Certo dia uma notícia espalhou-se pela cidade: uma menina, de cerca de dez anos de idade, havia morrido após uma queda na cacimba de sua casa no bairro da Olaria, então subúrbio de Porto Velho. Como ela estudava no Barão do Solimões, a mesma escola que frequentávamos, a direção da escola achou que seria debom tom mandar até a casa da morta um grupo de alunas e professoras. Vivia-se uma época em que as crianças não eram poupadas de nada, nem de ver a cara feia da morte. Assim, lá fomos nós, seis alunas, escolhidas a dedo pela diretora. Não conheci a menina, pois ela estudava em outro turno, mas jamais esquecerei o quadro terrível que aterrorizou por muito tempo meu universo infantil.
No centro da sala acanhada da casinha de madeira, sobre uma mesa tosca, estava o caixão branco: dentro, lívida como mármore e vestida de noiva, a menina. Na verdade, explicou a mãe estranhamente calma, o traje não era de noiva; aquela roupa era a da primeira comunhão que a menina fizera há alguns meses, por isso estava toda de branco e usando véu. _Casou-se com Jesus, falou uma professora em tom solene e consolador, frase que passou de boca em boca entre osadultos presentes.
A saída do féretro foi terrível para nós, as crianças que integravam a comitiva do grupo escolar. De mãos dadas umas com as outras, uniformizadas sob um sol escaldante, seguimos o cortejo a pé rumo ao Cemitério dos Inocentes. Lá chegando, presenciamos toda a função: a abertura do caixão para a despedida final, ocasião em que tivemos que olhar mais uma vez para o rosto da menina morta, sua descida até o fundo da cova e mais nada. Fez-se um silêncio sepulcral; só se ouvia o som seco da pá e do cascalho cobrindo tudo e um soluço abafado aqui e ali.
A voz da professora nos trouxe de volta à realidade. Era hora de voltarmos à escola.
A vida seguiu seu curso, e a menina morta deixou aos poucos de ser o assunto principal do recreio. Algum tempo depois, porém, uma das merendeiras, Dona Lourinha, como era conhecida, chegou contando uma história que abalou toda a comunidade do grupo escolar.
Dona Lourinha havia feito uma promessa às almas do purgatório, hábito frequente entre os católicos da época. Se seu marido deixasse o vício da bebida, iria uma vez por semana durante seis meses ao Cemitério dos Inocentes, acender velas para as almas em um local chamado Cruzeiro, lugar destinado a esse fim. Assim foi feito. Atendida pelas almas naquilo que pedira, Dona Lourinha ia ao Cemitério semanalmente à tarde, pois trabalhava de manhã. Para não ir sozinha, levava consigo seu filho caçula, um garoto de quatro anos. Enquanto a mãe acendia asvelas, o garotoandava pelo local. Naquela tarde, contou Dona Lourinha, o menino pôs-se a correr entre as sepulturas, rindo às gargalhadas, como se estivesse brincando de esconde-esconde com outra criança. Indagado, ele explicou: −É a noivinha, mamãe, e ela quer que a senhora acenda uma vela aqui, ó... E apontou para uma elevação de terra no chão.
Ao olhar para o local indicado pelo menino, Dona Lourinha quase desmaiou de susto: ali estava sepultada a menina que morrera ao cair no poço meses atrás.
A história da noivinha do Cemitério dos Inocentes correndo por entre os túmulos com seu esvoaçante vestido branco caiu na boca do povo e assustou quem tinha de passar por ali.
Fonte: Fonte: Sandra Castiel - sandracastiell@gmail.com
Gentedeopinião / AMAZÔNIAS / RondôniaINCA / OpiniaoTV / Eventos
Energia & Meio Ambiente / YouTube / Turismo / Imagens da História
Sou uma pessoa de sono difícil e sonhos perturbadores, custo a crer que não são realidade. Aliás, na madrugada, passei mal e precisei de atendimento
Quando eu era nova, o tempo não era um tema que eu considerasse instigante. Para mim bastava pensar que a vida é o que é, ou seja, tudo se modifica
Ela não era fumante, nunca foi, e se casou com meu pai, que fumava desde a meninice. Ela passava mal com o cheiro forte do cigarro impregnado nos le
O mundo em que nasci não é este que Deus está me permitindo ver e viver. Em um mundo analógico, as mudanças eram lentas; as crianças obedeciam às r