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Gente de Opinião

Sandra Castiel

ANTES QUE ANOITEÇA


A maturidade vinda com o tempo levou-me a estabelecer certa analogia entre a idade humana e as estações do ano; volta e meia, surpreendo-me pensando ou dizendo que cheguei ao outono da vida, por exemplo; como estação, já fui primavera e verão.

Amava ser primavera; criança, vivi plenamente as descobertas mais simples e realmente encantadoras da existência: o nascer do sol, as estrelas do céu, as incursões pelo quintal, o trabalho das formiguinhas operárias (existe coisa mais interessante do que segui-las?), a lua e suas diferentes formas e, claro, as brincadeiras da infância: amarelinha (nesta região era  conhecida como “macaca”); queimada (aqui era conhecida como “cemitério” – quando o adversário era atingido pela bola, todo mundo gritava em coro: morreu!); o joguinho das cinco pedras – jogava-se as pedras juntinhas na calçada e o jogo de habilidade começava: uma ia para o alto, colhia-se duas, três, quatro.

Vivia-se um tempo em que as pedras eram escolhidas na rua, pelo formato, pela textura, tudo brincadeira. Inesquecível. Sem contar as datas comemorativas, como natal, carnaval, festas juninas.

Na primavera da vida, eu amava sair de índia nos folguedos de Boi-bumbá em Porto Velho, nada me encantava mais do que isso: roupa feita com sacos de sarrapilha desfiada, tranças postiças improvisadas com rabos de cavalo, e as pinturas no rosto, é claro, pois esta era a melhor parte; e lá íamos nós, cantando as toadas ao som do tambor:   “Alevanta, meu Boi, Alevanta ! Vai na fonte, beber água!”

A primavera foi, realmente, esplendorosa. Claro que houve alguns percalços, mas estes se apequenaram diante de tamanha grandiosidade.

Não tenho grandes queixas a fazer do verão, embora a gente tenha se deixado embriagar pelo excessivo calor que ele emanava... belezas da juventude!

Também, quem não se “embriagou” assim, não tem lembranças do verão para reviver; o verão é intenso e parece não ter fim... Mas, como inebria, passa tão rapidamente que você não percebe. Até que um dia, acreditando que ainda vive o verão, o mundo lhe escancara a realidade: tia, você envelheceu!

Findo o impacto inicial, a gente acaba aceitando a crueza da revelação e até passando a enxergar nas rugas não uma pele mal tratada (ilusão!) mas sim o óbvio, o seu real significado: a passagem do tempo.

Outono da vida? Que seja!

O inverno da existência é rigoroso, nublado, implacável e escuro, não vale a pena pensar nele já. Tratemos, pois, de prolongar o outono e valorizar os raios de sol que ainda aquecem nossos momentos.

É tão cálido e aconchegante o dia! Que o aproveitemos, então, antes que anoiteça...

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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