Sexta-feira, 6 de abril de 2012 - 12h32
No mundo moderno Semana Santa significa, grosso modo, dias de feriado. No Rio de Janeiro, por exemplo, as pessoas tratam de viajar para a região dos lagos, onde as cidades são verdadeiros balneários. A corrida para essa região começa cedo, no meio da semana, para fugir do congestionamento; todos querem chegar logo em busca de diversão. Isto nos leva a pensar que, na sexta-feira da paixão de Cristo, a população aproveita para se divertir. Mas antes trata de comprar os benditos ovos de chocolate; as lojas ficam abarrotadas.
Àqueles que ficam em casa e pensam realmente sobre o significado da Semana Santa há algumas alternativas além de ir à igreja. Mesmo os que não são cristãos certamente refletem sobre os feitos de Cristo, o homem cuja existência marcou o calendário no planeta, e sobre suas lições à humanidade.
Em Porto Velho da minha infância, a cidade inteira ficava de luto durante a Semana Santa; não se podia sequer dar uma risadinha, cantarolar, ouvir uma música, ou varrer a casa. Dançar, então, nem pensar. Passávamos esses dias realmente enlutados. Na Catedral, as imagens dos santos eram cobertas com um pano escuro. E o corpo do Senhor Morto, ali, em uma urna de vidro. Não cansávamos de contemplá-lo. Até os sinos dobravam em tom fúnebre.
Certamente havia exagero no que se referia ao luto durante a Semana Santa. Mas hoje, há que se admitir que o episódio foi completamente esvaziado de seu significado. Semana Santa para a maioria representa apenas feriado.
Alguns canais de TV exibem os filmes de sempre sobre a vida de Jesus, e a gente os assiste todos os anos; é algo mágico, não dá pra mudar de canal. Mesmo sabendo a sequência do filme e seu final; mesmo sabendo da angústia que nos fica na alma, a gente assiste.
Considero cinema mais do que uma diversão, pois nos permite “entrar” e transitar numa história enriquecida com imagens, situações e falas ditas pelos próprios personagens. Se a trama for boa, prende na hora a atenção, sobretudo se os personagens forem bem construídos e bem interpretados.
Apesar de ser amante de bons filmes, raramente vou ao cinema; não me atraem as modernas salas de projeção. Prefiro pegar os DVDs na locadora e assisti-los calmamente, no conforto de meu lar, parando para um suco etc. Há quem ache isto um absurdo, afinal as salas de cinema têm acústica apropriada, e o som é importantíssimo, dizem os entendidos. Sem contar as dimensões da tela, a perfeição das imagens, as externas etc.
Sei que estão certos, concordo com tudo isso, mas continuo pegando os DVDs na locadora, não tem jeito.
Quando surge um filme novo, e todo mundo comenta, fico ansiosa esperando... Para ir ao cinema assistir? –Não, claro que não! Fico ansiosa para que o tal filme chegue à locadora, ora. Não espero a Semana Santa chegar para assistir meus filmes. Nesta época dou preferência aos documentários bíblicos, que são muito bons e muito bem feitos.
Na semana passada peguei LA PIEL QUE HABITO, ou A Pele que Habito, do espanhol Pedro Almodóvar; em minha modesta opinião, o maior gênio do cinema contemporâneo. Seus filmes mexem comigo, são tão fortes que fico noites inteiras remoendo a história na cabeça. Gosto, especialmente, de VOLVER, é fantástico!
Apaixonei-me pela obra de Almodóvar desde o primeiro filme. No início estranhei o idioma original. Não que o espanhol nos cause estranheza, afinal, somos latinos, mas temos que reconhecer que, como aculturados que somos nosotros, nos habituamos a acreditar que bons filmes são feitos por americanos ou ingleses (há exceções, claro). No Brasil, não obstante as dificuldades, o cinema está numa fase melhor.
Mas é incrível o arrebatamento que Pedro Almodóvar provoca na gente: os personagens são tão reais, as situações são tão humanas que é impossível ficar indiferente.
A Pele que Habito conta a história de um cirurgião plástico (Antônio Banderas) cuja esposa tem o corpo todo queimado em um acidente de carro; o carro pega fogo, após capotar. A esposa sobrevive, mas torna-se deformada e, depois de olhar-se no espelho, suicida-se. A filha única sofre de problemas mentais e é estuprada em uma festa por um jovem que desconhecia seu problema e estava drogado. Ela também se suicida. O pai persegue o jovem, sequestra-o, o mantém em cativeiro e o torna sua cobaia para testar uma pele transgênica. Além disso, muda o sexo do jovem, transformando-o em uma mulher.
O médico conta com a ajuda de uma empregada (na verdade sua mãe biológica) para manter o estuprador em cativeiro, dentro de sua mansão.
O filme começa mostrando a convivência entre os personagens, seu cotidiano etc. Só bem mais tarde é que o espectador toma conhecimento de que a linda moça cuidada e observada pelo médico, diuturnamente, através de um vidro, é na verdade um homem, o homem que no passado estuprara sua filha; um homem cuja consciência vive aprisionada num corpo de mulher.
Alguns episódios são apresentados sutilmente; outros, completamente escancarados, deixando os nervos do espectador à flor da pele.
O gênio de Almodóvar está presente na trama, claro, e coloca o vingativo personagem de Banderas como vítima da própria vingança: o algoz apaixona-se pelo escravo, e esse amor se torna sua perdição.
Este filme levou-me a pensar nas pessoas que vivem aprisionadas sob a própria pele; homens que vivem em corpos de mulher, mulheres que vivem em corpos de homens, por exemplo. Deve ser terrível. Pensar como mulher, sentir-se mulher, e ter que habitar um corpo de homem, ou vice-versa.
Fico a imaginar que todos nós em algum momento de nossas vidas já nos sentimos ou (se ainda não) nos sentiremos aprisionados ao próprio corpo, aprisionados à própria pele. A experiência de uma doença grave nos dá a dimensão desta perspectiva. Neste caso, enquanto a vida segue do lado de fora, ficamos presos a uma cama de hospital, aprisionados num corpo doente. E nada há que possamos fazer, a não ser esperar pacientemente ou pela cura ou pela morte. Ambas as alternativas representam uma forma de libertação.
O importante é manter a consciência em alerta e não permitir que os grilhões do aprisionamento façam com que nos percamos de nós mesmos, de nossos sonhos, de nossas expectativas, enfim, de quem somos na essência.
Que nos libertemos de outro tipo de aprisionamento; este, imposto pelo império consumista: viajar obrigatoriamente durante a Semana Santa em busca de diversão é um deles; incutir nas crianças que é vital ir ao shopping comprar ovos de páscoa é outro. Afinal, o significado da Páscoa passa longe disto.
Que bom que o gênio de Pedro Almodóvar nos possibilita esta reflexão...
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