Terça-feira, 8 de novembro de 2016 - 21h50
Passei a minha juventude a escrever cartas; se tinha um amigo que morava longe, punha-me a escrever-lhe, primeiro no modo rascunho; depois, tratava de “passar a limpo”, para um papel adequado, pois não era de bom tom enviar a alguém uma carta borrada, em papel de caderno ou com garranchos. Uma vez escrito o rascunho, este era lido várias vezes, a fim de evitar erros gramaticais; não se tratava de vaidade ou excesso de zelo, simplesmente era costume, à época, escrever de acordo com as normas da língua culta, como sinal de educação e respeito para com a língua pátria. E como amávamos nossa língua! Como nos orgulhávamos de usá-la corretamente sob o ponto de vista da gramática!
A caneta era um capítulo à parte: uma caneta Parker conferia certo status, a Parker 51 era o máximo do requinte: a tampa dourada contrastava com o corpo escuro. Não cheguei a ter uma caneta desse tipo, mas meus pais sim; os homens costumavam prendê-las no bolso da camisa e comumente portavam mais de uma. A caneta que eu costumava usar era uma caneta-tinteiro comum, de estudante, escolhida cuidadosamente na Livraria do Colégio Dom Bosco; essas vinham em várias cores porque eram destinadas aos mais jovens.
Remexendo meus guardados, encontrei pedaços de cartas: cartas que foram escritas e jamais enviadas, aliás, esse era um hábito que eu cultivava, não sei bem por que: cartas de amor, cartas cheias de paixão, cartas fraternas ou de amizade... Quanta pureza de sentimentos! Sentimentos que transbordam dos pedaços de papel amarelados pelas décadas... Amores e paixões de uma jovem sonhadora que ansiava por aventurar-se pelo mundo, desafiando os padrões de comportamento de uma época marcada pela absoluta falta de respeito à liberdade, sobretudo da mulher: não me envergonho de minhas cartas, pelo contrário, tenho orgulho de tê-las escrito, registrando ali, em alguns momentos, certa ousadia de uma jovem reprimida como eram as mulheres de minha geração.
De uma coisa a mais também sinto certo orgulho: a letra feminina e rebuscada, caprichosamente desenhada em caneta-tinteiro; coisa de quem desenvolveu esse estilo ao longo dos anos no colégio de freiras e que ainda hoje, tantas décadas depois, o conserva; vivia-se um tempo em que a letra de uma pessoa representava sua própria identidade. As cartas da jovem que eu fui, endereçadas de certo modo à pessoa que sou hoje, ficaram comigo para sempre!
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