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Gente de Opinião

Sandra Castiel

De Mulher pra Mulher


Numa tarde chuvosa de fim de verão, Dona Baratinha resolveu dar uma geral em seu AP.

Enquanto limpava o chão, pensava na vida e reconhecia que as coisas não iam nada bem: morava no subúrbio da cidade, num velhíssimo sala e quarto que pertencera a sua avó; sobrevivia de uma pequena pensão deixada por seu pai, e a vida amorosa era um fiasco. Dona Baratinha já passara dos trinta e, apesar de ser amável e bonitinha, raramente encontrava alguém que se interessasse por ela, a não ser por algumas noites.  Depois... Tchau!

Limpa daqui, vasculha dali, e acontece o inesperado: uma das tábuas do velho assoalho de seu apartamento levanta e...  Barras de ouro! Camadas triplas de pesadíssimas barras de ouro ocupavam toda a extensão do apartamento de Dona Baratinha. Tudo aquilo estivera oculto pelo velho assoalho há décadas...

Era um verdadeiro tesouro! Dona Baratinha estava riquíssima...

Passado o impacto da nova realidade e a fase de comprar tudo o que tinha vontade, Dona Baratinha, romântica como toda mulher, achou que poderia encontrar um parceiro; afinal, o que é a vida sem amor? Assim, concluiu que faltava alguém a seu lado. Talvez por isso vivesse assaltando a geladeira de madrugada e atacando barras e mais barras de chocolate.

É verdade que o amor poderia ter acontecido antes  - pensava.Mas reconhecia que todo esse tempo não cuidara da própria aparência: o cabelo e a pele eram mal tratados, estava acima do peso e cheia de celulite.  Isto sem falar nos dentes: ia ao dentista, é certo, mas apenas para o essencial; há muito tinha vontade de fazer o tal clareamento dentário tão usado nos dias de hoje. Vai ver era por causa do look desleixado que os caras não chegavam pra valer. Porém, doravante seria diferente -  prometia a si mesma.   

Algum tempo depois, Dona Baratinha estava bombando: sarada, lipoaspirada, siliconada, botoxeada e tudo mais que a modernidade de boas clínicas de estética pode oferecer para embelezar as criaturas, incluindo aí um sorriso alvo e perfeito, uma longa e lisa cabeleira loira e sobrancelhas belíssimas tatuadas com a mais pura e delicada henna do planeta. Um luxo!

Foi assim que uma noite, ao voltar do cinema e despedir-se das amigas, postou uma mensagem em vários sites de relacionamento:

Barata bonita, carinhosa, situação financeira definida, procura parceiro para uma relação séria. Os interessados devem enviar mensagem para: dbaratinha@luacheia.com.br.

Emocionada com a perspectiva de um encontro inesquecível e que mudaria sua vida, Dona Baratinha àquela madrugada, compôs uma canção que acabaria se tornando um sucesso internacional:

 “Quem quer casar com a senhora Baratinha que tem fita no cabelo e dinheiro na caixinha?...”

No dia seguinte, o correio eletrônico de Dona Baratinha estava repleto de mensagens; eram os candidatos a parceiro que tratavam de se apresentar. Havia e-mails como estes:

► Querida Barata, sou carinhoso, bonitão, musculoso e muito forte, posso proteger você a vida inteira. Mas quero alguém que cuide de mim. Moro sozinho e gosto de comer bem: 100 panquecas no café da manhã, 150 baldes de ensopado de rabanete com amendoim no almoço e 200 quilos de brócolis à milanesa no jantar. Vamos marcar um encontro? elefante@comilão.com.br.
 

► Gata Barata: Todas me acham o máximo. Sei que você também vai achar o mesmo, é claro. Dizem que barata esperta não atravessa galinheiro, mas você não vai acreditar numa bobagem dessas, não é? Espero sua resposta, para nos conhecermos, linda, e partirmos para um compromisso. Mande e-mail para: galo@bomdebico.com.br.
 

► Minha Rainha: Quando você falar comigo, saberá que encontrou o ”cara”. Sou charmoso (modéstia à parte), papo-cabeça e gosto muito de fazer feliz a parceira, entende? Só estou com um pequeno problema de caixa: preciso de alguma grana pra pagar o taxi até sua casa e depois levá-la pra jantar num lugar incrível! Aguardo resposta urgente. raposão@milcaras.com.br.

Depois de ler trezentas e oitenta e duas mensagens, Dona Baratinha estava exausta: tomou um chá de camomila com um suave tarja preta (receitado por seu médico) e foi dormir.

 De manhã, após um longo banho de espuma e um lauto breakfast, vestiu uma roupa clara, bem leve, sentou-se ao volante de seu carro esporte e seguiu em direção à rua onde ficava o jornal O Linguarado (o único que conta tudo). Quem sabe ainda não era tempo de reiniciar sua carreira de jornalista, sonho que abandonara na juventude por falta de oportunidade? Começaria como estagiária. Se fosse preciso, pagaria o espaço do jornal para publicar sua coluna semanal para mulheres solitárias. Afinal, dinheiro era o que não lhe faltava, ora! ...

De tanto estudar e exercitar seus dons literários, Dona Baratinha transformou-se em uma escritora respeitada. Aliás, não quis mais saber de procurar marido. Dizem que há um jornalista intelectualizado (além de bonitão e renomado) apaixonado por Dona Baratinha e até quer se casar com ela. Mas Dona Baratinha, como vive bastante ocupada e aprendeu a gostar de sua solteirice, ainda está pensando... 

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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